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Um projeto nacional-regional de leiturização em suportes gráficos e eletrônicos

Claudemir Belintane (*) | 19/02/2023 13:30

Comecemos por algumas perguntas que não querem calar: por que temos um número tão alto de crianças que não conseguem atingir o nível de leitura suficiente para se tê-la como ferramenta de novas aprendizagens e de exercício da cidadania? Por que as políticas educacionais não alcançam o efeito desejado nesses estritos campos do ensino das bases para a leitura proficiente e para o domínio da matemática? Tais políticas são ineficientes ou se sujeitam à estrutura preexistente da tradição, de tal modo a não se conseguir propor nada além de alguns cursos de “formação continuada”? Seria possível pensar uma política capaz de enfrentar a complexidade que a educação contemporânea demanda, levando em conta os avanços da ciência, das culturas, dos meios e suportes digitais?

Vamos tentar responder, ainda que parcialmente, a essas questões e sugerir algumas ideias aos novos administradores.

Primeira pergunta: “Por que temos um número tão alto de crianças que não atingem um nível de leitura suficiente para o exercício da cidadania?”

É uma questão complexa, mas, como alguns pontos são evidentes e até consensuais, então vamos partir desses pontos! Ora, sabemos que a heterogeneidade, por mais que se tenha tentado homogeneizá-la, continua sendo um elemento constitutivo da ambiência escolar e não uma anormalidade, certo? Nela está inscrita a nossa histórica divisão de classe, nossos aviltamentos do passado (escravidão, baixos salários, desemprego crônico, miséria, abandono, condições precárias de moradia etc.) e os “impossíveis” intrínsecos ao próprio ato de educar – “impossível” aqui, não quer dizer impotência, capitulação, mas sim alguma predisposição para aceitar limites sem fingir que se trata de desafios factíveis, que podem ser deixados nas mãos desamparadas de uma educadora isolada em sua sala de aula.

Como educador, posso garantir que ninguém consegue educar crianças da periferia do mesmo modo que se educam as da classe média. Sempre que avaliamos uma turma de alunos do segundo ano, idade em que todos deveriam ler textos apropriados à faixa etária, com fluência e sentido, encontramos quatro ou cinco possibilidades de reagrupamentos em cada turma. Isso nos leva a imaginar uma professora cindida em quatro ou cinco partes, uma subjetividade polvo, ocupando-se dos detalhes que cada grupo põe em demanda. Por aí já mora um dos “impossíveis”, certo?!

Analisamos essa situação em estudos longitudinais de cinco anos de duração, acompanhando o fluxo de turmas do primeiro ao quinto ano em situações reais de ensino-aprendizagem. Constatamos esta dificuldade ao vivo e em cores: uma só professora não dá conta de uma turma, mesmo que esta seja pequena, de vinte alunos, como foi o caso. Com qualquer metodologia, caso não minta nos dados, esperaremos sempre que um certo porcentual de crianças chegue ao segundo ano sem conseguir ler palavras simples; outros chegarão sem dominar as sílabas complexas e há ainda outros que chegam lendo, mas ainda com muita dificuldade para fazer uma paráfrase mínima de um texto de meia página. E, claro, haverá também uma ponta que lê fluentemente desde o primeiro semestre. Esse é o enquadre de impossíveis que, em geral, as “metodologias” e “filosofias” tapam com a peneira, preferindo ignorar as complexidades que poderiam conspurcar seus fundamentos mais sólidos.

Como a heterogeneidade possui dinâmica própria, pois conta com as singularidades, diferenças e desejos de cada um, alguns desses alunos podem regredir ou estagnar e, ao se medir no espelho da turma, podem entrar em situações de evitar a escrita para conter a angústia de passar horas na escola sem entender o que está ocorrendo. E isso contagia, já que, como disse Freud, “o homem não é espontaneamente amante do trabalho”, está mais propenso à imediatez do gozo rápido e repetitivo – os donos das indústrias de diversões eletrônicas, e as redes de TV sabem disso e dão suas contribuições ostensivas para manter as coisas como estão ou até piorá-las. Aqui já temos duas pistas:

(1) metodologias, por mais interessantes que sejam, não dão conta da complexidade, que é o ato de ensinar a escrita;
(2) as mídias (rádio, TV, jornais, redes sociais e outras) têm que ser incluídas num projeto de melhoria da cultura e das condições educativas do País.

É importante que se exijam delas densas colaborações em uma campanha nacional de alfabetização e de ensino das bases da matemática – não é possível que vão continuar a vida toda deseducando, sem o menor compromisso com a educação. Talvez, com o tempo, até se possa pensar em um imposto sobre a desinformação que essas concessionárias proporcionam cotidianamente – o entretenimento excessivo e repetitivo tem que ser revisto e deve ser limitado – não fazem isso com as drogas?!

Sintetizando: a heterogeneidade é constitutiva e tem sua dinâmica singular e esta é da ordem do impossível para uma professora só, isolada em sua turma, ainda que ela tenha uma boa coordenadora pedagógica e seja muito bem formada. Então, não se trata apenas de entrar com cursos de formação continuada, mas sim da busca de modelos alternativos para que a seriação não se sobreponha aos ciclos. Esses modelos têm que levar em conta uma certa escansão dessa heterogeneidade para reunir estratégias reparativas e preventivas de tal modo que ações específicas bem planejadas e bem avaliadas resultem em certa autonomia na aprendizagem em razão de um domínio proficiente nos campos da leitura (incluindo aqui a dinâmica dos suportes eletrônicos que também exigem leitura e compreensão) e das bases da matemática. E, claro, uma campanha nacional com a participação das mídias contemporâneas.

Vamos juntar essa rápida reflexão à resposta da questão dois:

Segunda pergunta: Por que as políticas educacionais não alcançam o efeito desejado nesses estritos campos do ensino das bases para a leitura proficiente e para o domínio da matemática?

Nas duas últimas décadas tivemos várias políticas educacionais importantes, contudo, em geral, rearranjou-se uma estrutura como se fosse uma caixa vazia, sem mexer quase nada na estruturação do trabalho pedagógico no interior das escolas, enfim, não se chegou às condições de trabalho que permitiriam um manejo pedagógico mais estratégico e controlado.

Tomemos duas dessas políticas: a criação do regime de ciclos para o ensino básico e a posterior incorporação do fundamental de nove anos – escolhemos essas duas porque estão relacionadas à lida com o fluxo escolar e seus represamentos, pois os sistemas escolares tentam baixar os índices de reprovação e de evasão, procurando com o regime de ciclos formas de dar mais atenção às crianças que não se adequa(va)m às pedagogias do regime de série, que eram baseadas na competição, sem levar em conta as diferenças e as condições de letramento de cada aluno. Com o “Fundamental de nove anos” acrescentou-se um ano aos anos iniciais, o que deveria ter contribuído para antecipar um pouco o ensino mais sistematizado das bases da escrita, da matemática e de outras disciplinas.

Usamos a alegoria provocativa de uma estrutura formando uma caixa vazia justamente porque essas concepções adotadas nas políticas, apesar de serem desejáveis e até consensuais, não levam em conta a questão principal, o acontecimento em si da educação. O quadro lembra um pouco a fábula dos ratos que queriam pôr um sino no pescoço do gato para que todos pudessem ouvi-lo chegar e fugirem de suas garras. A ideia era genial, foi aclamada aos gritos pela assembleia, mas de repente algum rato mais humilde levantou a questão: “… e quem vai pôr o sino no pescoço do gato!?”. Aqui o sino é a dificuldade de mexer na velha estrutura escolar, o esquemão que designa uma professora para cada turma, com no máximo uma coordenação e, em alguns programas como o Ler e o Escrever (São Paulo), que prevê a ajuda inexperiente de alguns estagiários vindos das universidades.

As redes mudaram para o regime de ciclo, mas mantiveram a velha estrutura da seriação: com o esquema de uma professora por sala, a seriação foi rigorosamente mantida; o que se fez na verdade foi usar bem o lado econômico da questão, a tal “aprovação automática” – apelido muito bem aplicado pelas professoras ao lado claudicante dessa política.

Por que os ratos ficaram tão eufóricos com a ideia de pôr o sino no gato e nem pensaram na dificuldade que seria subir em seu pelo para enlaçar o alarme providencial? Bem provável que para não reconhecer o impossível ou, como costumamos dizer, reduzir o impossível à impotência, ficando apenas com a fantasia e o gozo imediato que resultam da primeira ideia. Sair da impotência seria tentar pensar uma estratégia para isso, que possivelmente exigiria coragem e sacrifício, tempo e humildade e, claro, priorizar ações e sustentá-las financeiramente.

Transformar o regime de série em regime de ciclo põe de fato muitos desafios que evocam o impossível, contudo é preciso rumar nesse sentido. Em nosso projeto longitudinal tentamos lidar com essa situação e até conseguimos alguns resultados bem interessantes.

Uma experiência com regime de ciclos: algumas evidências importantes em nossas pesquisas

Primeiramente, tivemos que nos render a uma evidência: o regime de ciclos exige trabalho coletivo de verdade! Ou seja, um trabalho coletivo estruturado, orgânico, operativo e não apenas a ideia de os educadores espontaneamente colaborarem uns com os outros em uma ou outra atividade. Cada ciclo que adotamos constituía a aba de uma dobradiça, que por sua vez acoplava-se a uma outra. O primeiro ciclo (três primeiros anos) do fundamental possui ou deveria possuir uma “dobradiça” com a Educação Infantil e outra com o segundo ciclo (terceiro, quartos e quintos anos) e assim sucessivamente. Para manter essa articulação, seria necessário mexer em, no mínimo, dois pontos: na estruturação do trabalho coletivo tal como o concebemos e na fórmula tradicional, “uma professora por turma, isolada em sua sala”.

Imaginamos um modelo plausível, sem exigir um impossível econômico: para cada três turmas, no mínimo, uma educadora a mais. Em nossa pesquisa, usamos estagiários e pós-graduandos bolsistas, mas para as redes escolares o ideal seria uma professora formada, integrada ao quadro e predisposta a se especializar nessas lidas com singularidades e dificuldades de alfabetizar e de ensinar as bases da matemática. Claro que essa estrutura, mesmo com as educadoras a mais, poderia facilmente ter sido engolida pela inércia da concepção de série e tudo continuar como dantes. Então, o trabalho coletivo exigiu esboços táticos, estratégias bem coordenadas, avaliações mais precisas e detalhamentos até mesmo em relação aos casos mais singulares de renitência diante da escrita – percebemos que alguns casos exigiam estratégias específicas, que foram preparadas no calor da hora, mas com resultados também visíveis ali no próprio ato. Tais experiências viraram relatos de caso e subsidiaram dissertações, teses e também o nosso livro Da corporalidade lúdica à leitura significativa: subsídios para a formação de professores. Também elaboramos um relatório para a Escola de Aplicação da FE-USP e outro para a Capes, que financiou a pesquisa.

Esses desafios resultaram em modelos aproximativos para novos casos – imaginamos um repositório de estratégias (re)inventadas como forma de subsidiar os casos futuros e colaborar na formação contínua das professoras, pois sabemos que é nesse momento em que a criação ao vivo põe sua exigência, que ocorrem bons saltos de qualidade tanto na aprendizagem como no ensino. Em vez de abandonar as professoras, tornando-as meras auxiliares de aulas remotas ou aplicadora de “pacotes de aulas”, como já se vem alardeando por aí, procurar aproveitar as experiências em andamento, fazendo com que as mais complexas, coletivas e singulares constituam-se em autorias que possam servir como referência ou inspiração para futuras ações pedagógicas. A solução está nas dificuldades da própria escola, na singularidade de seus problemas. Não é adventícia como muitos acreditam, não vem da China, de Singapura, da Finlândia e muito menos de outros países que pontuam bem nas avaliações do Pisa. Para nós só há um jeito de enfrentar o problema: descendo no chão da escola real, sobretudo as das periferias.

Não podemos nos satisfazer somente com aquelas políticas preconizadas pelas demandas internacionais, que nos obrigam a forçar a barra para cumprir algumas metas, por exemplo, baixar índices de reprovação, equiparar idade-série/ano, melhorar níveis de leitura, de conhecimentos matemáticos e das bases para as ciências ainda que tenhamos que falsificar processos. Claro que atingir metas, não necessariamente internacionais, é desejável e produtivo, contudo, é preciso avaliar esse impacto e compensar seus efeitos com outras políticas que correspondam a um reforçamento das estruturas logísticas do ensino, contudo com foco denso nas demandas concretas, de turmas e escolas localizadas em seu tempo e lugar. Cada cultura tem suas singularidades, que no chão da escola mostram a sua resiliência e é essa que nos interessa, pois é ela que faz a diferença crucial, é dela que se extrai inclusive uma ética para a vida coletiva.

Em muitas escolas públicas das periferias das grandes cidades, os professores não conseguem mais lecionar – seria uma disrupção tecnológica e cultural no campo da educação?! Os alunos se dedicam ao celular, às suas paixões pelos games, aos seus estilos de música e dança, às suas preferências esportivas, aos interesses por relacionamentos interpessoais, ao humor repetitivo, enfim se voltam para essas atividades gozantes propostas pelo mercado, que não lhes exigem proficiência em leitura ou em matemática. Mas se muita gente acha que isso precisa ser disciplinado, que se deveria obrigar os alunos a deixarem seus celulares, suas gingas, danças e conversas para se concentrarem nas aulas, nós, como educadores, preferimos pensar as singularidades dessas atitudes como uma espécie de resiliência cultural – tem-se aí uma cultura que veio se produzindo, tornando-se cada vez mais robusta, mas que ainda não tem lugar nos programas e projetos escolares. Em outras palavras, as comunidades periféricas estão nos mostrando todas as chances de fazer uma escola singular, capaz de lidar com suas diferenças e de valorizar as culturas e origens de seus participantes. Então, o que parece o fim do mundo poderá se converter em demandas por uma escola mais produtiva e autêntica, claro, desde que se reconheça a complexidade desses processos e que se valorize devidamente um perfil profissional capaz de avançar em sua formação e encarar esses desafios.

As comunidades põem desafios complexos às escolas, enquanto os sistemas avaliam as habilidades e competências de seus integrantes em caixinhas artificializadas para fechar bem as contas das teorias que aparentemente triunfaram no primeiro mundo. No caso da leitura, a TRI – Teoria da Resposta ao Item associada aos conceitos de habilidades e competências usada na Prova Brasil, a nosso ver não se harmonizam com as demandas da leitura fluente e significativa.

Voltemos aos ciclos e abas de dobradiças para pensar o regime de ciclo – este modelo é o que afirmamos durante o projeto longitudinal.

Sabemos que um ciclo de ensino não só deve abranger mais de um ano, como também enlaçar-se ao anterior e ao próximo para tentar garantir um fluxo mais coeso e coerente da aprendizagem, sem rupturas e prontos para avaliações e revisões coletivas. Seu processo de formação de turmas não pode ser rígido como o é o da seriação, rearticulações de turmas em função de objetivos avaliados são importantíssimas no manejo geral da heterogeneidade.

Nesse nosso esquema, notem que a Educação Infantil (EI), aba verde, forma uma dobradiça de ciclo com o fundamental I (DC1), e este por sua vez apresenta mais três dobradiças até se juntar ao fundamental 2 (DC3). Mas o que significam essas dobradiças? Até poderíamos ter usado outra metáfora, sabemos que dobradiça é algo muito simplório e mecânico, mas não sabemos se adiantaria muito representar cada passagem com uma faixa de Mobius! O importante aqui é demarcar o que pode acontecer em cada aba e em cada articulação, já prevendo aqui a forma de o coletivo estruturar um apoio mais concreto e eficaz na busca de soluções para os casos de alunos que não atingem os objetivos propostos para o período.

A primeira articulação, do EI ao EF, em nossa educação brasileira é esquizofrênica já no nascedouro. Na própria confecção de guias, parâmetros, bases curriculares, temos divisões bem estanques: cada ciclo é feito por uma equipe específica, especializada, por áreas diferentes, então a transição entre ciclos, que é o momento mais importante do fluxo, quando se pode avaliar o trabalho feito e projetar o que se vai fazer no ano e ciclo seguintes, fica esvaziada. De alguma forma, essa estrutura repete o funcionamento das áreas e departamentos das universidades que se constituem já em confronto com a área de sua proximidade. Como as universidades brasileiras não trabalham com demandas emergentes, a preocupação com “dobradiças” e com o fluxo nem é levada em conta, cada grupo acadêmico está mais preocupado com a manutenção do discurso de sua área nas linhas das bases e/ou dos parâmetros curriculares do com o que de fato ocorre no chão da escola.

Do infantil ao fundamental I – uma passagem interessante!

Em nosso projeto, os alunos que chegavam aos primeiros anos vinham de diferentes escolas de educação infantil, então, não seria muito fácil conversar com as professoras dessas escolas; contudo, tivemos a ideia de solicitar aqueles portfólios que cada escola prepara no final de ciclo do EF. Esse material já mostrava para a gente as diferentes experiências vividas pelos ingressantes, então, era possível iniciar o ano com as pastas sobre as carteiras de seus respectivo(a)s dono(a)s (alunos e alunas) e já obter nessa primeira análise alguns traços de heterogeneidades que se formaram a partir das diferentes abordagens de cada escola do Ensino Infantil. O que se fez antes recebe sua devida valorização e passa por críticas e possibilidades de readequações de programas. Encontramos muitos elementos interessantes nesta busca de continuidades, por exemplo, sabemos que sempre haverá a possibilidade de o EF repetir elementos de programas que já foram vistos no EI de algumas escolas ou, ao contrário, de uma escola não ter feito base alguma para o ensino da escrita, sequer as bases da oralidade. Diferentemente do que se propaga em alguns cursos de formação, o EI não é apenas para brincar, sem compromisso algum. É também uma fase de sofisticação da linguagem, da corporalidade, de apreensão dos elementos mais básicos da alfabetização – tudo isso pode ser feito com muito ludismo, sem forçar a sensibilidade das crianças de três, quatro ou cinco anos. Enfim, o “brincar” tão apregoado pela área de infância seria plenamente mantido, mas as brincadeiras devem ter direcionamentos pedagógicos rumo à leitura fluente e significativa, já que esta também é tributária da oralidade e da aquisição da fala. A entrada na linguagem em nosso mundo já traz em si toda a complexidade multissemiótica dos meios atuais.

A improvisação do portfólio, em nossa experiência, acabava se constituindo em uma espécie de ritual de passagem entre os dois ciclos, com diversas possibilidades de atividades que buscavam situações já vividas por todos os alunos da turma e situações vistas por uma ou outra escola, enfim, um engate temático e metodológico começa a se esboçar aí e uma substanciosa fonte de pesquisa (a diversidade do ensino nas escolas e creches e seus desdobramentos no fluxo para o EF) vai ficando à disposição para pesquisas locais das professoras e para pesquisadora(e)s universitária(o)s que de fato decidam conhecer melhor o chão da escola.

Somente o coletivo pode ser responsabilizado

A responsabilidade por uma turma, num verdadeiro regime de ciclos, não pode ser atribuída a uma única educadora, seguindo a tradição do “uma turma por professora”, com esta isolada em sua sala. A famosa remissão da culpa, de cima para baixo, até chegar à “mãe inadequada”, como se dizia na década de 1970 nos EUA., ainda está viva. Partilhar responsabilidades ou atribuí-las a um grupo de educadores responsáveis por um ciclo e seus engates é a forma de combater essa atopia da culpa, pois não se trata de silenciar em torno de possíveis renitências, mas de abordá-las de tal modo a produzir, no mínimo, explicações plausíveis para cada caso que não se consiga resolver. Enfim, é fundamental admitir o impossível, sem se fazer de impotente, tomando-o pelas bordas como desafio que exige pesquisas e novos estudos – para isso, é preciso que dentro da escola se tenham especialistas que aceitem o desafio de aprender mais e de diversificar estratégias em vez de tratar todos com a metodologia x ou y.

O trabalho deverá ser coletivo, feito por uma equipe ciente de suas funções e que tenha as transições de entre-anos e de entre-ciclos como parte do processo de responsabilização coletiva, pois na passagem do bastão, no final de um ciclo, o trabalho coletivo com bons registros deverá mostrar o seu valor. É essa equipe que vai avaliar todas as turmas do primeiro, do segundo e do terceiro, cotejando a relação nível-ano (antiga série) e rearranjando as turmas de acordo com objetivos claros, tanto os que foram bem cumpridos como aqueles que não alcançaram resultados. Por exemplo, a equipe demonstrou que um certo número de alunos do terceiro e do segundo anos não conseguia uma leitura fluente por não dominar muito bem as sílabas complexas. Tratávamos então de organizar um reagrupamento momentâneo – turmas especiais reclassificadas por meio de diagnósticos bem precisos, que funcionavam por um período curto de tempo (8 a 10 encontros), cujo foco seria o desafio da nova turma: dominar as sílabas complexas em um número x de encontros. A avaliação e o plano de recuperação devem ficar bem claros inclusive para os alunos: “notamos que vocês têm dificuldades com esses tipos de sílabas, temos x aulas para resolver isso e vamos contar com a colaboração de vocês todos” – clareza é fundamental, pois os alunos sabem que estas são suas dificuldades, mas espontaneamente não as apresentam em sala de aula. Então, esse momento intenso de reforço deverá dar conta de recolocá-los em suas turmas com essa dificuldade sanada. Enquanto isso, os alunos que não foram reagrupados para este objetivo básico, que já estavam em níveis mais próximos do domínio pleno da leitura, constituíam equipes de desafios. Com isso, conseguíamos dar conta das renitências e ao mesmo tempo não freávamos o progresso dos alunos que já dominavam as bases da leitura.

Temos aqui um esboço para que a pesquisa e a educação se encontrem no calor da luta. Em apenas quatro anos, nossa equipe reuniu estratégias e materiais mais que suficientes para esses engates das dobradiças e muitas situações interessantes (“estudos de casos”) que ficaram para “inspirar” as educadoras quando em situação parecida. Enfim, sonhamos com uma escola organizada coletivamente, forte o suficiente até mesmo para criar e produzir o que necessita para as suas singularidades.

Notem que aí se esboça uma logística em que o papel das secretarias regionais e do ministério podem encontrar suas formas de pactos e de articulações para executar políticas e programas que de fato cheguem e entrem nas salas de aula e consistentemente mudem números sem falsificações.

Por que sem falsificações?!

Porque as avaliações atuais, por exemplo, são bem falsificáveis. A busca por um bom Ideb para o município em geral mobiliza estratégias que não favorecem a leitura e a alfabetização, ao contrário, as acomodam.

Para fazer a Prova Brasil (PB), muitas secretarias municipais usam o truque de esconder alunos de baixo desempenho, de enviá-los para uma escola rural e lá mantê-los fora do cômputo geral. Outras treinam os alunos, focando o programa nas habilidades parciais vistas nas provas anteriores, não mais no ensino da leitura fluente e significativa. O ensino da leitura parece ter se voltado ao já rebatidíssimo “texto-pretexto”, com menos leitura e mais sagacidade para encontrar a resposta correta entre três outros distratores.

A estratégia de treinar os alunos para a PB parece contentar os que estão no poder, mas afirma o “impossível-impotente”. É como se a autoridade reconhecesse a dificuldade de um programa mais autêntico e dissesse, “ah, tá bom, pelos menos está subindo o Ideb”. E aí a ideia de que a soma de habilidades é igual ao resultado do jogo passa a ser o fundamento de tudo. Nós, que labutamos no miúdo do campo da leitura sabemos bem que essa soma de habilidades não resulta em leitura fluente e significativa. Isso não quer dizer que não gostamos da formulação do Ideb e da ideia de avaliar com o máximo de precisão as performances dos alunos, mas, cá entre nós, temos muitas dúvidas se essa TRI – Teoria da Resposta ao Item e sua associação com as concepções de habilidades/competências de fato tragam, em seu feedback, alguma contribuição relevante para o ensino da leitura e da escrita. Por exemplo, saber encontrar o título de um livro em sua capa ou concluir que o texto em questão se enquadre no gênero receita de culinária (questões muito comuns na Prova Brasil e em outras avaliações regionais) não são informações úteis para os professores nem servem para concluir em que estágio de leitura o aluno estaria. Há muitos gêneros e textos irrelevantes solicitados nas avaliações da PB, sobretudo para explorar as habilidades menores, e há também uma forçada de barra nas escolhas desses gêneros e desses textos, que são escolhidos em função de conter esta ou aquela habilidade – não são postos na prova para serem lidos, são pretextos para que a resposta à questão apareça de preferência já no primeiro parágrafo, o restante do texto nem precisa ser lido. É uma prova antileitura!

O que interessa à leitura fluente e significativa são redes de habilidades simultâneas, que não são desmontáveis, que só fazem seus efeitos a partir desse enredamento instantâneo. Imaginem o que uma leitura de título de livro suscita. De imediato, implica uma certa suposição sobre o conteúdo do livro, se vale a pena lê-lo e, claro, se este título abre caminho à leitura inspecional, aquela folheadinha pra saber o que se tem por lá, mas o mais importante é, após a leitura do texto, ressignificar a releitura do título para saber, por exemplo, se não se trata de uma ironia, de uma metáfora inteligente etc. Ler um título (ou enxergar sua mancha maior sobre a folha) e dizer que se trata de um título de livro é uma questão absolutamente irrelevante – esta parte (habilidade) não faz peso algum no todo (competência).

A complexidade, que inicialmente é meio intuitiva, não constituiria um item segundo a TRI, então não seria avaliável. A teoria exige que se simplifique a coisa, que se recorte ali apenas um traço concretamente avaliável do processo. Saber se um texto é do gênero receita de culinária ou HQ também tem contribuição insignificante. Saber o lugar onde um cartaz (portador de texto) seria afixado para evidenciar sua circulação social, também é da mesma cepa (a lista é grande!).

São muitos itens fragmentados, cuja soma de pontos engrossa a média do avaliado e melhora a performance geral no Ideb e, mais “importante ainda para a antileitura”, são treináveis nas escolas. A leitura mesma, aquela que se torna ferramenta imprescindível, a que traz consciência política e social, a que permite releituras do mundo e abstrações inteligentes, vai ficando para depois, ao mesmo tempo em que vai se tornando cada vez mais imbricada nas redes, meios e suportes eletrônicos, que a vão integrando a sistemas semióticos mais complexos.

Contudo, enxergamos aí nesse confuso quadro, possibilidades de projetos que de fato mexam com o cotidiano escolar, sobretudo neste tempo de redes quando podemos usar recursos de formação a distância, produção de repertórios e de divulgação de estratégias, movimentando internamente a rede escolar e a subsidiando de acordo com a suas reais demandas e não mais submetê-la a esta ou aquela “metodologia” ou “filosofia” da vez ou a algum requentado curso de formação continuada. Uma educação mais indutiva, capaz de reaproveitar seu próprio processo, de encontrar soluções em seus impossíveis é caminho para uma rearticulação e atualização das escolas. Esse é o “impossível potente” que desafia a coragem dos que poderiam tentar pôr o sino no pescoço do gato – que talvez nem seja assim tão inacessível quando se pode contar com um esforço verdadeiramente coletivo, com a profissão devidamente valorizada.

Tecnologias digitais e redes no enredamento da educação

Os meios, redes e suportes digitais de nosso tempo têm ganhado duas perspectivas claras: uma, a do ufanismo, sobretudo aquele dos novos empresários do ramo educacional, que investem suas fichas e moedas na tecnologização das relações educativas, pondo máquinas nas mãos das crianças, sacando aulas “criativas” nas nuvens e administrando a escola para que ela renda o suficiente. Outra: um certo reacionarismo de prontidão afirmando e reafirmando o medo de assumir desafios e de perder o controle da educação – aliás, em muitas redes e escolas, esse controle já está mais do que perdido. Basta constatar!

Acreditamos que os produtos vindos da indústria de entretenimento sempre foram e continuarão sendo grandes concorrentes ou, no mínimo, co-ocorrentes das atividades escolares, desde a época das HQs, do cinema, da TV etc. Atualmente, o mundo digital tornou a situação ainda mais complicada com suas próteses à flor da pele (celulares, fones de ouvido, tablets, consoles etc.), estabelecendo mediações complexas, em geral, encaminhando a criança e o adolescente às espertezas macabras do marketing e seu paradigma “do berço ao túmulo”. Claro que isso altera bastante as condições gerais do ensino, sobretudo quando pensamos no conceito de letramento.

O universo de letramento do aluno já não é mais o mesmo há algum tempo

Talvez os alfabetizadores comecem a perceber que o universo de letramento do aluno não está mais na revistinha escrita, no cartaz de padaria, no outdoor, nos rótulos dos produtos, nas receitas de culinária ou em outros gêneros prosaicos que abundam nas avaliações oficiais. Aliás, sempre alertamos que, por esse mundinho miúdo do letramento próximo, os olhos dos alunos passam com indiferença, sem produzir relevos interessantes que de fato ajudem na alfabetização e na leitura.

Em nosso tempo, crianças e jovens estão enredados, com seus sentidos principais focados na tela e fechados no fone de ouvido. Daqui a uns tempos (já existem, mas ainda são caros) nossos alunos internautas terão capacetes de “realidade virtual”, que eliminarão o mundo de uma vez pra que eles possam curtir seus gozos em paz, num universo de avatares que são paradoxalmente espertos em guerras e lutas, mas igualmente bobos em sua entrega total enquanto sujeitos do mundo real. Enfim, esse universo de letramento complexo do mundo digital ou vira conteúdo escolar, no mínimo como pontos de partida de itens curriculares, ou vamos discursar aos capacetes.

Nunca enxergamos com tanta clareza a importância da História, da Antropologia/Etnologia, da Sociologia, da História das ciências (sobretudo das tecnologias) pois não há nada mais desprovido de história e de possibilidades de interpretação do que as diversões eletrônicas e em redes. Os temas que estão postos nos games, por exemplo, decorrem de traços civilizacionais que parecem perdurar para além de qualquer tempo, lugar e cultura. Por exemplo, o traço agônico, aquela herança guerreira que nos faz gostar de gângster, de heróis de faroeste, de guerra, de grandalhões como Aquiles, que matam sem piedade etc., está presente em praticamente todos os tipos de jogos, além do humor, do mistério, da magia, da bruxaria, dos códigos de honra, do uso de armas tradicionais (espada, escudo) e dos impérios e reinos distantes – nada de novo no front, a não ser o dinamismo e a pregnância desses novos suportes, ou seja, uma multissemiótica reatualizando temas tão velhos quanto a própria humanidade, mas reduzindo-os a puro entretenimento ou ao que chamamos de gozo fácil.

Como diz Freud em O Mal-estar na Civilização, o homem inventou equipamentos e tecnologias incríveis, mas no trato das coisas humanas parece que não avança. Ainda somos imaginariamente seres agônicos, supostamente prontos para a luta corporal concreta – a corrida à compra de armas nos quatro últimos anos só evidencia os reforçamentos desses traços que alimentam o(a) guerreiro(a) extemporâneo(a) e que às vezes confunde realidade e fantasia e se acha pronto(a) para derrubar governo. Contudo, como sabemos, boa parte da população não tem coragem para esse encontro com armas reais, então mamam a violência nos filmes da Tela Quente, nas séries e nos games – as mídias seguem fielmente suas cartilhas nas suas concorrências: não se comprometer com educação nem com ética alguma, apenas manter os traços mais grotescos e primitivos do ser humano e tê-lo como cativo do “berço ao túmulo”. Fazem isso com filmes, com a música barata, com o humor, com o jornalismo, com os programas de auditórios (notaram que MPB não aparece mais em programas de auditórios? Que há um pleno domínio das duplas sertanejas?) etc.

Se o traço agônico é uma permanência e tem essa relevância, em que até mesmo valores civilizacionais estão em jogo, mais do que depressa tudo isso precisa virar conteúdos escolares críticos e, uma forma de fazer isso, é recuperar minimamente seus trilhamentos históricos e preparar a compreensão desses processos. É muita alienação um jovem encontrar num game a figura de um tal herói chamado Gilgamesh e não saber que o personagem tem mais de quatro mil anos, que tem uma epopeia em seu nome, ou então ficar enlouquecido com a beleza de um escudo no game e não saber da beleza do escudo de Aquiles, fundido por Hefáistos, que trazia em alto-relevo a história de sua própria cultura. Do mesmo modo, as magias medievais podem avançar rumo a alquimia e, lentamente, virar conteúdo das ciências ou, no caso da imortalidade dos heróis, suscitar discussões filosóficas. Enfim, a banal matéria das diversões na internet tem suas possibilidades no cômputo geral de nossos impossíveis.

Resiliência cultural no YouTube

Precisamos perceber que os canais mais vistos no YouTube surgem dessa resiliência da periferia e a ela se destina. Canais sobre rap, funk, danças de rua, slam e narrativas de jogos como os dos jogadores profissionais de Minecraft, povoam o cotidiano de muitas crianças e adolescentes. É interessante perceber que as crianças de seis, sete anos, no Minecraft, ficam à disposição dos gamers de 14, 15 e até de adultos, que narram suas jogadas de forma engraçada e espalhafatosa e, em torno deles, abrem-se galerias de consumo para os pequenos. Os pequenos aprendem desde cedo a ser apreciadores e consumidores.

O que está ocorrendo com esses novos narradores, gamers e influencers é muito parecido com o que aconteceu nos esportes no início do século 20. Os times e jogadores foram se profissionalizando e deixando cada vez mais o cidadão no sofá, não só apreciando os jogos como avançando madrugada adentro para ouvir seus comentaristas preferidos. Uma propaganda perversa feita pelo ex-jogador da seleção brasileira, Marcelo, é um exemplo claro dessa transformação: ele diz que deu o melhor de si nos treinos, que teve as melhores oportunidades e soube aproveitá-las, então o telespectador deve seguir seu exemplo aproveitando “a oportunidade” que ele oferece: faz um “Sporting bet aê” – agitando os braços e arrematando com o celular, sinalizando claramente para a juventude que costuma fazer gestos com o celular na mão.

Nas redes sociais, sobretudo nos canais do YouTube, a coisa não tem limites; por exemplo, existem famílias de classe média que estimulam os filhos a ganharem um bom dinheiro no YouTube com situações bem inusitadas: as crianças espectadoras assistem a seus youtubers mirins se divertindo dentro de suas casas, fazendo cabaninhas com lençol sobre o sofá, brincando de esconde-esconde e outras brincadeiras que as crianças praticavam espontaneamente em suas casas. As crianças atuais estão se transformando em espectadores e admiradores de pequenas celebridades que brincam na tela e que os predispõem totalmente ao alcance do consumo e da inação. Os que brincam viram celebridades, os que assistem se transformam em consumidores. Isso já seria motivo para termos esses fenômenos em sala de aula, tematizados de forma competente e com conteúdos estratégicos para cada faixa etária, para cada cultura.

Se essa abordagem que quer redescobrir crianças e jovens de hoje em seus letramentos virtuais tomar o contemporâneo como ponto de partida, como sincronia, talvez se possa trazer mais crítica, pois seus heróis, suas estéticas, seus poderes e causas são suscetíveis de serem cotejados no tempo (diacronia), analisando suas contendas, seus espaços de ação, suas origens e até mesmo avançando nas técnicas que permitem a dinâmica do jogo. Um exemplo: talvez não possamos forçar a barra para tirar alunos da pregnância psíquica que os jogos geram para dominar a subjetividade, contudo podemos, com um vídeo ou animação, mostrar como são feitos e onde estão as forças que nos dominam. Podemos mostrar, por exemplo, que aquele herói grandalhão já estava presente nas epopeias antigas, que Gilgamesh, Aquiles, Ulisses, Hércules e outros já estavam na pauta da diversão dos jovens gregos há vários séculos antes de Cristo. Talvez a partir daí teríamos a possibilidade de autoria, de criar roteiros para jogos e filmes, escrever narrativas épicas e até mesmo ousar um esboço de uma nova estética.

O programa tem que fazer um intercâmbio dinâmico entre o que se pode ter nos suportes eletrônicos e o que se pode ter na realidade, na vida, em sua história. A dinâmica de jovens e crianças de hoje diante das telas precisa ser pesquisada detalhadamente. Do mesmo modo, retomar a supremacia e a importância do ensino escolar, mas partindo das mediações de hoje, dos modos como nos capturam e põem à venda nossos desejos – um universo de letramento muito mais complexo e enredante do que o do mundo gráfico.

Subsidiar ações mais concretas

O que fica evidente é que as políticas precisam subsidiar ações mais concretas, que correspondam a demandas reais das redes escolares. Se for o caso, realocar estrategicamente os potenciais que já se tem, televisões, rádios estatais, centros de produção de conteúdos que façam a intermediação entre os meios eletrônicos e o cotidiano escolar; criar redes específicas bem focadas nas demandas contemporâneas, capazes de reaproveitar o movimento das escolas, de criar repertórios para as dificuldades que se apresentam, enfim, de constituir um centro de referência e de pesquisa para o ensino, mas não o de sempre, aquele genérico ou nutrido por uma “metodologia x”, que os professores deveriam aprender. Falo de equipes de pesquisadores capazes de encarar os desafios “impossíveis” da realidade educacional brasileira.

Claro está também que são necessários manejos pedagógicos mais detalhados e bem subsidiados até que os alunos tenham autonomia na escrita, na leitura e nas bases da matemática. Manejos que realcem a responsabilização coletiva, permitindo que os ciclos funcionem alocando potenciais e estratégias em função de objetivos, de avaliações bem elaboradas. Dotar a escola para que tenha profissionais responsáveis pela lida com as diferenças, capazes de buscar soluções para as singularidades e regionalidades que vão se desvelando ao longo do processo. Se possível, implicar as mídias, dando à campanha um tom de desafio nacional, de missão, como fizeram muitos países que resolveram de fato encarar seus desafios educacionais e culturais ligados aos níveis de leiturização do país.

Se for para dar uma “coladinha” na educação finlandesa, advertimos que já se adotou por lá, desde a Educação Infantil, uma disciplina para “desgameficar” a vida das crianças e dos adolescentes e até mesmo prepará-las para identificar fake news e outras maldades possíveis no mundo ambíguo e complexo das redes sociais e da internet. Além de advertir, é bom reiterar: essa experiência não se copia, temos uma “resiliência cultural” bem diferente da finlandesa, é a partir dela que temos que trabalhar. Também não podemos nos esquecer que as políticas que mais suscitaram desdobramentos importantes no campo da leitura foram duas: a que valorizou o perfil profissional de seus educadores e a que se aplicou no chão da escola, na reorganização do trabalho escolar.

(*) Claudemir Belintane é professor da Faculdade de Educação da USP.

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