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O crime do processo eletrônico

Por Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior (*) | 03/09/2012 14:22

Certamente estarão se perguntado, a essa altura, de que crime está-se referindo, ou quais as partes envolvidas ou, ainda, a que pena estão sujeitos os envolvidos. E logo se esclarece que o presente texto teoriza sobre o processo penal eletrônico típico.

Não há dia ou noite em que não somos assediados por notícias sobre crimes cometidos por este ou aquele grupo organizado e sobre as vitimas que os mesmos barbarizaram durante suas ações.

Para nós, operadores do direito, o que importa é que estatisticamente cada crime ocorrido no Brasil corresponde a um futuro processo que percorrerá por todas as fases previstas no código antes de ser julgado. Some-se a isto o fato de que, em média, qualquer processo penal brasileiro pode chegar aos dez anos antes de, finalmente, ser executado.

Por isto o legislador achou por bem lançar mão do processo virtual, ou eletrônico, cuja promessa é a celeridade, embora, na prática, a real e única vantagem é a economia explícita de recursos naturais, como o papel.

O processo eletrônico é econômico, uma vez que dispensa o uso de funcionários para sua movimentação pelas prateleiras dos fóruns, ou para entrar e sair dos gabinetes de juízes e assessores. Mas, por outro lado, como toda novidade, é fato que a tecnologia só é amável com quem a inventa ou cria, já que o que percebemos é a total falta de preparo de nossos tribunais para disponibilizar um ambiente virtual seguro e estável.

Observe quantas vezes, só nesta semana, os gestores dos sistemas judiciais de movimentação processual dos tribunais brasileiros precisaram prorrogar prazos e suspender a distribuição de novas ações, em virtude de dificuldades técnicas.

Não podemos perder de vista que todo processo agora deve ser vertido para arquivos básicos de leitura e lançados mediante identificação digital. Mas, de fato, o que preocupa são as pequenas e constantes dificuldades técnicas, que infernizam os operadores do direito, justamente na hora em que precisam apresentar seus arrazoados e a falta de critérios quanto ao que é uma causa para a prorrogação dos prazos.

Além disto, e pouca gente está se atentando, os ambientes virtuais são vulneráveis a ações criminosas, cuja origem pode estar aqui do nosso lado ou em outro continente. Por isto é que vozes já se ouvem em prol de uma gestão judicial unificada em todo o território brasileiro.

Narro um caso ocorrido esta semana, apenas para ilustrar o problema. João, aqui nominado de maneira aleatória, cometeu um crime e por este está detido em uma delegacia brasileira. E não fosse pela insistente reclamação dos seus familiares a imprensa não saberia que ele se encontrava naquela situação havia uma semana, sem que a autoridade judicial fosse comunicada.

A gravidade da situação é tal que em nosso ordenamento constitucional prevê a concessão de habeas corpus quando a prisão torna-se ilegal, ainda que por simples omissão da autoridade policial em comunicar aquela detenção ao Juiz.

Por conta disto, convictos de que João estaria sofrendo um constrangimento ilegal, elaboram um habeas corpus para ser submetido ao judiciário. No entanto, para a surpresa dos familiares de João, o sistema implantado impede a distribuição física e, por conta disto, precisaram verter para um formato digital e, para complicar tudo, ao tentarem processar o pedido os impetrantes foram informados de que deveriam possuir certificação digital para poder peticionar em Juízo.

Diante das dificuldades rumaram para Brasília para reclamar providências, pessoalmente, no Conselho Nacional de Justiça, pois creem estar sofrendo cerceamento do direito constitucional de qualquer pessoa do povo impetrar habeas corpus.

O crime do processo eletrônico está muito longe de ser julgado e a pena a que ele está sujeito é a eterna desconfiança da novidade em detrimento do processo experimentado por décadas e que dá resultado. O Brasil precisa fortalecer a infraestrutura digital antes exigir alguma mudança de comportamento.

(*) Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior é presidente da comissão de advogados criminalistas da OAB/MS e professor universitário.

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