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Capital

Nas universidades, esforço é para fazer a pesquisa local se destacar

Cientistas fazem o nome da Capital ecoar pelo mundo vencendo prêmios e tendo publicações em revistas internacionais

Ricardo Campos Jr. | 26/08/2018 07:55
Nas universidades, esforço é para fazer a pesquisa local se destacar
Otávio mostra placas com colônias de bactérias. Trabalho conduzido pela equipe dele identificou substância antibiótica inspirada na goiaba (Foto: Paulo Francis)
Otávio mostra placas com colônias de bactérias. Trabalho conduzido pela equipe dele identificou substância antibiótica inspirada na goiaba (Foto: Paulo Francis)

Campo Grande tinha apenas metade dos seus 119 anos quando ganhou a primeira faculdade. Desde então, as instituições se desenvolveram até se tornarem verdadeiras fábricas de conhecimento, que nas mãos dos dedicados pesquisadores fazem o nome da cidade ecoar pelos quatro cantos do globo em revistas, congressos e vencendo prêmios internacionais.

Não faltam exemplos de destaques desse tipo. Foi do laboratório S Inova Biotech da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), por exemplo, que saiu uma pesquisa publicada recentemente na revista britânica Nature Research, considerada a mais citada do mundo e uma das mais rigorosas na seleção de artigos.

Detalhe das placas com colônias de bactéricas, cada "círculo" ao longo das linhas correspondem a milhares de microorganismos (Foto: Paulo Francis)
Detalhe das placas com colônias de bactéricas, cada "círculo" ao longo das linhas correspondem a milhares de microorganismos (Foto: Paulo Francis)

O estudo foi conduzido pelo doutor em bioquímica Octávio Luiz Franco. Em conjunto com sua equipe, ele primeiro descobriu uma substância antibiótica na goiaba. Ela é eficaz contra uma super bactéria resistente a vários medicamentos. Depois, desenvolveu um algoritmo que permite produzi-la em laboratório 50 vezes mais potente e 10 vezes mais barata ao mesmo tempo.

Graças ao artigo, o pesquisador embarca no dia 24 para dar palestras sobre o assunto na Inglaterra, Irlanda e Escócia.

“É uma revista muito difícil, em que 99% dos materiais enviados são negados. A credibilidade internacional dá um salto. É como se saíssemos da terceira divisão e agora estivéssemos jogando na segunda beirando a primeira. Campo Grande não tem uma tradição de ciência e alta tecnologia. Com uma publicação dessa, abrimos novas frentes, tanto de marketing como de credibilidade”, opina Otávio.

Sabão feito a partir da semente do caju por pesquisadores da UFMS, eficaz contra o mosquito transmissor da dengue (Foto: Denis Pires de Lima/arquivo pessoal)
Sabão feito a partir da semente do caju por pesquisadores da UFMS, eficaz contra o mosquito transmissor da dengue (Foto: Denis Pires de Lima/arquivo pessoal)

Conhecimento popular – À medida que as universidades locais adquirem renome, atraem profissionais de fora, como o doutor em química Denis Pires de Lima. Ele é mineiro, mas há dois anos escolheu a Capital para ser seu novo lar depois de ter passado no concurso para docente na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

Em conjunto com o doutor em química Adilson Beatriz e outros pesquisadores, desenvolveu um detergente à base da semente do caju que depois descobriu-se eficaz contra as larvas do mosquito transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya. O estudo levou o primeiro lugar em um concurso na Alemanha.

Professor Adilson Beatriz (esquerda) e professor Denis (direita) são os responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa (Foto: divulgação)
Professor Adilson Beatriz (esquerda) e professor Denis (direita) são os responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa (Foto: divulgação)

“Isso vem de um trabalho iniciado pelo professor Adilson junto com um aluno de ensino médio. Eu fui o embaixador. Estruturei, coloquei em um formato para disputar o prêmio e fui lá defendê-lo diante de um júri internacional junto com outros cinco projetos selecionados no mundo inteiro”, explica Lima.

O estudo avança no sentido de avaliar se o detergente é tóxico para o ser humano. Se ficar provado que não traz efeitos negativos, será uma alternativa aos venenos químicos usados atualmente pelas prefeituras para o combate ao Aedes aegypti.

“A comunidade científica de Campo Grande melhorou muito desde que eu cheguei aqui. É normal levar entre 10 e 20 anos para começar a dar resultado que atraia as agências de pesquisa nacionais e internacionais oferecendo recursos para desenvolver os projetos. Penso que haja muita competência na Capital, o perfil de pesquisa tem melhorado significativamente”, diz o cientista.

Ariadne (no microscópio) e Milad (em frente ao computador) são integrantes do grupo que desenvolve uma plataforma para reunir dados sobre pólem de plantas para ajudar polícia a resolver crimes (Foto: Paulo Francis)
Ariadne (no microscópio) e Milad (em frente ao computador) são integrantes do grupo que desenvolve uma plataforma para reunir dados sobre pólem de plantas para ajudar polícia a resolver crimes (Foto: Paulo Francis)

Digno de filme – Entre os projetos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Inovisão da UCDB existe um estudo na área de palinologia forense, ciência que usa pólen encontrado em cadáveres de vítimas de homicídio para descobrir por onde elas andaram, fornecendo pistas que ajudem a polícia a identificar possíveis suspeitos.

O grupo, coordenado pelo engenheiro da computação doutor em engenharia elétrica Hemerson Pistori, está desenvolvendo um programa capaz de fornecer essas informações rapidamente. A equipe é formada pela bióloga Ariadne Barbosa Gonçalves, o estudante de engenharia da computação Milad Roghaniam, o engenheiro da computação Felipe Silveira Brito Borges, a engenheira civil Juliana Velásquez Balta e o mestrando em ciência da computação Geazy Menezes.

Bióloga Ariadne Barbosa Gonçalves acredita que a universidade exerça seu papel em formar bons profissionais, mas ensino básico deve melhorar para que alunos cheguem mais bem preparados na graduação (Foto: Paulo Francis)
Bióloga Ariadne Barbosa Gonçalves acredita que a universidade exerça seu papel em formar bons profissionais, mas ensino básico deve melhorar para que alunos cheguem mais bem preparados na graduação (Foto: Paulo Francis)

Eles explicam que o sistema funciona com o uso de visão computacional e mapeamento das principais espécies de árvores de Campo Grande. A ideia foi uma das semifinalistas de uma seleção de projetos científicos na China, reforçando mais uma vez o potencial da comunidade científica da cidade.

“Nós precisamos de políticas públicas que invistam na educação básica para chegarem alunos mais bem preparados na graduação. A universidade está fazendo o papel dela de desenvolver um bom pesquisador, mas os alunos precisam chegar mais preparados”, opina a pesquisadora.

Milad acrescenta que “projetos inovadores podem surgir em qualquer lugar, não precisa ser no melhor país do mundo, mas onde há dedicação e investimento surgem boas ideias”.

Mosquito Lutzomyia cruzi, um dos transmissores da leishmaniose (Foto: divulgação/UFMS)
Mosquito Lutzomyia cruzi, um dos transmissores da leishmaniose (Foto: divulgação/UFMS)

Para a sociedade – A pesquisa do enfermeiro doutor em saúde pública Everton Falcão mostra que Campo Grande pode ser também um bom campo para o desenvolvimento de pesquisas até de outras instituições. A tese foi desenvolvida em um programa oferecido pela USP, mas a parte prática foi toda feita em parceria com a UFMS, que cedeu os laboratórios.

Falcão confirmou de forma inédita que o mosquito Lutzomyia cruzi também pode transmitir a leishmaniose. O feito rendeu a ele um artigo na na revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases, que depois recebeu um prêmio do periódico por ter sido considerado um dos dez mais relevantes.

“Quanto à minha carreira, mais do que esta premiação, que é algo simbólico, o processo do doutorado em si foi fundamental para o meu crescimento e amadurecimento profissional enquanto pesquisador. Aqui em Campo Grande temos excelentes grupos de pesquisa, mas a falta de recursos financeiros e de infraestrutura representam grandes barreiras que os pesquisadores do Estado precisam superar para produzir e fazer ciência de qualidade”, completa.

Jyian (à direita) com os alunos de ensino médio em feira internacional (Foto: arquivo pessoal)
Jyian (à direita) com os alunos de ensino médio em feira internacional (Foto: arquivo pessoal)

Para a sociedade - O cientista da computação Jiyan Yari é prova de que é possível lançar na educação básica a semente da ciência. Ele é doutorando em Desenvolvimento Regional na Uniderp e trabalha no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul). Junto com os alunos do ensino médio Zara Hiraoka Marks e Mateus Ragazzi Balbino, ele desenvolveu um aplicativo para mapear os pontos da cidade com foco do mosquito Aedes aegypti.

A plataforma foi selecionada para representar o Brasil no Milset Eurpo em Bruxelas e no ESI Mundial que foi em Fortaleza, ambos eventos internacionais em 2017.

“Os dados coletados pelos agentes de saúde são preenchidos a mão em tabelas, que depois são digitadas e inseridas no sistema do Ministério da Saúde. Depois de algum tempo eles são formatados e voltam para nós em forma de estatística. A ideia foi informatizar esse processo criando um aplicativo para o agente de endemias”, explica.

Yari acrescenta que a ideia é fornecer o sistema de graça para a prefeitura. Na gestão passada, o então prefeito Alcides Bernal (PP) demonstrou interesse, mas logo deixou o Paço e o projeto não seguiu adiante. O cientista espera conversar com Marquinhos Trad (PSD) para tentar implantar a tecnologia a serviço da população.

“Nós temos profissionais bons, mestres, doutores engajados na ciência e tecnologia. Agregado a isso, temos muitos alunos interessados cada dia mais nesse tipo de processo. Isso ilustra a questão do papel da educação no papel de desenvolvimento local, que pode gerar recursos futuros”, completa.

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