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De volta à cracolândia, Orla Ferroviária é sonho que desperdiçou R$ 4 milhões

“É um chiqueiro a céu aberto. Serve de banheiro, roubo, tudo quanto é tipo de sacanagem”

Aline dos Santos e Cleber Gellio | 05/01/2022 09:19
Homens usam drogas atrás de vagão da Orla Ferroviária. (Foto: Marcos Maluf)
Homens usam drogas atrás de vagão da Orla Ferroviária. (Foto: Marcos Maluf)

Encaixadas com esmero no calçamento da Orla Ferroviária, as pedras portuguesas deveriam ser caminho de uma pulsante rua 24 horas, num espaço que congregasse lazer, gastronomia e resgate histórico. Mas os grandes planos, datados de 22 de dezembro de 2012, quando a obra de R$ 4,8 milhões foi inaugurada, se perderam no tempo.

Encarcerado pelas construções vizinhas, o corredor cultural não se integrou a Campo Grande e pelas pedras portuguesas, também chamadas petit-pavé, só marcam presença os passos errantes dos usuários de drogas.

A cracolândia, que ocupa a orla de ponta a ponta, exibe o drama da dependência química e também afugenta as pessoas, temerosas de furtos e roubos. Os recursos foram financiados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Orla Ferroviária foi entregue em 2012 com luzes de Natal e plano de ser corredor gastronômico. (Foto: João Garrigó/Arquivo)
Orla Ferroviária foi entregue em 2012 com luzes de Natal e plano de ser corredor gastronômico. (Foto: João Garrigó/Arquivo)

“Estamos mortos aqui. Tem o problema da cracolândia, uma grande quantidade de usuários de drogas. É um chiqueiro a céu aberto. Serve de banheiro, roubo, tudo quanto é tipo de sacanagem”, afirma um morador de 54 anos, que, por medo, pediu para não ter o nome divulgado.

Ele sugere a abertura de uma rua, com mais uma opção de acesso para a Avenida Ernesto Geisel. No ano passado, a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) defendeu que o local virasse estacionamento, capaz de comportar até 800 carros, amenizando a escassez de vagas no Centro.

Imagem mostra a projeção de como seria a Orla: rua 24 horas e cheia de público. (Foto: Reprodução)
Imagem mostra a projeção de como seria a Orla: rua 24 horas e cheia de público. (Foto: Reprodução)

A orla se estende por 900 metros, da Avenida Afonso Pena, a partir da Morada dos Baís, até a Avenida Mato Grosso. O alfaiate Isael Almeida, 67 anos, que mora perto dos trilhos há quatro décadas, lembra a beleza de quando a área foi revitalizada em 2012.

“Ficou tão bonito essa área quando fizeram. De repente, quando terminarem as obras do Centro [Reviva Centro], vai ficar bom aqui também. É o que a gente espera”, diz.

O aposentado Alberto Cabrera, 62 anos, que mora na Rua dos Ferroviários, cobra mais segurança.

“De dia, até que dá para transitar, mas à noite, não temos segurança. Quando vejo, desvio para o outro lado da rua", relata sobre a difícil convivência com uma cracolândia.

Alberto conta que só circula pela Orla Ferroviária durante o dia: "à noite, não temos segurança". (Foto: Marcos Maluf)
Alberto conta que só circula pela Orla Ferroviária durante o dia: "à noite, não temos segurança". (Foto: Marcos Maluf)

Vagões perdidos – O corredor gastronômico foi ativado em 2013, quando nove vagões foram alugados a comerciantes, por valores de R$ 1.200 a R$ 2 mil. Nas cores verde e vermelha, os vagões eram dotados de infraestrutura básica: banheiro, cozinha e instalações de energia elétrica, água e esgotamento sanitário.

Gradualmente abandonados, os vagões foram ocupados por usuários de drogas e incêndios se tornaram recorrentes. A partir de 2019, a maioria das estruturas foi retirada.

Vagão abandonado serve de abrigo para morador de rua. (Foto: Marcos Maluf)
Vagão abandonado serve de abrigo para morador de rua. (Foto: Marcos Maluf)

Atualmente, entre a Afonso Pena e a Barão do Rio Branco, ainda existem dois vagões fechados. Usuários se escondem ali para consumir droga. Na orla, todas as lixeiras foram arrancadas, enquanto o mato avança pelos trilhos.

Um contêiner, sem identificação, serve de base da Guarda Civil Metropolitana. Com um agente, a base parece tentativa para inibir vandalismo contra o Monumento da Maria Fumaça, uma locomotiva de 20 toneladas, que chegou à Avenida Mato Grosso com a Calógeras em 2018.

Com 20 toneladas, Monumento da Maria Fumaça chegou em 2018 à Avenida Mato Grosso. (Foto: Marcos Maluf)
Com 20 toneladas, Monumento da Maria Fumaça chegou em 2018 à Avenida Mato Grosso. (Foto: Marcos Maluf)

Da festa à frustração – Responsável pela entrega da Orla Ferroviária em 2012, o ex-prefeito Nelson Trad Filho (PSD) engrossa o coro dos descontentes com o destino do espaço de lazer e cultura.

“Essa foi uma das minhas frustrações. A ideia era fazer ali uma extensão das atividades do Camelódromo e Feira Central, com atrações culturais periódicas, tipo a festa das nações. Atrações da cultura espanhola, paraguaia, japonesa, libanesa. Com isso, ia atrair o público e perpetuar aquele espaço. Mas nada foi feito”, lamenta.

Pavimento de pedra portuguesa está danificado por toda a orla. (Foto: Marcos Maluf)
Pavimento de pedra portuguesa está danificado por toda a orla. (Foto: Marcos Maluf)

Atual senador, Trad Filho afirma que, logo após deixar a prefeitura de Campo Grande, denunciou o abandono da Orla Ferroviária ao MPF (Ministério Público Federal).

“Foi um descaso muito grande um órgão de controle não tomar providência. Houve inércia de quem me sucedeu. O Bernal e Olarte deixaram de fazer muita coisa”, diz Trad Filho, citando os ex-prefeitos Alcides Bernal e Gilmar Olarte.

Sem futuro – O crônico abandono da Orla Ferroviária entra em 2022 sem previsão de melhoras. “Realmente, não está sendo bem aproveitada, mas não tem nenhum projeto de novos investimentos”, afirma o titular da Sisep (Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos), Rudi Fiorese.

Na região, o único projeto previsto é a reforma da Praça Aquidauana. A orla também não deve virar rua ou estacionamento. “Teve essa discussão, mas a Agetran [Agência Municipal de Transporte e Trânsito] entende que o pavimento ali, o petit-pavé, não foi feito para trânsito de veículos”, diz o secretário.

Base da Guarda Civil Metropolitana é contêiner com um agente. (Foto: Marcos Maluf)
Base da Guarda Civil Metropolitana é contêiner com um agente. (Foto: Marcos Maluf)

Direito de ir e vir – A Guarda Civil Metropolitana informa que mantém somente um agente na base, mas a região é patrulhada com viaturas e monitorada por câmera.

Sobre os moradores de rua, que tanto afugentam mais pessoas de passar pela orla, os guardas fazem abordagem para verificar se há mandado de prisão em aberto. Caso sim, são levados para a delegacia. Caso não, eles permanecem no local amparados pelo direito de ir e vir, previsto na Constituição Federal.

Orla Ferroviária exibe grades retorcidas e enferrujadas. (Foto: Marcos Maluf)
Orla Ferroviária exibe grades retorcidas e enferrujadas. (Foto: Marcos Maluf)


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