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Cidades

“Extinta” em 1976, etnia Kinikinau sobrevive graças à terra emprestada

“Nem eu mesmo sabia quem era, me confundia com os Terena”, conta Rosaldo, que saiu em busca do passado do "povo guerreiro"

Aline dos Santos | 03/08/2019 15:34
Alunos Kinikinau durante festa do Dia do Índio. (Foto: Rosaldo Souza)
Alunos Kinikinau durante festa do Dia do Índio. (Foto: Rosaldo Souza)

Kinikinau. A etnia de nome diferente e que desde quinta-feira (dia 31) está no noticiário após desocupação de fazenda em Aquidauana sem ordem judicial tem histórico de ter sido declarada extinta em 1976 e de viver em terras emprestadas por terenas e kadiwéus.

“Nem eu mesmo sabia quem era, me confundia com os Terena”, conta o professor Rosaldo de Albuquerque Souza, que em dissertação de mestrado pela UNB (Universidade Nacional de Brasília) foi em busca da história do “povo guerreiro”, significado da palavra Kinikinau.

Os registros mostram que o povo indígena veio do Chaco Paraguaio e se fixou na região de Miranda. Conforme Rosaldo, o processo migratório aconteceu por fatores como perseguições feitas pelo governo paraguaio e a Companhia de Jesus na tentativa de “domesticar” os indígenas.

Já em solo onde hoje é Mato Grosso do Sul, uma nova dispersão da etnia aconteceu com a Guerra do Paraguai. “A guerra ajuda a eliminar grande parte dos homens”, conta Rosaldo.

De acordo com a pesquisadora Aila Villela Bolzan, os Kinikinau foram compulsoriamente convocados para lutar ao lado das tropas luso-brasileiras na Guerra da Tríplice Aliança. Também chamado de Guerra do Paraguai, o confronto foi de 1864 a 1870.

“Os Kinikinau sofreram ataques aos seus aldeamentos de Miranda e Albuquerque, momento em que procuraram abrigo na região da Serra de Maracaju, local utilizado para que se protegessem enquanto as suas aldeias estavam invadidas, e desde então, alguns se estabeleceram em Nioaque nos aldeamentos dos parentes Terena”, afirma Aila.

Grafismo Kinikinau em escola de Porto Murtinho. (Foto: Rosaldo Souza)
Grafismo Kinikinau em escola de Porto Murtinho. (Foto: Rosaldo Souza)

Depois da guerra, ao retornar para a antiga aldeia, o território já estava ocupado. “Sendo violentamente expulsos e dispersos, ainda na primeira metade do século XX, por fazendeiros e famílias que estariam à procura de terras para o desenvolvimento da pecuária e agricultura”, afirma a pesquisadora, autora da dissertação “Os Kinikinau de Mato Grosso do Sul: a existência de um povo indígena que resiste”.

A dispersão os levou a morar em terras emprestadas de outras etnias. A maior aldeia é a São João, localizada em Porto Murtinho, território dos Kadiwéus. O começo foi com uma família de 12 pessoas. Segundo Rosaldo, a área cedida ficava na entrada da aldeia e o grupo teria função de sentinela, alertando sobre a presença de não indígenas. O agrupamento virou a principal aldeia, mas sem identidade de etnia Kinikinau.

Na década de 1990, o antropólogo Giovani José da Silva, que trabalhava na Secretaria Municipal de Educação de Porto Murtinho, promoveu reuniões na aldeia São João para conhecer os moradores. Lá, foi esclarecido que o povo não era terena, mas Kinikinau. “Assim surgiu o resgate da etnia”, diz Rosaldo.

De acordo com ele, os pais não questionavam o registro de seus filhos em outra etnia para evitar transtornos com o chefe de posto da Funai (Fundação Nacional do Índio). Rosaldo, por exemplo, tem identidades das duas etnias.

Na última década, famílias deixaram a aldeia em Porto Murtinho e formaram  a aldeia Mãe Terra, em Miranda, com apoio dos terenas. Atualmente, são 500 indígenas da etnia, que existe somente em Mato Grosso do Sul.  Em tantos anos de silêncio, a Língua restou praticamente morta, sendo falada por apenas uma família.

Liderança indígena relatou truculência e que não houve negociação. (Foto: Direto das Ruas)
Liderança indígena relatou truculência e que não houve negociação. (Foto: Direto das Ruas)

Retirada – Na manhã de quinta-feira, cerca de 200 indígenas ocuparam a fazenda Água Branca, e, Aqudauana. Eles exigiam a desocupação imediata da propriedade. Na sequência, no período da tarde, houve a chegada da polícia. A fazenda foi desocupada sem ordem judicial.

Em vídeo compartilhado nas redes sociais, um dos líderes da ocupação aparece com a cabeça ensanguentada e relata ação truculenta. 

Segundo a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), a ação da PM (Polícia Militar) combateu prática de ameaça, furto qualificado, danos e crimes ambientais.

Os Kinikinau reivindicam área de quatro mil hectares, mas a fazenda Água Branca não tem um grupo oficial para estudo de terra indígena.

Fogo na pastagem de fazenda, em Aquidauana, onde índios  foram retirados sem ordem judicial.
Fogo na pastagem de fazenda, em Aquidauana, onde índios foram retirados sem ordem judicial.
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