Quarteirão do 38º feminicídio tem histórias de mulheres marcadas pela violência
Moradoras contam experiências de relacionamentos abusivos e a luta para romper ciclos de agressões

No quarteirão onde ocorreu o 38º feminicídio registrado neste ano em Mato Grosso do Sul, a sensação dominante entre as moradoras é a de que a violência já fazia parte do cotidiano muito antes da morte de Angela Nayhara Guimarães Gugel, 53, esfaqueada pelo ex-marido, Leonir Gugel, 59, na manhã desta segunda-feira (8).
RESUMO
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No quarteirão onde ocorreu o 38º feminicídio de 2023 em Mato Grosso do Sul, a morte de Angela Nayhara Guimarães Gugel, esfaqueada pelo ex-marido, expõe uma realidade de violência cotidiana. Moradoras relatam experiências de agressões, evidenciando um ambiente marcado pelo medo e pela normalização da violência. As vizinhas, ao serem entrevistadas, compartilharam histórias de relacionamentos abusivos, destacando a luta para se libertar de ciclos de violência. O restaurante de Angela, conhecido na comunidade, permanece fechado, refletindo a tristeza e a perda sentidas por aqueles que a conheciam. A situação revela que, antes do feminicídio, a violência já era uma constante na vida das mulheres da região.
A reportagem percorreu dez casas da rua em busca da percepção das vizinhas. Algumas não atenderam, outras preferiram não comentar. Houve ainda quem demonstrasse vontade de falar, mas recuou ao notar o marido dentro de casa, um movimento breve que dizia mais do que a própria ausência de resposta.
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Entre as que decidiram conversar, relatos sobre agressões surgiram com naturalidade desconcertante, como se o espanto já tivesse perdido seu lugar.

A vendedora de 56 anos, que pediu para não ser identificada, iniciou a fala pelo interfone, hesitante, como quem mede o peso de cada palavra. Depois, se soltou. “Eu vivi 20 anos com um homem que me agredia constantemente, mas eu mesma não me enxergava como vítima até ele quase me fazer perder minha filha. Decidi me separar, mas foi um processo muito longo, triste, eu vivia em pânico, com medo.”
Mudou de emprego, endereço e número de celular. Hoje vive sob medida protetiva. “Casei de novo e não aceito mais isso, nunca mais.” Ela conhecia Angela de vista. “Acordava de madrugada, trabalhadeira, é uma tristeza”.
Mais adiante, Maria de Moura Jesus, 57, do lar, vinda de Goiás e moradora há uma década do bairro, falou com a sinceridade de quem já não precisa justificar o passado. “Eu vivi muitos anos presa a um relacionamento violento, parecia mais que eu era filha do meu ex-marido porque ele falava que era para eu aprender. Não podia ter um amassado na roupa, uma comida sem sal, tudo eu apanhava. Eu tive que fugir para não morrer e procurei apoio aqui, com familiares”.

Hoje Maria diz viver outra realidade. “Nem pensei que eu merecia ser amada com essa idade. Graças a Deus, hoje vivo feliz, mas os traumas vivem com a gente”.
Ela também mencionou a filha, casada e moradora de Goiás. “Ela também passou pelo mesmo que eu passei; eu que a ajudei a sair antes que fosse tarde”.
O restaurante de Angela, conhecido na vizinhança, permaneceu fechado como ocorre nas segundas-feiras. A funcionária de uma loja próxima contou que a vítima era presença constante. “Faz anos que ela tem o restaurante, só não lembro quanto. Eu via mais a Angela aí. Era raro ver o marido dela. Uma pessoa trabalhadeira e querida.”
Entre portas que não se abriram e depoimentos atravessados por memórias de medo, o quarteirão revelava que, antes mesmo do 38º feminicídio do ano, muitas violências já tinham passado por ali.
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