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Capital

Do tráfico ao morro carioca: relatos de quem vive as mudanças na Vila Nhá-Nhá

Paula Maciulevicius | 26/08/2011 08:29

Memórias de Um Jornal traz história de antigos personagens da velha Nhanhá, antes de ser tomada pelo tráfico

Com ocupação da PM, Vila Nhanhá quer poder desfrutar da velha tranquilidade. (Foto: João Garrigó)
Com ocupação da PM, Vila Nhanhá quer poder desfrutar da velha tranquilidade. (Foto: João Garrigó)
O que antes era brejo passou a ser comparado aos morros cariocas. (Foto: João Garrigó)
O que antes era brejo passou a ser comparado aos morros cariocas. (Foto: João Garrigó)

Uma estrutura que se assemelha aos morros cariocas. Uma economia gerada a partir do tráfico e a ocupação da Polícia Millitar no bairro desde a semana passada. É este o cenário da região, que de favela passou a ser comparada aos morros do Rio de Janeiro, onde o crime impera.

A posição geográfica e a própria cultura é o que mantém o bairro como um dos piores no assunto de drogas. Constatação dada até mesmo pelos moradores. "100% das famílias aqui foram destruídas pela droga. É mãe, pai, e criança pequena vendendo. Vai denunciar para você ver", desabafa uma moradora.

Mas a região nem sempre foi assim, nasceu diferente e ficou ainda mais com o passar dos anos. Na comemoração de aniversário da Capital, o bairro mais monitorado não poderia ficar de fora, nem o que ele tem de positivo para mostrar, seu povo.

As notícias de apreensão de drogas e armas, e prisão de traficantes vão deixar de ser dadas, pelo menos por um momento. As manchetes nos meios de comunicação nem sempre ganharam as páginas policiais com a criminalidade da Nhanhá, mas também com a peculiaridade dos seus habitantes.

No livro "Memórias de um Jornal", o agora presidente da Fundação de Cultura do Estado, Américo Calheiros, narra a história do bairro nos meados da década de 80, chamada "Uma Vila, Uma Mulher".

"Nha-Nhá é um nome que sai da boca e para no ar", definiu Américo. Nos retratos de uma história passada, a reportagem entrevista Solange Maria Rocha, de 17 anos, na época morava há 10 na região.

A garota conta que quando mudou pensou que fosse uma vila cheia de amigos que se entrosariam, mas a verdade foi toda contrária. "Até hoje quase nem tenho vizinhos, porque moramos isolados", contou à época.

Quase 30 anos depois a aglomeração de moradores trouxe consigo a criminalidade e a adolescente de hoje quer é não ter contato com os vizinhos. Jenifer Salustriano, de 15 anos, é estudante. Com toda menina da idade adora internet e não deixa de lado as amizades. O curioso é que os amigos não são do bairro, ela diz que se quer sai de casa.

"São pessoas encrenqueiras. Eu quero um futuro diferente de quem vive aqui", conta.

A Vila Nhá-Nhá é um dos 800 parcelamentos da Capital. Está englobada no bairro Vila Piratininga e é reconhecida na prefeitura desde maio de 1963. Os constantes casos de tráfico e violência vem da própria estrutura do local. Ruas estreitas que facilitam ainda mais o controle dos traficantes. As casas, que ficam praticamente grudadas umas às outras dão todo suporte para que todos se conheçam e avisem aos donos do tráfico, sobre a chegada de um carro ou pessoa estranha.

Voltando ao passado, na década de 80, Américo entrevistou "seo" Antônio Souza de Deus. No relato ele já cita a violência que batia à porta de casa. "Apesar dos muitos comentários sobre a ação dos marginais aqui, desde que começou o povoado só houve um crime. Agora briga e facada teve muito", dizia.

As brigas mudaram assim como os índices de criminalidade. Hoje a Vila ocupa a posição de um dos locais mais problemáticos para a segurança pública.

E foi nesse desenrolar que dona Maria Salustriano dos Santos, de 64 anos, criou os filhos e já está nos netos. Nordestina, mas criada no interior paulista ela passou metade da vida no local e retrata com orgulho que foi ali que conseguiu formar o filho, hoje segundo sargento no Exército.

"No começo era muito difícil, só tinha mais barraquinha e o povo foi chegando assim devagarzinho e virou o que virou. Ainda bem que tem o policiamento agora", comenta.

Com a chegada de asfalto e saneamento, a segurança se tornou o mais importante para as famílias que vivem cercadas do tráfico. Mas a personagem ensina "Quem faz o maior bem é a gente mesmo, vivendo bem. Eu sou pobre mas a casa é minha e eu não troco Campo Grande por nada", completa.

As histórias de como surgiu o bairro e porque se chama Vila Nhanhá parece ser uma dúvida que convive com esse povo. "Não conheço quem fundou não, quando eu cheguei estava aqui já", fala dona Maria sobre a Vila.

A neta, vai mais além e conta a lenda que passa nos dias de hoje, muito influenciada pelo clima de tensão que tomou conta da Vila. "Contam que a fundadora é uma mulher macumbeira que morreu. Reza a lenda que ela amaldiçoou e quem morasse na Vila não ia ser gente boa. É uma lenda só, ninguém sabe, mas parece verdade", descreve Jenifer.

A verdade é que a Vila Nhanhá, a mesma descrita por Américo na década de 80, é incrustada no barro vermelho e no brejo lodoso. Foi assim que a região sobreviveu. O desenvolvimento chegou e o brejo acabou, mas para os moradores, ele continua vivo na memória.

A dona Terezinha Cruz de Souza, de 54 anos que o diga. Ela lembra de tudo ainda sem rua nem asfalto. "Aqui era córrego e um mato só, até picada de cobra uma irmã minha levou".

Poço, ela conta que não podia furar e quando chovia, alagava tudo. "A gente sempre viveu a discriminação de favela. Os favelados e até hoje quando você fala que mora aqui, todo mundo olha torto. Mas na época de chuva, o pessoal do Marcos Roberto, por exemplo, corria tudo pra favela aqui. Nossas casas eram de tábua, mas não destelhava", relembra.

Histórias são de monte, mas a fundação ainda é desconhecida. Nos relatos recolhidos por Américo, a adolescente da época, Solange, vai contra qualquer referência da jovem Jenifer.

"A Vila Nhá-Nhá eu penso que é uma caridade que a dona Catarina quis fazer para a gente. Disseram que ela tinha doado essas terras à prefeitura para fazerem um jardim, mas o prefeito resolveu vender a preços bem baratos, para que os pobres pudessem comprar. Tem gente que nem pensa na dona Nhanhá, outros dizem que ela virou santa".

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