ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
MAIO, DOMINGO  04    CAMPO GRANDE 23º

Capital

Do tráfico ao morro carioca: relatos de quem vive as mudanças na Vila Nhá-Nhá

Paula Maciulevicius | 26/08/2011 08:29

Memórias de Um Jornal traz história de antigos personagens da velha Nhanhá, antes de ser tomada pelo tráfico

 Do tráfico ao morro carioca: relatos de quem vive as mudanças na Vila Nhá-Nhá
Com ocupação da PM, Vila Nhanhá quer poder desfrutar da velha tranquilidade. (Foto: João Garrigó)
 Do tráfico ao morro carioca: relatos de quem vive as mudanças na Vila Nhá-Nhá
O que antes era brejo passou a ser comparado aos morros cariocas. (Foto: João Garrigó)

Uma estrutura que se assemelha aos morros cariocas. Uma economia gerada a partir do tráfico e a ocupação da Polícia Millitar no bairro desde a semana passada. É este o cenário da região, que de favela passou a ser comparada aos morros do Rio de Janeiro, onde o crime impera.

A posição geográfica e a própria cultura é o que mantém o bairro como um dos piores no assunto de drogas. Constatação dada até mesmo pelos moradores. "100% das famílias aqui foram destruídas pela droga. É mãe, pai, e criança pequena vendendo. Vai denunciar para você ver", desabafa uma moradora.

Mas a região nem sempre foi assim, nasceu diferente e ficou ainda mais com o passar dos anos. Na comemoração de aniversário da Capital, o bairro mais monitorado não poderia ficar de fora, nem o que ele tem de positivo para mostrar, seu povo.

As notícias de apreensão de drogas e armas, e prisão de traficantes vão deixar de ser dadas, pelo menos por um momento. As manchetes nos meios de comunicação nem sempre ganharam as páginas policiais com a criminalidade da Nhanhá, mas também com a peculiaridade dos seus habitantes.

No livro "Memórias de um Jornal", o agora presidente da Fundação de Cultura do Estado, Américo Calheiros, narra a história do bairro nos meados da década de 80, chamada "Uma Vila, Uma Mulher".

"Nha-Nhá é um nome que sai da boca e para no ar", definiu Américo. Nos retratos de uma história passada, a reportagem entrevista Solange Maria Rocha, de 17 anos, na época morava há 10 na região.

A garota conta que quando mudou pensou que fosse uma vila cheia de amigos que se entrosariam, mas a verdade foi toda contrária. "Até hoje quase nem tenho vizinhos, porque moramos isolados", contou à época.

Quase 30 anos depois a aglomeração de moradores trouxe consigo a criminalidade e a adolescente de hoje quer é não ter contato com os vizinhos. Jenifer Salustriano, de 15 anos, é estudante. Com toda menina da idade adora internet e não deixa de lado as amizades. O curioso é que os amigos não são do bairro, ela diz que se quer sai de casa.

"São pessoas encrenqueiras. Eu quero um futuro diferente de quem vive aqui", conta.

A Vila Nhá-Nhá é um dos 800 parcelamentos da Capital. Está englobada no bairro Vila Piratininga e é reconhecida na prefeitura desde maio de 1963. Os constantes casos de tráfico e violência vem da própria estrutura do local. Ruas estreitas que facilitam ainda mais o controle dos traficantes. As casas, que ficam praticamente grudadas umas às outras dão todo suporte para que todos se conheçam e avisem aos donos do tráfico, sobre a chegada de um carro ou pessoa estranha.

Voltando ao passado, na década de 80, Américo entrevistou "seo" Antônio Souza de Deus. No relato ele já cita a violência que batia à porta de casa. "Apesar dos muitos comentários sobre a ação dos marginais aqui, desde que começou o povoado só houve um crime. Agora briga e facada teve muito", dizia.

As brigas mudaram assim como os índices de criminalidade. Hoje a Vila ocupa a posição de um dos locais mais problemáticos para a segurança pública.

E foi nesse desenrolar que dona Maria Salustriano dos Santos, de 64 anos, criou os filhos e já está nos netos. Nordestina, mas criada no interior paulista ela passou metade da vida no local e retrata com orgulho que foi ali que conseguiu formar o filho, hoje segundo sargento no Exército.

"No começo era muito difícil, só tinha mais barraquinha e o povo foi chegando assim devagarzinho e virou o que virou. Ainda bem que tem o policiamento agora", comenta.

Com a chegada de asfalto e saneamento, a segurança se tornou o mais importante para as famílias que vivem cercadas do tráfico. Mas a personagem ensina "Quem faz o maior bem é a gente mesmo, vivendo bem. Eu sou pobre mas a casa é minha e eu não troco Campo Grande por nada", completa.

As histórias de como surgiu o bairro e porque se chama Vila Nhanhá parece ser uma dúvida que convive com esse povo. "Não conheço quem fundou não, quando eu cheguei estava aqui já", fala dona Maria sobre a Vila.

A neta, vai mais além e conta a lenda que passa nos dias de hoje, muito influenciada pelo clima de tensão que tomou conta da Vila. "Contam que a fundadora é uma mulher macumbeira que morreu. Reza a lenda que ela amaldiçoou e quem morasse na Vila não ia ser gente boa. É uma lenda só, ninguém sabe, mas parece verdade", descreve Jenifer.

A verdade é que a Vila Nhanhá, a mesma descrita por Américo na década de 80, é incrustada no barro vermelho e no brejo lodoso. Foi assim que a região sobreviveu. O desenvolvimento chegou e o brejo acabou, mas para os moradores, ele continua vivo na memória.

A dona Terezinha Cruz de Souza, de 54 anos que o diga. Ela lembra de tudo ainda sem rua nem asfalto. "Aqui era córrego e um mato só, até picada de cobra uma irmã minha levou".

Poço, ela conta que não podia furar e quando chovia, alagava tudo. "A gente sempre viveu a discriminação de favela. Os favelados e até hoje quando você fala que mora aqui, todo mundo olha torto. Mas na época de chuva, o pessoal do Marcos Roberto, por exemplo, corria tudo pra favela aqui. Nossas casas eram de tábua, mas não destelhava", relembra.

Histórias são de monte, mas a fundação ainda é desconhecida. Nos relatos recolhidos por Américo, a adolescente da época, Solange, vai contra qualquer referência da jovem Jenifer.

"A Vila Nhá-Nhá eu penso que é uma caridade que a dona Catarina quis fazer para a gente. Disseram que ela tinha doado essas terras à prefeitura para fazerem um jardim, mas o prefeito resolveu vender a preços bem baratos, para que os pobres pudessem comprar. Tem gente que nem pensa na dona Nhanhá, outros dizem que ela virou santa".

Nos siga no Google Notícias