O rastreio de câncer de próstata mudou, e você precisa saber disso
A velha ideia de que todo homem precisa fazer PSA (antígeno prostático específico) e toque retal todo ano? Ela caiu. E caiu bem. O que a ciência mais atual nos diz é que rastreio universal, automático e indiscriminado pode fazer mais mal do que bem — e sim, isso inclui aquele exame de sangue que muitos acreditam ser 'de rotina'.
RESUMO
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O rastreamento do câncer de próstata passou por mudanças significativas nos últimos anos. Estudos científicos demonstram que o exame de PSA e o toque retal anuais e indiscriminados podem causar mais prejuízos do que benefícios, levando a diagnósticos e tratamentos desnecessários de tumores que não representariam risco à vida. As diretrizes atuais recomendam uma abordagem individualizada para homens entre 50 e 69 anos, ou a partir dos 45 para grupos de risco. A periodicidade dos exames pode variar de 2 a 4 anos, dependendo dos resultados. Especialistas destacam a importância da decisão compartilhada entre médico e paciente, considerando fatores específicos de cada caso.
Vamos conversar sobre o que realmente importa hoje.
O PSA não é mais o super-herói que parecia ser
Lá nos anos 90, o PSA (antígeno prostático específico) foi introduzido como uma esperança: encontrar câncer cedo, salvar vidas. Mas décadas de estudos — incluindo os grandes ensaios americanos e europeus publicados no NEJM (New England Journal of Medicine) — mostraram uma realidade incômoda: rastrear todo mundo, todo ano, detecta muitos cânceres que nunca matariam.
Sim, você leu certo: a maioria dos cânceres de próstata é de crescimento lento, e muitos homens morrem com câncer de próstata, não por causa dele. O problema? O rastreio em massa leva a biópsias, cirurgias e tratamentos que podem causar incontinência urinária e disfunção erétil — em homens que poderiam viver tranquilamente sem nunca saber que tinham um tumor indolente.
O que preconizam as diretrizes atuais?
As principais sociedades médicas — incluindo USPSTF (US Preventive Services Task Force), SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) e ACP (American College of Physicians) — convergem para uma abordagem chamada decisão compartilhada.
Traduzindo: não existe 'faça todo ano a partir dos 40' ou 'todo homem deve fazer'. O que existe é:
• Conversar sobre riscos e benefícios com homens entre 50 e 69 anos (ou a partir dos 45, se houver fatores de risco como histórico familiar ou ancestralidade africana).
• Individualizar a periodicidade: se o PSA está baixo e estável, intervalos de 2 a 4 anos podem ser suficientes.
• Evitar rastreio após os 70 anos, especialmente se a expectativa de vida é menor que 10 anos — porque os danos superam os benefícios.
Para médicos da atenção primária: sua missão não é pedir PSA indiscriminadamente. É informar, educar e decidir junto. E isso vale ouro.
E o toque retal? Vamos desmistificar
Ah, o famoso toque. Ele virou sinônimo de constrangimento, piada de boteco e resistência masculina. Mas vamos aos fatos:
O toque retal detecta tumores palpáveis — geralmente aqueles mais avançados ou agressivos, que podem não elevar tanto o PSA inicialmente. Ele complementa o PSA, não o substitui. E vice-versa.
A verdade desconfortável (com perdão do trocadilho): o exame leva menos de 10 segundos, é indolor quando feito com técnica adequada e pode, sim, identificar alterações importantes.
Desmistificando: não, você não vai 'perder a masculinidade'. Não, não é invasivo ao ponto de ser insuportável. E sim, cuidar da saúde é coisa de homem inteligente.
E as mulheres trans? Elas também têm próstata?
Sim. Mulheres trans que não fizeram cirurgia de redesignação genital completa mantêm a próstata — e sim, ela pode desenvolver câncer, embora o risco seja reduzido pela terapia hormonal feminilizante (estrogênio).
Como rastrear?
• Considere rastreio individualizado a partir dos 50 anos (ou 45, se houver fatores de risco).
• O PSA pode estar mais baixo devido ao uso de estrogênio e antiandrógenos — valores de referência precisam ser interpretados com cautela.
• O toque retal segue sendo possível e útil, mas deve ser oferecido com sensibilidade, respeito e clareza sobre sua importância.
• Decisão compartilhada é fundamental: muitas mulheres trans evitam acompanhamento urológico por medo de desrespeito ou invalidação de gênero. Cabe a nós, profissionais, criar espaços seguros e acolhedores.
Resumo prático: próstata não é 'coisa de homem cis'. É questão de anatomia — e merece cuidado respeitoso, sempre.
A cultura do 'homem não se cuida' — e como isso mata
Existe um padrão cultural perigoso: homens adiam consultas, ignoram sintomas, ridicularizam exames e só procuram ajuda quando a situação já está grave. Isso não é 'ser forte'. É vulnerabilidade disfarçada de masculinidade tóxica.
Um estudo publicado no American Journal of Men's Health mostrou que homens têm 24% menos probabilidade de procurar um médico regularmente comparados às mulheres. E isso tem consequências reais: diagnósticos tardios, tratamentos mais agressivos, mortalidade evitável.
A boa notícia? Essa cultura está mudando. Cada vez mais homens — e sociedades médicas — reconhecem que cuidar da saúde não é sinal de fraqueza, mas de responsabilidade.
5 Dicas práticas para cuidar da saúde da Próstata (e do homem como um todo)
1. Converse com seu médico aos 50 (ou aos 45, se houver risco).
Não espere sintomas. Não peça 'aquele exame completo'. Vá, converse, entenda os riscos e benefícios do rastreio para você.
2. Mantenha peso saudável e pratique atividade física
Obesidade aumenta o risco de câncer de próstata agressivo. Exercício reduz inflamação crônica e melhora a saúde metabólica — e isso protege a próstata também.
3. Coma bem: menos carne vermelha, mais vegetais
Dietas ricas em frutas, vegetais, tomate (licopeno) e peixes (ômega-3) estão associadas a menor risco de câncer de próstata agressivo. Não é milagre, mas é soma positiva.
4. Fique atento aos sintomas urinários — mas sem pânico
Jato fraco, levantar à noite para urinar, dificuldade para iniciar? Pode ser HPB (hiperplasia benigna), não necessariamente câncer. Mas merece avaliação.
5. Quebre o tabu: fale sobre saúde com outros homens
Normalize a conversa. Compartilhe experiências. Incentive amigos e familiares a se cuidarem. A mudança cultural começa em cada roda de conversa.
O fecho
Rastreio de câncer de próstata não é 'fazer PSA e toque todo ano até morrer'. É decisão informada, baseada em evidências, centrada na pessoa. É respeitar a individualidade de cada homem — cis ou trans — e escolher o melhor caminho junto.
E é lembrar: cuidar da saúde não é opcional. É inteligente.
Informação de qualidade transforma cuidado — e cuidado transforma vidas.
(*) Fernando Henrique Rocha Fontoura é médico formado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), especialista em Medicina de Família e Comunidade, pós-Graduação em Cardiologia - Hospital Israelita Albert Einstein/SP, membro titular da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e membro aspirante da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
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