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Capital

Resquício da memória do trem, rotunda vive saga de esperar projetos

Patrimônio histórico, o local não tem destinação específica, numa rotina aberta ao vandalismo

Aline dos Santos | 24/09/2019 10:29
Rotunda faz parte do patrimônio da ferrovia em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Rotunda faz parte do patrimônio da ferrovia em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

A lembrança do trem, no transporte de carga e passageiros que mudou em definitivo a história de Campo Grande, é gasta pelo acúmulo de lixo no entorno da rotunda, uma grande área que vive à espera de uso e recurso.

Acessada a partir do cruzamento da Eça de Queiroz com a 14 de Julho, a rotunda é uma construção circular, em tom terroso do tijolo aparente e coberta por telhas que resistem ao tempo. Lá, os trens eram colocados para conserto, cada um em sua baia. No topo, a logomarca NOB, que demarcava a propriedade da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

Apesar de ser patrimônio histórico, o local não tem uma destinação específica. Numa rotina aberta ao vandalismo, usuários de drogas e até já abrigou uma “favelinha”. Titular da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), Melissa Tamaciro afirma que não há um projeto finalizado para a rotunda, mas o uso é discutido com a comunidade.

Realizado entre os dias 19 de agosto e 23 de setembro, o Laboratório Urbano Efêmero de Campo Grande vai resultar em relatório com as demandas da população para a Esplanada Ferroviária, que desde 2017 foi batizada de Governador Pedro Pedrossian, em homenagem ao ex-governador cuja trajetória de vida se mistura à história do trem.

“A metodologia é de ouvir a sociedade, o que seria melhor, analisando o espaço e as potencialidades”, afirma a coordenadora especial da Central de Projetos da prefeitura, Catiana Sabadin. Com recursos do Reviva Centro, financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a administração vai contratar os projetos de arquitetura, engenharia e arquitetura. Contudo, não tem dinheiro para obra na rotunda. “Vamos contratar os projetos para ver quanto fica e correr atrás dos recursos”, diz Catiana.

Lixo toma conta de galpão perto de onde funcionava oficia da NOB. (Foto: Henrique Kawaminami)
Lixo toma conta de galpão perto de onde funcionava oficia da NOB. (Foto: Henrique Kawaminami)

No quesito projeto, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) destinou R$ 70 mil para a elaboração do projeto executivo arquitetônico. O documento será entregue à prefeitura de Campo Grande, proprietária do edifício e responsável pela contratação da obra.

“O objetivo é que, com a revitalização, a rotunda seja espaço voltado para atividades culturais e de lazer, como música, dança e teatro”, detalha o Iphan. Mas por enquanto, a rotunda é só um espaço que, silenciosamente, nos conta sobre um tempo antigo.

Na outra ponta da Esplanada Ferroviária, na rua General Melo, perto da Avenida Calógeras, a então plataforma de embarque se oxigena com cultura e um memorial de tempos idos. No local, a Sectur mantém cursos gratuitos, como de mosaico e de violão. “Temo que cuidar do patrimônio”, diz a funcionária pública Andréia Movilho, que trabalha na Plataforma Culural.

Mais alguns passos, a estação se encontra com a história preservada pela Afapedi/MS (Associação dos Ferroviários, Aposentados, Pensionistas, Demitidos e Idosos). Na narrativa do coordenador José Melquiades Velasques, os trilhos voltam a ganhar vida, com três apitos antes de seguir viagem.

Sala de associação que preserva a memória do trem na Esplanada Ferroviária. (Foto: Henrique Kawaminami)
Sala de associação que preserva a memória do trem na Esplanada Ferroviária. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Tinha o trem noturno, que saía de Campo Grande Grande e Corumbá no mesmo horário, às 21h. O cruzamento era em Miranda, perto de uma hora da manhã”, conta. A viagem terminava às 7h, a tempo de quem seguia para Corumbá testemunhar a beleza da alvorada no Pantanal.

Trilhos cortados – Com 94 mil metros quadrados, a Esplanada Ferroviária também abriga os trilhos que não levam a lugar nenhum. A curta malha ferroviária aparece em trecho da Plataforma Cultural, na Orla Ferroviária e na Orla Morena.

A desativação dos trilhos urbanos foi sacramentada em 2004, na gestão do então prefeito André Puccinelli (MDB). A remoção foi na calada na noite e chegou a ser questionada na Justiça.

“A desativação do trecho urbano é uma forma de dizer que o trem não serve para a cidade. As pessoas vão perdendo a ligação com essa parte da história”, afirma o diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru e Mato Grosso do Sul, Roberval Duarte Placce.

Dinheiro e poder - Antes dos trilhos, até 1914, a estrada era fluvial. Os produtos entravam pelo estuário do Prata. Seguiam pelos rios Paraná e Paraguai para só então chegar a Mato Grosso. A nova logística redesenhou a geografia econômica e fez com que Campo Grande desbancasse Corumbá, dona de um movimentado e cosmopolita porto, assumindo a condição de principal centro comercial.

No rastro do dinheiro, veio o poder. A chegada dos comerciantes e ricos fazendeiros fez com que o centro político se transferisse de Nioaque para Campo Grande.

Retrato: Trem na área urbana é meramente figurativo, com Maria Fumaça estilizada em monumento e trilho que não leva a lugar nenhum. (Foto: Henrique Kawaminami)
Retrato: Trem na área urbana é meramente figurativo, com Maria Fumaça estilizada em monumento e trilho que não leva a lugar nenhum. (Foto: Henrique Kawaminami)

Confira a galeria de imagens:

  • Gabinete especial do prefeito em prédio histórico da ferrovia. (Foto: Henrique Kawaminami)
  • Rotunda, construção circular que abrigava os trens. (Foto: Henrique Kawaminami)
  • Resto de trilho na Esplanada Ferroviária. (Foto: Henrique Kawaminami)
  • Fotografia em exposição mostra esqueleto de obra da rotunda. (Foto: Henrique Kawaminami)
  • Monumento da Maria Fumaça homenageia importância do trem na história de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
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