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Distanciamento não existe, dizem trabalhadores que usam transporte coletivo

Capital

Distanciamento não existe, dizem trabalhadores que usam transporte coletivo

Não há escolha para quem faz parte dos serviços retomados e precisa acordar antes do sol raiar

Izabela Sanchez e Clayton Neves | 31/03/2020 07:57

Para quem mora em bairro longe do centro e faz algum serviço essencial ou autorizado a funcionar durante a pandemia de coronavírus, depender de transporte público é risco dobrado. O dia em Campo Grande foi trazido, nesta terça-feira (31), por gente que acordou antes que o sol nascesse, para pegar um ônibus e fazer a economia rodar.

Entre as mais de duas horas de espera do bairro ao centro nos pontos de integração, o sistema nervoso da cidade vai exibindo ares de normalidade com o vai e vem de ônibus e o movimento incessante de quem não pode escolher ficar em casa.

São trabalhadores da saúde, mas também são pintores e levantadores de arrimo, são caixas de supermercado, balconistas de farmácia, cuidadores nos abrigos improvisados. É gente responsável pelo que tem de funcionar para que toda a cidade possa continuar com a vida em meio à ameaça do vírus.

A Praça Ary Coelho tem 4 faces, a depender de qual rua cruza com a Avenida Afonso Pena. Na Campo Grande do transporte público de pandemia, a Praça é o relógio da cidade, e os caminhos não apontam para Roma, como diz o ditado. Eles parecem apontar para um lugar no tempo, no futuro: os cruzamentos da Avenida Afonso Pena onde ficam os pontos de integração têm ruas com nomes dos meses que virão, na 13 de Maio, 14 de Julho e 15 de novembro.

Na 13 de maio, fila de gente para sair e para entrar no ônibus (Foto: Henrique Kawaminami)
Na 13 de maio, fila de gente para sair e para entrar no ônibus (Foto: Henrique Kawaminami)

É esse movimento que vai enganando quem observa. Tic-tac, desce gente do ônibus. Tic-tac, volta gente a subir. Mas não para quem vai trabalhar com transporte público. O que dizem esses trabalhadores é que a única ilusão é pensar ser possível ficar distante 1,5 metro dentro de um ônibus.

Enquanto um ou outro exibe máscara no rosto, funcionários do Consórcio Guaicurus, responsável pelos ônibus, orientam os trabalhadores e observam o primeiro dia de retomada.

Sandra Gomes da Silva, 42, trabalha no centro de acolhimento improvisado no Jardim Los Angeles.Do José Abraão, o centro é o meio do caminho até o trabalho. “Está bagunçado, hoje vou chegar tarde, fiquei quase 1h esperando ônibus, estava quase desistindo”, disse ela, que foi para o ponto às 4h50 e chegou ao centro, aproximadamente, 6h40. “Acho importante, mas as pessoas não estao tomando esse mesmo cuidado, a distância não é respeitada”, explica.

De máscara, mas de volta ao trabalho (Foto: Henrique Kawaminami)
De máscara, mas de volta ao trabalho (Foto: Henrique Kawaminami)

Dia nasceu feliz – O último dia do mês é recomeço para o pintor José Patrocínio, 57, que trabalha em uma obra no Shopping Campo Grande e sai do bairro Coophavilla para ir até a nobre região da cidade. Saiu de casa, conta, feliz, depois de vários dias sem trabalho e esperou o ônibus que chegou 15 minutos atrasado, às 5h45.

“Na entrada tive que me identificar, por sorte o ônibus que vim não estava tão cheio”, conta ele, sobre todo mundo sentado e só alguns de pé.


“Faltou um gelzinho na entrada e na saída”, disse José.

“Pra gente que depende no dia-a-dia é bom essa volta, fiquei em casa nesses últimos dias, hoje é o primeiro dia de volta ao trabalho”, comenta.

A cuidadora social Ivanir Aquino, 49, por outro lado, está desconfiada com o inimigo invisível e acha que não era hora de voltar. “O isolamento deveria ser mantido por mais alguns dias, além disso, na minha visão essa abertura vai deixar os trabalhadores da saúde mais expostos, vamos ficar ainda mais em perigo”, alegou.

Ivanir ainda tem longo caminho até o Jardim Los Angeles (Foto: Henrique Kawaminami)
Ivanir ainda tem longo caminho até o Jardim Los Angeles (Foto: Henrique Kawaminami)

A técnica de enfermagem Cleonice Feitosa, 51, girava no sentido anti-horário do relógio: esperava o ônibus para voltar para casa depois de finalizar plantão onde quem chega não pode esperar. Ela é técnica de enfermagem na maternidade Cândido Mariano. A trabalhadora percorre todo o centro entre a maternidade e o ponto de integração na 13 de maio e mora nas Moreninhas.

“Sempre atrasa um pouco, inclusive tivemos que assinar um documento para não descontar o tempo no horário dos trabalhadores. Chega 20 minutos atrasado, depois passa em um monte de bairro, a gente sempre chega atrasado. Mas é tranquilo. Tem que voltar né?”, diz.

Cleonice conta ser diabética, por isso exibia máscara na manhã desta terça-feira. “Preciso me cuidar e me proteger, dentro alguns usam outros não, só uso porque sou fator de risco. A distância de um metro e meio não existe”, comenta.

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