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Capital

Domínio do combustível em postos de MS pode gerar indenização milionária

Ministério Público pediu para fazer parte de ações contra as empresa Taurus e Raízen e corrobora acusações de que as empresas dominam de forma ilegal o setor de combustíveis

Izabela Sanchez | 20/03/2019 14:26
Abastecimento em posto de combustível de Campo Grande (Foto: Paulo Francis)
Abastecimento em posto de combustível de Campo Grande (Foto: Paulo Francis)

Duas ações contra “gigantes” do setor de combustível em Mato Grosso do Sul chamaram a atenção do MPMS (Ministério Público Estadual). Alvos de acusação de “verticalização” do mercado de combustíveis, as empresas distribuidoras Taurus e Raízen estão, agora, na mira da 43ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, que pede indenizações milionárias por danos morais coletivos.

A prática de verticalização ocorre quando há domínio de um grande conglomerado em diferentes setores de uma mesma atividade econômica. No caso do combustível, quando a mesma empresa detém a distribuição e a revenda do combustível. A prática, nesse setor, é proibida por resolução na ANP (Agência Nacional do Petróleo), que estabelece, em seu artigo 12, que: “é vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, o exercício da atividade de revenda varejista”.

Taurus – A ação é movida pela Assumpetro (Associação Sul –Mato-Grossense dos Revendedores de Combustíveis e Atividades Correlatas) que representa uma série de revendedoras e sentiu-se atingida, de forma direta, pela diferença de preços.

Segundo a Associação, a família proprietária da Taurus também seria proprietária de dois postos de combustível que praticam preços de mercado menores. O faturamento da empresa, afirma, é R$ 2,5 bilhões. A Taurus, afirma, tem como sócio o empresário Jorge Luiz Zenatti, “casado em comunhão de bens” com a empresária Surya Haddad Zenatti.

Surya, alega a Assumpetro, detem 90% de participação nos postos VIP, em Campo Grande, e Pororoca Auto Posto. Ainda alega que a filha do casal, Surya Haddad Zenatti Andrade, é sócia minoritária do posto VIP.

A Associação também afirma que Surya é sócia da empresa S. H. Informática Ltda “que em 2013 firmou um contrato com o Estado de Mato Grosso do Sul para operacionalizar o sistema informatizado de cartão eletrônico Taurus, visando o credenciamento de postos de combustíveis para atender a frota de veículos dos órgãos estaduais e equipamentos diversos”.

“Por ser uma distribuidora de derivados de petróleo e etanol a Requerida não pode efetuar a venda dos produtos por ela comercializados diretamente ao consumidor, entretanto, o faz de maneira indireta fornecendo condições de preço diferenciadas aos postos de combustível pertencentes ao mesmo grupo econômico”, acusa.

A Assumpetro cita, como exemplo, a diferença de preço da gasolina no posto VIP e outros postos da distribuidora Taurus de propriedade de terceiros. Cita a venda, pelo Posto VIP, ao preço de R$ 3,64, gasolina comercializada pela rede Taurus por R$ 3,67.

“A Ré comercializa o combustível em sua unidade distribuidora em Campo Grande para os postos da “Família Taurus” a R$ 3,60 o litro, e o revende em seus postos próprios (controlados pela própria família dona da TAURUS) a um valor ignorado, entretanto estes postos revendem o combustível ao consumidor a R$ 3,64, valor inferior ao cobrado na mesma data pela TAURUS PETRÓLEO aos demais postos de combustíveis da rede que não são controlados pela “Família Taurus” (R$ 3,67)”, alega.

Para a Associação, a Taurus “canabaliza a própria rede gerando uma espiral de preços negativos que está levando todo o setor local à bancarrota”.

“Num cenário macroeconômico recessivo como o atual, uma diferença de 8,77% funciona como um poderoso chamariz para o público consumidor. Poder-se-ia pensar que essa abissal diferença de preço praticado ao consumidor decorreria de uma excelente gestão, mas não Excelência, esse diferencial competitivo decorre de práticas comerciais antijurídicas, havendo efeitos anticompetitivos líquidos com prejuízos para todas as associadas da Autora”, comenta a Associação no processo.

A Assumpetro pediu, no dia 7 de dezembro de 2017, que a Taurus venda o combustível no mesmo preço para todas as distribuidoras e pediu que a empresa não execute “perseguições” contra as empresas associadas. Além disso ainda pediu que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômicas Social), a ANP e o MPF (Ministério Público Federal) fossem oficiados. Decisão do juiz José de Andrade Neto, da 14ª vara cível, acatou os pedidos.

Durante o processo, a Taurus pediu a extinção da ação. Ao contestar as acusações, afirmou o fato das empresas serem de pessoas da mesma família “não implica, só por esse fato, de que a Taurus esteja beneficiando ou prejudicando os postos cujos proprietários são pessoas físicas que também compõem a distribuidora”.

“Os tickets de compra de combustíveis, utilizados pela agravada para demonstrar a disparidade, com a devida vênia, somente atestam a natural oscilação de preços no livre mercado”, declarou. A empresa também pediu sigilo dos autos. Os pedidos foram negados por decisão judicial.

Raízen – A D.I Comércio de Combustíveis, uma das empresas associadas à Assumpetro, processou a Raízen que distribui combustível da gigante Shell e o posto Bonatto, alegando que as duas empresas promoveram “integração” para praticar preços menores no mercado. “A Requerida [Raízen] é uma empresa com um faturamento anual estimado em cerca de R$ 61.155.000.000,00 (sessenta e um bilhões, cento e cinquenta e cinco milhões de reais), e pertence à SHELL GLOBAL, que possui um faturamento de US$ 305,2 bilhões de dólares”.

“Comparando-se os preços de venda praticados pela Requerida para a Autora e para os postos da Rede BONATTO, percebe-se claramente a diferença de preços, sendo comum a Requerente pagar pelo litro da gasolina comum (a granel) mais caro do que a Segunda Requerida paga na gasolina aditivada (V-Power)”, acusa a empresa.

Cita como exemplo ter pagado à Raízen a quantia de R$ 3,94753 por litro de gasolina comum, mas que o posto Bonatto comercializou, no dia 5 de junho de 2018, a mesma gasolina por R$ 4,04.

“Como se verifica dos documentos anexos, a Primeira Ré comercializa o combustível em sua unidade distribuidora em Campo Grande para a Requerida BONATTO a um valor significativamente menor, canibalizando a própria rede, e gerando uma espiral de preços negativos que está levando todo o setor local à bancarrota”, diz.

Os pedidos foram os mesmos da Assumpetro contra a Taurus: que as empresas cessem a diferenciação de preços cobrados aos postos pela distribuição de combustível e que as empresas não pratiquem nenhuma forma de “perseguição” contra a D.I Comércio de Combustíveis.

Ao responder às acusações, a Bonatto alega que “não estão presentes os requisitos mínimos para a configuração de práticas de abuso de poder econômico por parte dos réus”. “Em verdade, os réus sequer detêm posição dominante no mercado relevante, ou seja, não tem poder econômico capaz de lhes propiciar a prática das supostas infrações da ordem econômica”.

“Como estratégia de mercado, todos os postos da Rede Bonatto trabalham com o mesmo preço de venda dos combustíveis ao consumidor, de modo a fidelizar a sua clientela e competir no mercado com os demais players”, responde.

A rede diz que compra grandes volumes de combustível, do que decorre a diferença de valor. “Assim, não há que se falar em prática de preço discriminatório, porquanto o autor e a segunda ré tratam-se de adquirentes que compram da primeira ré quantidades completamente diferentes de produtos e possuem prazos de pagamento diferentes, ou seja, são empresas em situações diferentes e é justificável que sejam tradas de modos diferentes”.

A empresa pediu ilegitimidade passiva na ação. Já a Raízen afirma que há uma tentativa da empresa autora do processo em “conhecer os mínimos detalhes das relações entre a ré e todos os seus revendedores de combustíveis concorrentes... Ou seja, a autora pretende obter informações privilegiadas, para lograr vantagem indevida sobre a concorrência”.

“Essa é a diferença básica [de preços], por exemplo, entre compras de varejo e de atacado, ou da diferença entre clientes que compram em volumes diferentes ou com condições de frete, financiamento e seguro diferenciáveis. Caso a Raízen não pudesse diferenciar preços, provavelmente o preço praticado pela distribuidora aos revendedores seria igual e maior, o que elevaria o preço ao consumidor final”, defende.

Indenizações milionárias – Ao pedir para ser parte nas ações, o promotor Luiz Eduardo Lemos de Almeida também pede a transferência do processo para as Varas de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande. O promotor pediu que a Taurus pague indenização, a título de danos morais coletivos, de R$ 25 milhões e a Raízen, de R$ 610 milhões.

“Com a desestabilização do mercado decorrente de verticalização com efeitos negativos, que invariavelmente se vale da prática de preços discriminatórios e predatórios entre as empresas integradas, muitos concorrentes, sem qualquer dúvida, não conseguem seguir com suas atividades comerciais, inviabilizadas que se mostram a ponto de terem de ‘fechar as portas’, como coloquialmente se diz. Outros sequer se animam a empreender, a estrear no segmento e a concorrer num mercado maculado e sem ética”, diz o promotor.

A reportagem conversou com um dos advogados da Taurus, que preferiu não se manifestar e declarou que os proprietários da empresa também não têm interesse em se manifestarem. O Campo Grande News também pediu posicionamento à Raízen, que por meio da assessoria de imprensa, também informou que não vai comentar o assunto.

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