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Capital

“Ninguém entra”, mas quem está não consegue sair, revelam taxistas

Profissionais do volante contam relatos tristes, de uma vida de levar passageiros se acabando, junto com 70% da renda

Izabela Sanchez | 29/06/2019 09:15
Ponto de táxi na Rua Barão do Rio Branco (Foto: Marina Pacheco)
Ponto de táxi na Rua Barão do Rio Branco (Foto: Marina Pacheco)

Na manhã chuvosa e cinzenta de quarta-feira (26), a fila de táxis enfileirados nos pontos, com motoristas abrigados à espera de uma corrida, era o retrato melancólico do declínio de uma profissão que em Campo Grande não atrai novos motoristas, mas que não deixa sair aqueles que “não têm para onde correr”. Na profissão em que ninguém entra, mas também ninguém sai, os relatos são de malabarismos para sobreviver com a renda que diminuiu e a revolta pela tomada de assalto dos aplicativos, que dão pouco ao motorista, mas custam pouco para o cliente.

São relatos, também, de quem desistiu de brigar e deixou que os aplicativos sejam um complemento à renda. Enquanto o cliente não vem, um aplicativo ou outro ficam ligados no celular, à espera de que pingue um trocado. Ainda resta, no entanto, orgulho nos “profissionais do volante”, que não trocam uma vida à frente dos táxis pela novidade da vez.

Roque de Castro, 60 é taxista há 28 anos e trabalha em um dos pontos mais tradicionais de Campo Grande, localizado na Rua 14 de Julho no cruzamento com Avenida Afonso Pena. Ali, é alvo das “senhoras”, fieis aos táxis, e de apressados que correm pelo centro sem paciência para usar o celular e chamar um carro.

Em dez minutos de conversa, uma cliente aparece, e também aparece o som do aplicativo. “Não vou aceitar”, diz. O taxista afirma que só aceita corridas pelo aplicativo no “retorno” de corridas que realizou pelo táxi. Para ele, os taxistas tem compromisso, os aplicativos não. Taxistas pagam impostos, aplicativos não.

Roque, durante entrevista na manhã de quarta-feira (26) (Foto: Marina Pacheco)
Roque, durante entrevista na manhã de quarta-feira (26) (Foto: Marina Pacheco)

“Se você escolheu um táxi você tem onde achar ele, se você esqueceu uma bolsa dentro do carro, você vai no outro dia naquele lugar e o taxista está sentado lá”, argumenta.

A renda, conta, caiu, e caiu muito. Roque avalia que a diminuição foi de 70%. Pagar as contas, diz, “é fazer mágica”. “Você negociava um alvará por fora, hoje não existe mais isso. Por exemplo, tem pessoas que têm o alvará comprado, leiloado. São 8 alvarás em Campo Grande. Existe, dentro do Shopping Campo Grande, parados, sem trabalhar, porque não compensa. Existia os carros arrendados, agora praticamente não existe, não tem motorista pra isso, não compensa. Se tiver tem meia dúzia de gato pingado”, diz.

Os relatos de Roque e outros motoristas são de uma quebra em um padrão de vida que permitia férias de fim de ano e escola particular para os filhos. “Mágica [equilibrar as contas]. É mágica. Só a gente sabe o que a gente está passando. Você tinha filho em escola, tinha um rendimento razoável, hoje você faz mágica. As próprias viagens de férias não existem mais. Não existe mais aquele...a gente vai fazer uma compra, você vai tirando do carrinho”, afirma.

“Quebra galho”, admite, sobre as corridas com aplicativo, mas afirma que o número de taxistas “diminuiu muito”. “Tanto é que não tem motorista, antes você arrumava motorista facinho, agora não”.

Bernardo Oshiro, 55 (Foto: Marina Pacheco)
Bernardo Oshiro, 55 (Foto: Marina Pacheco)
(Foto: Marina Pacheco)
(Foto: Marina Pacheco)

Profissão balança, mas não cai – Proprietário de táxi há 20 anos, e conduzindo há dois, Bernardo Oshiro, 55, sentado no banco, em frente ao fiel companheiro de 4 rodas na Rua 14 de julho não demonstrava muita preocupação. Taxista, diz, é profissão que nunca acaba, igual “igreja e prostituição”.

“Existem três profissões que nunca vão acabar no mundo. Isso eu vou falar por experiência e pra você memorizar: táxi, igreja e prostituição. Desde que o mundo é mundo. As outras vão acabando, relojeiro, conserto de máquina de datilografia e por aí vai”, comenta.

Ainda assim, continua com dificuldades. Os ganhos caíram de “30 a 40%” e a pessoa que dividia o táxi com ele, ali não se encontra mais. “Caiu rendimento pelo seguinte, antigamente eu tinha um motorista, tinha que dividir entre o motorista e eu, hoje eu não tenho motorista, eu dirijo sozinho, o faturamento não daria para os dois”, afirma.

Mas Oshiro não se renda aos aplicativos. “O aplicativo, na minha opinião, só duas pessoas ganham: o usuário e o dono do aplicativo, ele cada dia mais rico, o cliente cada vez mais contente e o motorista a cada dia se afundando”, argumenta.

“Motorista de aplicativo, não sei, ele tem que trabalhar muito. Quando começou, ele trabalhou 3, 4 anos, viu que não deu, ele parou. Mas nesses anos pergunta o que ele guardou, o que ele ganhou. E o táxi não, todo mundo constituiu família, formou filho, formou uma vida”. De repente muda de expressão e lembra: “lógico que hoje não se forma mais”.

Amarildo, 60, motorista há 39 anos (Foto: Marina Pacheco)
Amarildo, 60, motorista há 39 anos (Foto: Marina Pacheco)

“Não tenho opção na minha idade” – É o que diz um taxista que passou 39, dos seus 60 anos, dirigindo. Quem quiser uma corrida com Luiz Carlos é só ir até o ponto da Barão do Rio Branco. O taxista afirma que hoj, já não tem como deixar a profissão, ainda que com ela 50% da renda tenha ido embora.

“A gente vinha com um patamar de renda de um certo valor, de repente... os compromissos começam a ficar mais apertados”, conta. “Hoje que eu saiba não [pessoas querendo trabalhar como taxistas]. As pessoas hoje querem mais é novidade, procuram novidade, mas sem saber como vai ser a forma deles trabalharem”, opina.

Mas lá está no celular, como um remendo nos ganhos, um dos aplicativo de transporte. “Eu tenho, mas eu quase nem ligo, porque é pouca chamada, mas compensa porque tudo que vier pra gente é lucro, qualquer renda extra ajuda”.

A espera por uma corrida, às vezes, pode alcançar 8h. O “recorde” é parte do relato de Amarildo de Oliveira, 55, motorista profissional há 27 anos. Logo vem Luiz Carlos para provoca-lo, chamando o amigo de “Uberildo”, trocadilho com a empresa líder mundial de aplicativos de transporte.

“- Como está a profissão hoje?
- Ela tá bem devagar, quase sendo extinta.
- Fica muito tempo parado sem corrida?
- Colega já ficou até 8h, bateu o recorde. Fica muito tempo.
- E pra se distrair?
- Fico olhando o Whatsapp né”, ri Amarildo.

“Uberildo”, no entanto, não dirige para a empresa cujo apelido ganhou naquela manhã. Conduz apenas para aplicativos de táxi, “porque o táxi que dá o suporte”, e arca o peso de ganhar, hoje, 70% a menos do que ganhava antes. “Tanto é que os alvarás novos não foi nem preenchidos. Ninguém tem interesse de entrar, não tem mais demanda”, diz.

“- E como fica pra pagar as contas?
- A gente está trabalhando no vermelho.
- Já cogitou procurar outro emprego?
- Já cogitei, mas e a idade? A maioria dos taxistas não tem condição, ainda mais na recessão que está esse país”, finaliza.

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