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Obama e Trump, Dilma e Temer, ou melhor, Estados Unidos e Brasil

Por Sérgio Mauro (*) | 03/05/2017 09:58

Há realmente diferenças substanciais entre as personalidades e as políticas públicas adotadas por Obama e Trump, nos EUA, ou entre Dilma e Temer, no Brasil? Se analisarmos os discursos retóricos, isto é, que usam técnicas de persuasão e de convencimento (ou enganação), talvez pareçam muito diferentes.

Enquanto Obama reconhecia a necessidade de manter a supremacia americana no jogo politico internacional, mas sem recorrer a ameaças de uso da força militar para combater os regimes comunistas radicais remanescentes no mundo, Trump não tem outro argumento convincente a não ser o uso das bombas e do poderio militar em geral; enquanto Dilma afirmava governar, como o seu antecessor, privilegiando o uso de recursos públicos para manter o sustento de milhões de miseráveis por meio da concessão de bolsas, Temer defende o enxugamento da máquina pública para que no futuro não venha a faltar recursos para os mais pobres. Pouco persuasivos ambos os argumentos, tanto no caso dos americanos como no dos brasileiros.

As diferenças entre os americanos e, sobretudo, entre os americanos e os brasileiros e entre os dois brasileiros começam a aparecer quando se analisam as diferentes circunstâncias que os levaram ao poder. Trump sucedeu a Obama vencendo a sua rival Hillary Clinton, mesmo sem ter obtido a maioria dos votos, graças a um sistema que, no fim das contas, considera mais importante o voto de alguns estados em particular; Temer, vice de Dilma na chapa que foi escolhida pela maioria dos brasileiros, herdou o cargo após o impeachment da titular, graças a um acordo, perfeitamente possível e legal na democracia brasileira, embora pareça condenável do ponto de vista ético, entre a Câmara e o Senado, particularmente antipáticos a Dilma (sendo a recíproca também verdadeira).

Nos dois países há corrupção, como de resto em qualquer sociedade de seres humanos, mesmo na gélida e pacata Noruega, com a diferença que nos EUA a corrupção, embora faça parte do mundo dos negócios e do ambiente empresarial, não é sistêmica nem facilmente tolerada como a do Brasil.

Por quais motivos? São tantos e nenhum deles explica suficientemente algo tão complexo, embora possamos dizer que as enormes diferenças entre a colonização e a formação dos dois Estados, americano e brasileiro, expliquem boa parte das diversidades, mas certamente não todas. Seria possível evocar também o clima predominantemente temperado de um país e o tropical do outro, suspostamente desencorajador do trabalho e do esforço físico, além da ética protestante americana, que valoriza o enriquecimento e o trabalho, e a ética católica, endeusadora da pobreza, mas todos estes fatores, embora possam ter certo peso na análise, não demonstram cabalmente nem satisfatoriamente os verdadeiros motivos que levaram os dois países a seguirem trajetórias muito diferentes. Além do mais, insistindo demais em fatores climáticos ou em outros fatores naturais, corre-se o risco de cair num determinismo oitocentista já superado.

De modo geral, os princípios que nortearam os vários presidentes americanos que se sucederam na história do país foram basicamente os mesmos: nos anos de “formação” da potência político-militar, os objetivos eram justamente os de obter vitórias a todo o custo, estendendo o país o máximo possível, na busca constante de terras férteis e cheias de recursos naturais; nos anos de consolidação do poder e da riqueza já conquistados, tratou-se sempre de como manter o status obtido, vigiando constantemente os que se recusam a estender a mão a um aliado tão potente e, por vezes, prepotente.

No âmbito das relações exteriores, divergem apenas os métodos pelos quais republicanos e democratas sempre lograram alcançar os seus objetivos, pela truculência e arrogância, às vezes apenas retórica, às vezes desastradamente posta em prática, dos primeiros, e pela aparente lógica diplomática e pacifista dos últimos, o que não exclui, porém, quando imperioso e, sobretudo, quando pressionado pela opinião pública, o uso da força militar.

No âmbito da economia e dos assuntos internos, a diferença básica é a eterna promessa dos primeiros de evitar qualquer protecionismo e de diminuir a ingerência do Estado na regularização do ultradinâmico mercado, e a tímida e modesta preocupação dos últimos com os que se encontram à margem da sociedade, seja por motivos de exclusão étnica, seja por simplesmente terem sucumbido no combate por melhores condições de vida.

No caso brasileiro, as diferenças, embora pareçam maiores, reduzem-se a basicamente duas: como se apoderar da máquina estatal, por meio de golpes militares ou por meio de eleições que não hesitam em empregar a demagogia e o populismo para confundirem um eleitorado geralmente despreparado e obrigado a votar como um dever, e não um direito. Uma vez no poder, os vários grupos que nele se consolidam, repetem esquemas de corrupção e de manutenção de privilégios, sempre os mesmos, com variantes meramente retóricas ou de marca populista.

Que ninguém se iluda, porém, em encontrar em qualquer um dos dois países, ou em qualquer uma das polarizações políticas (Obama X Trump ou Dilma X Temer) um possível paraíso ou mesmo um tímido purgatório. Ao dinamismo da economia americana, com uma riqueza imensa melhor distribuída do que a brasileira, mas certamente não para todos, corresponde também uma sociedade em que as pessoas já aprenderam a conviver resignadamente com uma neurose coletiva, com grandes possibilidades de explosões públicas de raiva, que não raramente se traduzem em tiroteios com muitas mortes. Por outro lado, a aparente vida alegre, descompromissada e desregrada, que muitos estrangeiros ainda enxergam no Brasil choca-se frontalmente com a ineficiência generalizada dos serviços básicos, do policiamento preventivo e da aplicação das leis, gerando índices assustadores de homicídios e crimes em geral.

Infelizmente, a marca registrada dos dois países é a violência que, porém, se manifesta de modos diferentes. Os índices americanos de homicídios são bem inferiores aos do Brasil, mas muito maiores do que os europeus. Contando com policiamento muito mais eficaz, com aplicação muito mais frequente e rápida das leis, além de (e aqui se justifica) uma maior disseminação de valores éticos ligados ao trabalho e ao mérito, os EUA parecem um pequeno “paraíso” se comparado ao Brasil, mas não consegue (ou não quer) coibir uma forma de ansiedade neurótica associada ao medo constante de perder a hegemonia mundial e de um dia encontrar um inimigo mais poderoso.

Enfim, o aspecto final em que os dois países se assemelham é que tanto Obama e Trump quanto Dilma e Temer representam faces só aparentemente opostas de uma política destinada à estagnação e à manutenção dos privilégios de alguns, embora se apresentem aos pobres eleitores, de ambos os países, de maneiras por vezes violentamente contrapostas.

(*) Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

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