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Um país inteiro manipulado pela ideologia neoliberal

Por Wladimir Tadeu Baptista Soares e Cleodete Candida Gomes (*) | 10/04/2018 13:00

O que é capaz de fazer a um país uma educação precária e a multiplicação diária de analfabetos funcionais? O Brasil parece ser, atualmente, o grande laboratório da filosofia/doutrina neoliberal.

Um pensamento econômico e político que visa, por meio do capital, um poder hegemônico mundial, e que vai se construindo a partir da desconstrução de princípios e valores morais dentro de uma determinada sociedade. Ressignificar e reconceituar as coisas é o seu modo de agir. E faz isso mudando currículos escolares, precarizando as relações de trabalho, restringindo aumentos salariais, demonizando servidores públicos e aposentados, privatizando serviços públicos sociais, desmoralizando sindicatos, acusando professores pela crise das Universidades, acusando os profissionais da saúde pela crise no SUS (Sistema Único de Saúde), impondo princípios mercantis à Administração Pública, desqualificando os direitos humanos, afirmando ser o neoliberalismo a única alternativa para o crescimento de uma Nação.

O neoliberalismo prega e estimula o individualismo exacerbado, negando, assim, toda forma de solidariedade. Para os neoliberais, saúde, educação e previdência social não são direitos sociais, mas propriedades-mercadorias que devem ser "compradas" por aquele indivíduo que triunfou no mercado e que, portanto, dispõe de recurso mais do que suficiente para isso. A exacerbação do individualismo faz com que o outro indivíduo seja visto sempre como uma ameaça ao seu sucesso, ao seu triunfo, gerando inúmeras e fortes zonas de tensão social dentro da coletividade. Sendo saúde, educação e previdência social propriedades-mercadorias, estas devem existir e funcionar dentro de um ambiente de mercado e sendo geridos por homens de negócios, sob a lógica do lucro e da produtividade.

Como ideologia, o neoliberalismo visa promover todo o tipo de reforma do Estado, particularmente reformas envolvendo o currículo escolar, a Administração Pública, a saúde pública e a própria legislação inscrita na Constituição Federal de 1988. Desse modo, o neoliberalismo se apresenta como um projeto de poder. Na verdade, o neoliberalismo adota a chamada "pedagogia da exclusão" em todos os setores da Ordem Social.
Utilizando-se de um discurso retórico de enorme capilaridade, os neoliberais acabam por construir um consenso de governos e grande parte da sociedade para a implantação do seu projeto reformista, visando a soberania do capital, particularmente o capital financeiro rentista, sobre o próprio Estado, que fica refém dos seus princípios.

Ao longo do tempo, as Políticas neoliberais vão levando ao aumento da pobreza, aumento da desigualdade social e achatamento salarial de trabalhadores sem o mínimo de estabilidade, o que o torna mero fantoche nas mãos do empresário. O enfraquecimento dos sindicatos leva a uma situação de vulnerabilidade cada vez maior do trabalhador. As leis do mercado passam a ser as leis gerais do país. A ruptura do tecido social pela ausência de solidariedade transforma o Estado em uma simples associação de indivíduos livres e independentes, porém sem amparo social estatal. As pessoas se tornam individualistas e a sociedade se divide: a elite proprietária do capital e os outros. Com isso, discursos de ódio e intolerância são estimulados por essa elite com a finalidade de manter cada vez mais dividida a classe trabalhadora. E, até por estratégia de dominação, a elite dona do capital deixa parecer para alguns da classe trabalhadora que eles são elite também, não percebendo a manipulação a que estão sendo submetidos. Mentiras são lançadas a todo instante nas redes sociais, e estas passam a ser impregnadas de fakenews. A sociedade se esfacela ética e moralmente, enquanto a elite do capital ri de todos nós.

Inicia-se um processo bem orquestrado de banalização da vida e da reputação das pessoas. A dignidade passa a ser letra morta no texto constitucional. As pessoas passam a se ofender, fazendo da agressividade um modo de agir. O respeito desaparece do meio social. O conceito de cidadania muda e passa a ser cidadão aquele que é consumidor empreendedor. O conceito de responsabilidade social também muda e passa a ser entendida como a invasão do setor privado no setor público para, sob as regras e princípios do direito privado, gerir todo o setor público e, assim, gerar eficiência e qualidade dos serviços prestados pelo poder público, particularmente os serviços de saúde e educação, não mais gratuitos e universais.
Adota-se a política pública do Estado Mínimo para os direitos sociais e Estado Máximo para o mercado. O lucro passa a ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Hospitais Públicos Federais Universitários são transformados em filiais da EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares -, saindo da esfera administrativa das Universidades Públicas Federais, as Unidades Básicas de Saúde, Escolas e Hospitais Públicos passam a ser geridos, com dinheiro público, por entidades do setor privado - Organizações sociais e OSCIP -, fragmentando a gestão única do SUS, por via de um fenômeno denominado "publicização". Alguém, com certeza, está enriquecendo com isso. Certamente, não somos nós - povo brasileiro.

No neoliberalismo, tudo é privatizado, inclusive o sucesso e o fracasso. Assim, se o indivíduo não conseguiu triunfar em uma sociedade de mercado, a culpa é dele mesmo que não soube trabalhar direito e aproveitar todas as oportunidades que o mercado oferece. Para os neoliberais, o sistema educacional deve atender tão-somente às necessidades do mercado (do capital), nada tendo a ver com a formação humana como cidadão. Para os neoliberais, direitos sociais são um obstáculo ao desenvolvimento nacional. Para os neoliberais, o valor pago como salário para o trabalhador deve ser aquele suficiente para garantir a sua subsistência, nada mais do que isto. O neoliberalismo não convive bem com o Estado Social. O neoliberalismo, como doutrina do pensamento único, não aceita o pluralismo de ideias e opiniões, sendo, assim, contrário à própria Democracia. Não há soberania estatal frente o neoliberalismo. Ao contrário, há soberania do capital financeiro. Ao promover a privatização de tudo, o próprio Estado fica também privatizado, o que significa dizer que o Estado passa ter dono: os donos do capital. O povo deixa de ser representado e passa a ser manipulado. Para os neoliberais, não há que se falar em obrigatoriedade da educação pública, não há que se falar em direito universal à saúde. Igualdade e liberdade, para os neoliberais, significa estar no mercado lutando para sobreviver. Para os neoliberais, o lucro é o que importa. E você só importa enquanto instrumento para a obtenção desse lucro. Para os neoliberais, o ser humano não tem um valor em si mesmo. Por isso, não há que se falar em dignidade da pessoa humana. Para os neoliberais, dignidade é mercado produtivo e lucrativo. Os neoliberais não suportam que os indivíduos desenvolvam um pensamento crítico reflexivo sobre o mundo. Eles querem os indivíduos trabalhando e consumindo, e não pensando. Assim, os intelectuais do neoliberalismo querem você escravo; enquanto eles, donos dessa enorme senzala chamada povo trabalhador...

(*) Wladimir Tadeu Baptista Soares é advogado, médico do SUS, professor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da UFF (Universidade Federal Fluminense) de Niterói (RJ). Contato pelo wladuff.huap@gmail.com.

Cleodete Candida Gomes é enfermeira e defensora do SUS e coordenadora do Sista-MS. Contato pelo cleodete.gomes@outlook.com. 

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