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Se não houver amanhã

Por Cristiane Lang (*) | 23/09/2025 08:30

E se não houver amanhã? Essa pergunta nos atravessa como uma flecha silenciosa, e, por instantes, nos faz parar. A vida, tão corrida, tão barulhenta, raramente nos dá tempo de refletir sobre a brevidade que a sustenta. Acreditamos que teremos anos pela frente, que o futuro é um território sempre aberto e disponível, que nossos planos podem esperar, como se a vida fosse uma prateleira infinita. Mas e se não for?

O hoje é tudo o que temos. Um punhado de horas que se dissolvem no ar, um sopro que pode se perder. Ainda assim, tratamos o presente como se fosse descartável, como se o que importa estivesse sempre no dia seguinte. Guardamos palavras no bolso, gestos na gaveta, sonhos no calendário. Esperamos a ocasião certa, o momento perfeito, a tranquilidade absoluta que nunca chega.

Mas o amanhã é uma promessa que não pertence a nós. O relógio não nos pergunta se queremos mais tempo. O destino não nos consulta antes de virar a página. Tudo pode cessar de repente: a voz que hoje ouvimos pode calar-se, o abraço que adiamos pode já não estar disponível, o sonho que empurramos para depois pode nunca mais encontrar terreno.

Por isso, se não houver amanhã, o que terá valido a pena?

— Teremos amado o suficiente?

 — Teremos dito o que precisávamos dizer?

 — Teremos experimentado a alegria simples do agora, ou apenas planejado felicidades distantes?

É nesse ponto que a consciência se torna chamada à ação. Viver o hoje não significa abandonar o futuro, mas entender que ele se constrói aqui, neste instante. Cada atitude, cada palavra, cada escolha é um tijolo colocado na estrada que talvez nunca percorramos até o fim — mas que, de qualquer forma, precisa ser erguida.

Agir hoje é coragem

Executar planos, ainda que pequenos, é ato de amor por nós mesmos. Sonhar é bonito, mas realizar é o que dá corpo à existência. O livro que repousa fechado na estante, o texto que ficou no rascunho, a viagem sempre adiada, a ligação que nunca fizemos — tudo isso pode virar apenas espectro, se não houver amanhã.

Amar hoje é urgência

Quantas vezes adiamos o “eu te amo”, guardando-o como se houvesse tempo de sobra? Quantas vezes deixamos para depois um abraço, uma visita, um perdão? A verdade é que cada encontro pode ser o último, e cada silêncio pode se transformar em vazio eterno. Se não houver amanhã, o que restará é o arrependimento pelo amor que não ousamos declarar.

Escolher hoje é liberdade

A vida é feita de decisões que não podemos terceirizar. Muitas vezes, adiamos escolhas por medo do erro. Mas não escolher também é escolher — é abrir mão de escrever o próprio caminho. Se não houver amanhã, ao menos que a história tenha sido escrita com nossa caligrafia, e não deixada em branco pela covardia.

O hoje não precisa ser grandioso para ser significativo. Pode estar num café compartilhado, numa palavra de consolo, numa risada despretensiosa. Pode estar em começar algo simples: escrever a primeira linha de um livro, plantar a primeira semente, dar o primeiro passo de uma caminhada. São os pequenos atos que tornam o presente habitável, e que nos protegem do vazio de uma vida só planejada.

Não se trata de viver em desespero, mas em consciência. De saber que cada pôr do sol é único, que cada conversa pode ser irrepetível, que cada olhar pode ser despedida. Viver hoje é honrar o tempo que nos foi dado, sem arrogância de achar que ele será infinito.

Se não houver amanhã, que ao menos o hoje tenha sido pleno. Que tenhamos falado com franqueza, que tenhamos feito escolhas com coragem, que tenhamos amado com intensidade. Que o presente tenha sido vivido com tanta inteireza, que a falta de um futuro não pareça tragédia, mas apenas o fim natural de um ciclo bem aproveitado.

A vida é breve demais para ser adiada.

O amanhã é apenas hipótese.

O hoje, este sim, é o que temos.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.