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Capital

A epidemia das drogas, sob os olhos de quem sofre as consequências

Mariana Lopes | 29/12/2012 09:09
Menino mostra as cicatrizes dos tiros que levou (Foto: Mariana Lopes)
Menino mostra as cicatrizes dos tiros que levou (Foto: Mariana Lopes)

Ele trocou os brinquedos pelas drogas, começou a beber em casa, junto com a mãe, com apenas 6 anos. Quando percebeu, já estava viciado e a vida se encarregou de escolher o caminho que ele iria trilhar. Ainda na infância, perdeu o pai e a mãe, e foi morar com a avó.

Na adolescência, tomado pelo vício, ele largou tudo e foi para as ruas de Campo Grande, onde também conheceu a criminalidade. Furtou, roubou e até matou. Em setembro deste ano, ele foi vítima de uma tentativa de homicídio, levou dois tiros, um no braço e outro na perna.

Apesar do ar de um adolescente bem esperto e vivido, o rosto é de um menino. Um menino que desde cedo viu o lado cruel da vida e teve poucas oportunidades, ou nenhuma, de criar expectativas em escrever uma história diferente da realidade na qual sempre conviveu.

Mas nos olhos, o garoto ainda traz um brilho quando questionado de qual é o maior sonho da vida dele. "Quero mexer com animais. Quero ser um laçador. Você me ajuda, tia?", pede o garoto.

O clamor do adolescente vem com impacto, tanto para a equipe de reportagem, quanto para os leitores, que se manifestaram nos comentários quando a matéria foi publicada, em setembro.

Essa foi uma das histórias contadas pelo Campo Grande News em 2012, na série sobre drogas. Foram vários casos relatados de dependências e do problema social que é apontado por quem lida com o dia-a-dia da criminalidade como um motor da violência no Estado.

Na série produzida pelo jornal, os leitores puderam conhecer um pouco dos “bastidores” do cotidiano de quem sobrevive nesta selva, dessa epidemia que destrói vidas e massacra famílias.

Avó luta para livrar o neto das drogas (Foto: Pedro Peralta)
Avó luta para livrar o neto das drogas (Foto: Pedro Peralta)

Uma das primeiras histórias da séria foi a de outro garoto que perdeu a infância e caminha para a perda da adolescência. Ao lado dele, no lugar de uma mãe que luta para tirar o filho das drogas, está uma mulher que vive sob o efeito de entorpecentes, e ao invés de levar o filho pela mão, foi ela quem o arrastou para a pasta-base.

Com certa tristeza, ele conta que há algum tempo não recebe mais carinho da mãe. Não porque ela não queira dar, mas sim porque a droga a consumiu a ponto de ser a única prioridade da vida dela.

Quem mais se preocupa com o garoto hoje é a avó e a tia, que relatam com muita dor e um pouco de culpa o fato de a mãe do adolescente estar viciada há pelo menos cinco anos.

O menino viu tudo de perto e, mesmo com a pouca idade, percebia o que se passava ao seu redor. "A casa era toda mobiliada, ela foi dando tudo para pagar, 'dona'. Tudo. Já tive que dar a minha bicicleta pra pagar dívida dela", lembra o adolescente.

E foi assim que ele trilhou o mesmo caminho da mãe e acabou vítima do poder devastador da dependência química. "Uso pasta-base, só que não faz muito tempo, não chegou a dominar eu não", diz, tentando convencer a si mesmo.

Elita olhando as fotos do filho de 13 anos que se tornou dependente químico (Foto: Paula Vitorino)
Elita olhando as fotos do filho de 13 anos que se tornou dependente químico (Foto: Paula Vitorino)

Outro caso de mãe e filho que também comoveu os leitores do Campo Grande News foi o de Elita Alves dos Santos, de 32 anos. Desesperada, ela procurava ajuda para o filho de 13 anos, que havia parado de estudar, já tinha sido apreendido pela Polícia e passava dias fora de casa, sem paradeiro certo.

Quando a mãe pergunta por onde ele estava, a resposta é sempre a mesma: casa de amigos e festas por todos os cantos da cidade. “Ele volta abatido, com o olho vermelho e nunca conta por onde esteve. Às vezes chega com os pés todos machucados, manchas pelo corpo, aí cuido dele e quando melhora volta para a rua”, conta.

A mãe lembra que o filho sempre foi agitado na escola e aos 8 anos chegou a fazer tratamento com psicólogo e tomar remédios receitados por psiquiatra. Mas os problemas começaram e as drogas apareceram no final do ano passado. E desde então, ela também entrou para o grupo de mães que travam uma batalha diária para tentar salvar o filho.

Sônia Mara Marques mostra a foto do filho que conseguiu se livrar das drogas e recomeçar a vida (Foto: Rodrigo Pazinato)
Sônia Mara Marques mostra a foto do filho que conseguiu se livrar das drogas e recomeçar a vida (Foto: Rodrigo Pazinato)

Na série, contamos também casos de vitórias, de pessoas que conseguiram vencer o vício e escrever um novo roteiro para própria história. Foi assim com Erick Vinícius Marques de Souza Pedroso, hoje com 29 anos. Ele começou a usar drogas aos 13 e foi dependente até os 22.

A reviravolta na vida deste jovem aconteceu no dia em que a mãe dele tomou uma atitude drástica. Cansada de ver o filho morrer aos poucos com as drogas, certo dia Sônia Mara Marques de Souza, 50 anos, juntou suas forças e disse ao filho que na casa dela não havia mais lugar para ele com a vida que estava levando.

“Abri o portão de casa para o meu filho ir embora e ele foi”, conta Sônia, com as lágrimas lavando o rosto ao lembrar quão difícil foi fazer uma aposta tão cara, ao abrir o portão e deixar o próprio filho ir, mas presa à esperança de que ele iria voltar.

E foi naquele momento decisivo que a vida de Erick mudou. Algumas horas depois ele voltou para casa e disse que aceitava se internar. De Dourados, a família mais do que depressa pegou estrada rumo a Campo Grande.

“Se meus pais não tivessem me obrigado a me tratar, hoje eu estaria morto ou preso”, comenta o jovem. Hoje, Erick voltou para Dourados, está casado há quase seis anos, trabalha e faz planos para ter filhos. A vida deu uma nova chance a ele, longe das drogas.

Outra história com testemunho de superação que merece destaque nesta retrospectiva é a de um senhor de 64 anos, que também experimentou as drogas ainda na adolescência.

Foram 34 anos de dependência. Hoje, há 17 anos longe das drogas, o militar aposentando aprendeu que a vida depende de escolhas. "Ninguém faz você parar de beber ou usar. Você só vai parar se mudar de comportamento", diz o homem que um dia já foi conhecido pelo apelido de "Bandidão", na época que ainda costumava visitar favelas e subir morros do Rio de Janeiro em busca de maconha e cocaína.

Internado na Unei, ele só quer recomeçar e dar um futuro melhor ao filho (Foto: Paula Vitorino)
Internado na Unei, ele só quer recomeçar e dar um futuro melhor ao filho (Foto: Paula Vitorino)
Ela tem um sonho: Deixar as drogas (Foto: Pedro Peralta)
Ela tem um sonho: Deixar as drogas (Foto: Pedro Peralta)

Relatamos finais felizes e outros de personagens que até desejam superar a dependência, mas que ainda não encontraram forças para mudar o rumo da vida. A história de uma mulher que já foi presa por tráfico e a de uma garoto que ainda cumpre pena na Unei por latrocínio (roube seguido de morte) são bem parecidas: os dois se tornaram estatística da criminalidade por causa da droga. Outro ponto em comum deles é o desejo de mudar de vida.

De um lado, uma jovem de 27 anos, usuária de pasta-base de cocaína. Em 2007, ela foi contratada para levar 3 kg da droga até São Paulo, acabou sendo presa depois que o ônibus onde estava foi parado em Miranda em um posto de fiscalização. Ao todo ela ficou quase 3 anos na cadeia, lamenta o caminho que escolheu e, apesar do vício, declara confiante que “ainda vai mudar de vida”.

Do outro lado, uma garoto de 18 anos, que matou outro a facadas quando ainda era menor de idade. Na vida dele, tudo começou com as drogas, um passo bem curto para a criminalidade. Na Unei, ele foi obrigado a se afastar dos entorpecentes e da antiga rodinha de amigos também viciados. Foi um período de abstinência forçada, mas o qual ele dá o mérito de ter conseguido sair da dependência.

Na vida desses dois jovens há um incentivo bem maior para largar as drogas: os filhos. Ela é mãe de três, sendo uma menina de 11 anos, um menino de 9 e a caçula de 5 anos, mas ela não tem contao com nenhum deles. Os filhos mais velhos estão abrigados no Conselho Tutelar e a caçula, segundo a mãe, está com uma mulher que não é muito a favor do contato entre as duas.

Já o garoto tem um filho de 1 ano e 5 meses, que é de onde vem toda a vontade de escrever uma nova história daqui para frente. Ele diz ter consciência da falta que faz ao filho e do mau exemplo que acaba sendo. Ele conta como fez falta a presença de um pai na vida dele, e por isso, o desejo agora é de ser diferente, para dar ao filho o que nunca teve.

 O objetivo da série produzida pelo Campo Grande News era mostrar o lado pouco visto e reconhecido de pessoas que travam diariamente uma batalha com o vício. Em cada história que contamos e cada personagem que fez parte dessa série deixou um aprendizado. Foram histórias marcantes, que mexeu tanto com os repórteres quanto com os leitores.

Em cada relato, o contraste de sentimentos era perceptível: o desejo imensurável de mudar de vida e o poder inimaginágel de acorrentar que a droga exerce sobre o dependente.

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