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O Estado não poderá terceirizar as consequências

Por Renato Dias Baptista (*) | 04/04/2017 13:35

Não ordenes aquilo que não puderes controlar. Essa frase, atribuída ao filosofo grego Sócrates, deveria rondar os contextos decisórios da recente proposta de terceirização de atividade-fim.

Inicialmente, sabemos que por meio dessa técnica uma empresa busca um prestador de serviços que assuma a responsabilidade por determinadas áreas. Isso permite que a contratante concentre seus esforços no nível estratégico.

Em termos administrativos é uma asserção atraente no mundo todo. Mark McRae, (2014) disse que “A terceirização pode dar acesso a um conjunto vertiginoso de profissionais altamente qualificados de todo o mundo”.

Ele conta que, para produzir um documentário profissional, contratou um roteirista nos EUA, uma equipe de filmagem do Canadá, o pessoal de pós-produção na Croácia e o Editor na Sérvia. "Com as novas tecnologias, o trabalho não é mais um local, é uma função, que pode ser realizada em qualquer lugar a qualquer momento”.

De outra parte, e os contrapontos são providenciais, para a OIT “os empregadores são confrontados com um desafio de sobrevivência num ambiente global competitivo, mas não podem melhorar sua produtividade com uma força de trabalho mal treinada e desmotivada”.

Com tal característica, um cenário perfeito para alguns pode se converter em inferno para outros. E esses pormenores estão ausentes na proposição governamental vigente, posto que a nova lei amplia as possibilidades de terceirizar a atividade-fim.

No Brasil, com suas fragilidades de suporte à saúde, segurança e educação, isso deve ser cautelosamente revisado. Um dos principais fatores está na ruptura dos benefícios oriundos das organizações que, de certo modo, preenchem as lacunas do estado.

Com a terceirização da atividade-fim seriam criadas as mesmas limitações que possuem grande parte dos empregados de prestadoras de serviços das denominadas atividades-meio. Eles viram o enfraquecimento de algumas categorias profissionais, a diminuição dos postos de trabalho e a redução de salários ( na lógica de que os serviços são terceirizados, e não as pessoas).

A restrição não está na ideia, mas em como ela tem sido utilizada e o quanto ela pode estar próxima do subemprego. Coloque essa dinâmica num sistema com milhões de desempregados e depois gere a crença de que essa ação pode contribuir na ampliação do nível de ocupação. Será possível constatar a consequência de alterações sem escrúpulos direcionadas ao próprio governo que as fomentou. Para quem essas mudanças servirão exatamente?

Não existem motivos para que um trabalhador deseje a terceirização, principalmente no meio de uma crise. A ampliação da técnica formalizará o subemprego e enfraquecerá as instituições.

Nas universidades públicas, a título de exemplo, onde o investimento em pesquisa e no ensino é um indicador representativo para o desenvolvimento do país, a terceirização da atividade-fim pode desconstruir o que levou décadas para ser consolidado. Em alguns estados isso pode representar um empurrão para vir abaixo o que restou.

É fato inegável de que em muitas empresas e organizações públicas existe a necessidade de reestruturação nas politicas de contratação, avaliação e carreira. Mas a terceirização é a resposta mais curta e superficial neste momento.

O papel do governo federal se assemelha a ação do indivíduo que faz empréstimos num banco para realizar investimentos de menor rentabilidade em outro. Desse modo, conforme o ponto de vista, ora tudo está bem, ora tudo está comprometido.

O grande inconveniente é que, no modelo de terceirização proposto, as rupturas estão concentradas na perda de conquistas históricas. As empresas que realmente já investiram em bens intangíveis reconhecem com exatidão o perigo em aderir a um modelo de precarização do trabalho. Elas correm o risco de macular tanto a reputação, como a sua cultura. E estas são conquistas de longo prazo que, muito distantes de serem consideradas meras benevolências, são as que salvaguardam a continuidade de uma organização e o seu retorno financeiro.

Tempos de crise exigem cuidado ao se impor mudanças. A atual busca de soluções demonstra estar permeada por uma retórica rasa e uma incipiente estratégia de sobrevivência. O estado age tal qual um náufrago que, em situação delirante, busca beber a água na ilusão de reduzir o que lhe aflige.

(*) Renato Dias Baptista é professor assistente doutor no curso de administração da Unesp

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