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Os médicos e as mídias sociais

Miriana Basso Gomes (*) | 06/10/2022 09:30

Atualmente, é possível escolher de tudo pela internet sem sair de casa. Se eu compro uma televisão, sei que será entregue o modelo exatamente como escolhi em determinado site. Mas será que é possível fazer isso com tratamentos médicos? Cada organismo pode reagir a uma determinada medicação de maneiras diferentes. Uma dose baixa de um remédio pode ser boa para um, mas para outro pode dar reações e para um terceiro pode ser insuficiente. O mesmo vale para procedimentos. Muitas mulheres colocam silicone nos seios e ficam bonitas, mas outras podem ter alguma rejeição ou a cicatrização pode ser difícil. Se isso acontece, é erro médico? Não, pois existem reações em medicina que não são previsíveis e que dependem de cada paciente. Mas uma coisa, sim, é inadequada: prometer resultados e ocultar os riscos dos procedimentos. Por isso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 1.974/2011 com regras para guiar a publicidade médica. Essa resolução é amparada pela Lei 3.268/1957, que institui os Conselhos como órgãos supervisores das condutas profissionais. É importante que a população leiga também saiba da existência dessas regras, que estão disponíveis no site do CFM.

As mídias sociais possibilitaram uma maneira de as pessoas ficarem famosas de modo muito rápido, e algumas ainda conseguem ganhar dinheiro com isso. O bom profissional não é mais aquele com melhor currículo e com boas referências, mas, sim, o que tem mais curtidas e “seguidores”. Mas será que as competências podem ser medidas pela fama no Instagram? Será que é adequado um perfil médico fazer “dancinhas” no Tik Tok? Quantos doutores populares na internet você já viu postando fotos de “antes” e “depois” dos procedimentos?

Esse tipo de conduta é condenado pelo Conselho Federal de Medicina, mesmo que o paciente esteja anônimo ou tenha autorizado. Se a pessoa estiver identificada, o erro é mais grave, pois ainda fere a privacidade e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Mas, apesar disso, muitos continuam fazendo esse tipo de postagem, pois uma multidão curte sem perceber que ali está ocorrendo uma infração ética.

Antigamente as pessoas ficavam famosas por serem especiais. Atualmente elas são consideradas especiais simplesmente por serem famosas, independentemente do motivo. Por isso não se deve acreditar numa celebridade quando ela oferece para compra uma pílula milagrosa da qual não encontramos registro na Anvisa ou sobre a qual não há publicação séria em periódico. Esse tipo de problema não acontece só no Brasil. Recentemente foi publicado um artigo na revista New England Journal of Medicine com o título “Médicos espalhando desinformação nas mídias sociais – As respostas certas e erradas ainda existem na medicina?”. Essa publicação cita problemas dos médicos com as mídias e toda a exposição da classe agravada pela pandemia da covid-19.

Mas o que a população leiga pode fazer para se informar corretamente sobre questões de saúde? Certamente, mais importante do que pesquisar o seu médico no Facebook, é entrar no site do Conselho Regional de Medicina e verificar se ele possui especialização e se ele se encontra com o registro em dia. Devem-se evitar sites e profissionais que ajam com muita autopromoção e sensacionalismo.

Não se deve acreditar em tratamentos milagrosos com base no “número de curtidas”. A internet ⁠é um modelo de negócio por lucro, onde se ganha ao permitir que informações não verificadas alcancem qualquer um pelo menor preço.

O juramento de Hipócrates, proclamado pelos médicos durante a formatura, diz em um dos trechos: “A saúde e o bem-estar de meu paciente serão as minhas primeiras preocupações. Guardarei o máximo respeito pela vida humana”. Numa sociedade consumista pode-se achar que a “saúde” é algo “comprável”, quando ela depende de muitos fatores, e o médico deve ser o guardião das boas condutas e valores. Mercantilizar o ato médico, além de poder prejudicar a população, pode macular a imagem de classe de uma das profissões de maior respeito e tradição da história da humanidade.

(*) Miriana Basso Gomes é mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS

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