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Capital

Alojados em escola, jovens trocam “festa da carne” por “festa espiritual”

Congresso de jovens da Igreja Batista Nacional reúne, em média, 350 pessoas que fogem da festa de rua para celebrarem evangelho de Jesus Cristo

Izabela Sanchez | 05/03/2019 11:34
De pé, jovens cantam músicas tradicionais da Igreja Batista Nacional (Foto: Izabela Sanchez)
De pé, jovens cantam músicas tradicionais da Igreja Batista Nacional (Foto: Izabela Sanchez)

Em frente à Escola Estadual Joaquim Murtinho, em plena terça-feira de Carnaval, “Chita”, como é chamado, exibe cabelo afro trançado e segura um rádio de comunicação. Passa a impressão de ser segurança de uma festa, mas guarda, na verdade, o interior da escola, onde estão alojadas em média 350 pessoas – a maioria jovens – que trocaram “a festa da carne” pelo culto do espírito.

Edwiliney Chita, 39, é carteiro, líder da Igreja Batista Nacional de Campo Grande e também um dos organizadores do Conjuban (Congresso da Juventude Batista Nacional), um retiro promovido pela Igreja Batista Nacional que acontece a cada dois anos, sempre durante o Carnaval. Esse ano, o destino escolhido foi Campo Grande e o “templo”, a Escola Joaquim Murtinho.

Por ali, desde crianças a idosos unem-se em prol da juventude Batista e ignoram o que ocorre bem perto da escola, a tradicional festa de rua do Carnaval campo-grandense. Ainda assim, nem só de cultos são feitos os dias do retiro.

Chita, durante o retiro espiritual na manhã desta terça-feira (Foto: Izabela Sanchez)
Chita, durante o retiro espiritual na manhã desta terça-feira (Foto: Izabela Sanchez)

Alojados na escola desde sábado (2), o grupo desafia a imagem tradicional da religião, com danças como o “hip-hop” e “street dance” e até estampou, em faixas, letras tradicionais da cultura grafiteira. Ao invés das frases de protesto, no entanto, a faixa exibe os seguintes dizeres: “Jesus me amou primeiro”.

Campeonatos de várias modalidades esportivas também fizeram parte do evento que chega ao fim nesta terça-feira (5). Durante a manhã do último dia do retiro os participantes reuniram-se na quadra da escola, assistiram a um show e ouviram as palavras dos pastores.

Chita toma bastante cuidado ao falar do Carnaval, afirma não condenar, “por não ser digno de condenar”, mas finaliza: “não é salutar”. “Carnaval é tido como uma festa da carne. A gente tira esse período para fazer uma festa do espírito. Eu não condeno porque não sou digno de condenar ninguém. Para mim não é salutar, mas não condeno ninguém”, diz.

"Jesus me amou primeiro", na faixa pintada pelos jovens na Escola Estadual Joaquim Murtinho (Foto: Izabela Sanchez)
"Jesus me amou primeiro", na faixa pintada pelos jovens na Escola Estadual Joaquim Murtinho (Foto: Izabela Sanchez)

Para ele, a igreja, para atrair mais jovens, tem que buscar “todas as formas de adorar a Deus”. “Não importa se é uma dança, temos que fazer pela glória de Deus. O principal é o entendimento das palavras de Deus”.

O evento, que reúne 12 igrejas e fieis de 13 cidades de Mato Grosso do Sul é planejado com dois anos de antecedência. “Sonhamos com isso e corremos atrás. O que fazemos em nome de Deus temos que fazer nosso melhor”. O líder da igreja ainda diz “que o estado é laico”, ao comentar a autorização da SED (Secretaria Estadual de Educação) para que o evento fosse realizado em uma escola estadual.

“O problema é querer tirar o direito do outro. Dentro da minha fé posso achar errado, mas não posso julgar”, afirma, sobre o papel do estado, mas declarou ser a favor do ensino religioso nas escolas, assunto em voga no atual momento político.

“Ganhar almas para o senhor” – A estudante de fisioterapia Vitória Minhos, 19, se aproximou da igreja há um ano. “Tinha amigos que já eram da igreja, conheci Jesus e me apaixonei”, conta ela, que não era religiosa. Sobre o Carnaval, a jovem afirma não frequentar festas e acha a tradição carnavalesca “ruim”. “Eu acho que é uma festa muito da carne, acho ruim”, diz.

“A igreja é tudo. É incrível”, diz, afirmar ter dificuldades de encontrar palavras para descrever a relação com a religião. Vitória acredita que o papel dos jovens, na igreja, “é ganhar almas para o senhor”.

Participante ergue às mãos enquanto pastor fala (Foto: Izabela Sanchez)
Participante ergue às mãos enquanto pastor fala (Foto: Izabela Sanchez)

“Não há limites” - Natural do Chile e casado com uma brasileira, o missionário da Igreja Batista Nacional chilena já visitou o Brasil várias vezes, mas é a primeira vez que frequenta o retiro de jovens. “O jovem começa a se integrar melhor, a ter mais claridade. É um encontro com Jesus, que o libertará”, explica.

Para ele, o Carnaval deixa os jovens “à mercê”. “Eu sei que o Carnaval é cultural, mas sabemos que há uma situação espiritual, deixa muito à mercê, as pessoas fazem o que querem”, comenta, citando uso de drogas, prostituição e até estupros durante a festa. “Não há limites. O único limite é a polícia, mas é segurança, não há limites”, complementa.

O chileno opina que a igreja deve “ajudar no crescimento ministerial” dos jovens. “Que o jovem comece a desenvolver o chamado pastoral”.

Lidiane Silva, 21, não estuda e não trabalha, mas a ocupação, na igreja, para ela “é a alegria verdadeira”. Lidiane, que exibe tatuagens no braço, começou a frequentar a igreja há dois meses e na primeira vez que visitou, foi contrariada. “A primeira vez não queria ir, fui pela minha mãe, mas achei a igreja maravilhosa. Senti a presença de Deus lá, nunca mais foi a mesma coisa”, relata.

Ela já frequentou o Carnaval, foi à festa de rua no ano passado, mas afirma que os hábitos mudaram “depois que conheceu o amor de Deus”. “O Carnaval é uma alegria passageira”, opina.

Participantes do retiro na quadra da Escola Joaquim Murtinho nesta terça-feira (Foto: Izabela Sanchez)
Participantes do retiro na quadra da Escola Joaquim Murtinho nesta terça-feira (Foto: Izabela Sanchez)

Amor de Deus sim, religião não - Julia Yamada veio de Miranda, a 201 km de Capital, para participar do retiro. Ela tem apenas 15 anos, mas já demonstra opinião forte sobre o papel da igreja, da juventude e afirma que a igreja deve “pregar o amor de Deus” e não a religião. Outra curiosidade da adolescente é que foi à igreja Batista pela primeira vez com “10 ou 11 anos” sozinha. Deixou de lado a religião dos pais, que são espíritas e ali se encontrou.

“Sentia falta de um complemento. Eles [pais] aceitaram porque acharam que já estava na hora de eu decidir. Eu acredito que a igreja tem que pregar o amor de Deus”, afirma, apontando que “Deus a ajudou a superar as coisas mundanas”.

“Eu acho que cada um tem que escolher o que quer, mas não é muito bom [Carnaval] porque talvez façam coisas que não são muito boas e tem várias consequências depois”, discorre, sobre o Carnaval.

A forma correta de atrair os jovens para a igreja, diz, é “pregar o amor de Deus, não a religião”. Outra questão, afirma, é que a igreja não deve fugir de assuntos relacionados aos jovens, “sexo, namoro, a realidade dos jovens”.

"Prazeres pecaminosos" - O secretário administrativo Elizeu dos Santos, 22, veio de Sete Quedas, a 471 km de Campo Grande com a esposa e quatro jovens meninas sob os cuidados dos dois. Elizeu descreve a si mesmo como religioso desde criança, levado à igreja pelos pais. A Batista Nacional ele frequenta há 3 anos.

Afirma ter se aproximado da igreja em razão do “fogo do espírito santo e o cuidado que ele tem com as pessoas”. “Depois da Batista aprendi que não devemos ser religiosos, mas simplesmente cristãos”.

Elizeu acredita que o Carnaval representa um universo de pecados. “Ele praticamente leva nosso jovens e adultos a se curvarem diante de um mundo de libertinagem, que acabam cultuando prazeres pecaminosos deste mundo. Acabam se esquecendo de Deus”.

O jovem sintetiza que a igreja, para reunir mais jovens, deve “resgatá-los” e “pregar o evangelho simples de Jesus”.

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