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Uma leitura mitodramática para os tempos atuais

Leila Dittmar Moreira (*) | 15/06/2021 13:15

Estudando o MITODRAMA, que é uma construção teórica elaborada por Corintha Maciel baseada no tripé: Mitologia grega, Teoria Simbólica de Jung e o Psicodrama, em sua obra “MITODRAMA – O Universo Mítico e o seu Poder de Cura” (2000), explica que, da mesma maneira que o corpo apresenta uma anatomia comum, o nosso psiquismo também possui um substrato comum constituído pelos arquétipos, que são o repositório de toda a experiência humana.

A ideia de um padrão original ou arquétipo nos foi apresentada pela filosofia, conhecimento professado pelos sábios da época que concebiam a sabedoria plena como privilégio dos deuses, cabendo aos homens deseja-la e seus amigos eram os filósofos (Philia = amizade; Sophia = sabedoria). Mas as ideias das imagens primordiais só foram trazidas para a Psicologia pelos dois grandes expoentes: Freud e seu brilhante aluno Carl Gustav Jung.

Freud havia revolucionado a sociedade do seu tempo afirmando a existência de um campo desconhecido na mente humana: o Inconsciente, formado pelas experiências reprimidas e que seriam as responsáveis pela doença mental. Esses dois estudiosos dedicaram-se ao estudo das mitologias e observaram alguns motivos que apareciam nos delírios de seus pacientes correspondiam a figuras ou enredos mitológicos. Jung, não satisfeito, começou a observar que determinados motivos ou imagens apareciam nos sonhos de pessoas que jamais haviam se encontrado e nem tinham qualquer tipo de ligação. Essas constatações reafirmaram a ideia de que além do Inconsciente Pessoal apresentado por Freud, existia também um Inconsciente Coletivo comum a todos os indivíduos, constituído pelas experiências vividas por todos os homens. A essas experiências comuns, Jung chamou de arquétipos ou padrão original que se estendem “muito além do berço” abrindo espaço para questões que, até então, estavam fora da psicologia de sua época, explicando que eles surgem de forma pura nos mitos, nos contos de fadas, nas lendas e no folclore.

Ele acredita que alguns arquétipos são naturais no processo do desenvolvimento de todas as pessoas, enquanto outros são “ativados” a partir de experiências pessoais. Os mitos são narrativas de explicações como as coisas passaram a existir e como os fenômenos se manifestam e falam de emoções, combates, intrigas, tendo deuses, heróis e monstros como personagens. Daí a afirmação de Jung que as figuras mitológicas seriam a personificação das matrizes arquetípicas do Inconsciente Coletivo.

Com o cristianismo, os deuses foram banidos da consciência coletiva e os mitos passaram a ser considerados uma heresia. Camuflados sob numerosos disfarces, deuses e heróis atravessaram a Idade Média até que na Renascença ressurgem pelas mãos dos poetas, artistas, filósofos e pensadores para refletir sobre os problemas existenciais, atravessando as eras.

A sabedoria popular é arquetípica e sem acesso aos deuses os homens criaram histórias com personagens humanas de reis, rainhas, príncipes e princesas, fadas, anões, dragões, bruxas, ogros e animais gigantes que povoam a consciência coletiva e, através do relato mítico, são apresentados com os problemas existenciais. Assim, o imaginário é recuperado e, na virada do século XX, Freud e Jung colocam o mito no seu verdadeiro contexto, os intrincados labirintos da alma humana, reconduzindo-a à sua condição de símbolo estruturante, levando o homem a buscar a sua totalidade.

Todo arquétipo tem dois polos: um criador e outro destruidor, que se equilibram com a “lei da complementação”. O fenômeno da precipitação mítica pode ser visto nas grandes catástrofes, como na destruição das Torres Gêmeas no trágico acontecimento de 11 de setembro, em Nova York. Assim, como podemos reconhecer os arquétipos como elementos organizadores quando podemos trazê-lo para a consciência através do processo terapêutico pois, conhecendo o enredo mítico nas entrelinhas da queixa onde se estrutura o conflito, facilita-se ao cliente a experiência de viver o mito de forma consciente e voluntária para que ele possa livrar-se da compulsão repetitiva e tornar-se dono de sua própria história.

Portanto, o mito não é uma crendice nem uma alegoria, mas um impulso que busca uma organização. Jung nos reforça a necessidade de conhecer as narrativas mitológicas a fim de que possamos avaliar as profundezas dos sofrimentos da psique. Na teoria Junguiana, alguns arquétipos são estruturantes como: a Persona, a Anima x Animus, a Sombra e o Self.

A sombra pessoal desenvolve-se naturalmente nas crianças, mas, na medida que as características ideais da personalidade são encorajadas pelo ambiente, a sombra vai sendo enterrada, porque podem representar as qualidades não adequadas à nossa autoimagem porque a sociedade determina o que pode e o que não pode ser expresso. Assim, todos os sentimentos e capacidades enjeitas pelo ego são exilados na sombra e contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana. São os nossos “filhos feios” e escondem a nossa porção infantil, nossos apegos emocionais, sintomas neuróticos, bem como nossos talentos e dons não desenvolvidos (sete pecados capitais). A sombra mantém contato com as profundezas perdidas da alma, por isso são perigosos e eternamente ocultos, não podendo ser revelados.

A Psicologia Junguiana afirma a necessidade de cada um reconhecer e aceitar a sua sombra e ter com ela um relacionamento correto que vai nos levar ao reencontro das nossas potencialidades enterradas, num processo de aprendizagem natural e profundo.

Já a sombra coletiva representa a maldade humana e salta nas manchetes das mídias sociais, vagueia nas ruas, desvia dinheiro do sistema, corrompe as pessoas, vende armamentos a líderes ensandecidos. O poder hipnótico e a natureza dessas fortes emoções fica evidente nas perseguições raciais, nas guerras religiosas, na banalização da vida humana.

Na sabedoria da Mitologia Grega, os Titãs, cheios de orgulho e violência, foram mantidos nos limites do Érebo, (personificação das trevas e da escuridão). Já o Cristianismo reprimiu os deuses ctônicos e concentrou o poder do Mal na figura de Pã, o demônio ou Satanás que é a representação má da natureza humana. Para Platão, a natureza selvagem e sanguinária se encontra na origem das espécies, sendo difícil detectar sua presença em nós. Ernest Junger (1895-1988), filósofo alemão, profetizou que o século XXI seria o século do “Titanismo”. No mundo atual existem suficientes sintomas reveladores onde predominam a tecnologia científica titânica, as comunicações globais, a política e a criminalidade por toda parte será cada vez maior desafio que o Titanismo coletivo apresenta para a consciência individual.

Nestes momentos de pandemia, cabe a cada um de nós avaliar como estamos nos conduzindo e para onde queremos ir?

(*) Leila Dittmar Moreira é psicóloga clínica.

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