ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, QUINTA  28    CAMPO GRANDE 26º

Cidades

Cenário pantaneiro como lição de casa: a rotina de uma escola ribeirinha

Paula Maciulevicius | 17/08/2011 07:40

Com sistema de internação, escola oferece aprendizado e moradia para 42 crianças

Vista da chegada à escola Jatobazinho. Cenário pantaneiro como material didático fundamental. (Foto: Paula Maciulevicius)
Vista da chegada à escola Jatobazinho. Cenário pantaneiro como material didático fundamental. (Foto: Paula Maciulevicius)

O sorriso no rosto, a hospitalidade e as várias histórias para contar são um pouco da composição do homem pantaneiro. Nativo e persistente, é ele quem resiste e cria maneiras de viver em meio às cheias do rio Paraguai.

Neste ano não foi diferente, a época até surpreendeu e é dada por muitos como a maior cheia dos últimos 40 anos. Comparação que para os ribeirinhos parece não existir, todo novo ano vem com uma nova cheia.

Na escola, o tema vira aula. A Jatobazinho trabalha com o sistema de internação com a proposta de tentar trabalhar um ano letivo tradicional e por conta da acessibilidade dos alunos. São 42 crianças do 1° ao 5° ano que moram e estudam no lugar.

O cronograma segue o de uma escola normal, mas é adequado quando sente necessidade. Com aulas de segunda a sexta e também aos sábados, com atividades extras. Na grade, aulas de um curso regular, de português a matemática, oficinas culturais e educação ambiental, o que não falta é cenário didático.

As crianças recebem com alegria os visitantes da equipe de reportagem do Campo Grande News. Quando se menos percebe estão todos em volta, dando respostas, brincando e curiosos para ver os relatos do que dizem.

A menina de um sorriso contagiante, Edelaine dos Santos Maciel, de 11 anos, está na Jatobazinho desde o começo de 2009. É da região do Porto São Francisco e como toda criança, divide as tarefas da escola com as brincadeiras.

Em sala de aula, Edilaine compenetrada e ao mesmo tempo esboçando um sorriso pantaneiro. (Foto: Paula Maciulevicius)
Em sala de aula, Edilaine compenetrada e ao mesmo tempo esboçando um sorriso pantaneiro. (Foto: Paula Maciulevicius)

"Eu gosto de brincar de corda, elástico", responde. E a matéria preferida, não é das mais empolgantes não, é a matemática. "Um pouco difícil sim, mas é a que eu mais gosto", completa.

O curioso é que durante a conversa anotando o nome de um e de outro existem muitas semelhanças. Edelaine responde que é prima de Débora Rocha, a menina que quando chegamos a escola, relatava o que a cheia fez dentro de casa. "Aqui quase todo mundo é parente", conta.

Pela proximidade das famílias e do isolamento em que vivem, os ribeirinhos acabam casando entre primos e formando novas famílias. O resultado é ver na lista de chamada vários sobrenomes iguais.

Deixando a sala de aula de lado, na "quadra" improvisada pela imaginação das crianças, que com duas pequenas bolas de plástico aproveitam para marcar gols. Meninos e meninas juntos e sem brigar. A cada gol marcado, uma comemoração e uma alegria de quem está no Maracanã.

Depois de "matar" no peito, menino com os olhos atentos procura para quem dar o passe. (Foto: Paula Maciulevicius)
Depois de "matar" no peito, menino com os olhos atentos procura para quem dar o passe. (Foto: Paula Maciulevicius)

Uniformizados, com short e camiseta da escola, ao fundo só se escuta a professora pedir "não fiquem descalços". O que parece entrar por um ouvido e sair pelo outro, mas não por desobediência, e sim costume.

A liberdade e o contato com a natureza que a escola proporciona chamou a atenção da bióloga Antônia Francisca. Corumbaense e crescida na cidade, não se sabe se é a vergonha ou um segredo, mas a idade ela não revela.

Com pouco tempo de estrada na Jatobazinho, Antônia está há 15 dias como professora da escola e como ela mesmo diz ensinando a teoria para quem já sabe na prática.

"Eles é que me ensinam, porque vivem aqui e a vivência é melhor que a teoria, é uma troca de conhecimento gostosa. A gente passa uma teoria de uma coisa que eles já sabem", conta.

Fato que os alunos nem percebem, mas estão ensinando na prática da vida pantaneira como lecionar biologia.

Comparado com a geração anterior, Antônia lembra que a dela era solta, gostava e vivia subida em árvore, diferente dos alunos da cidade.

"Nós é que cobramos calçado, por eles estavam até nadando agora, é a gente que fica controlando", fala.

A professora conta que dias atrás um jacaré apareceu próximo a cozinha e de imediato as crianças perguntavam "professora, professora a senhora viu o jacaré? Conhece de perto? Ele está ali olha!" E ela responde, que já tinha visto de longe, mas de perto era o que os pequenos pensavam, via pela primeira vez.

Professora Antônia, mostrando a prática dos alunos na horta, teoria que ela ensina em sala. (Foto: Paula Maciulevicius)
Professora Antônia, mostrando a prática dos alunos na horta, teoria que ela ensina em sala. (Foto: Paula Maciulevicius)

A escola que ensina usando os recursos que as crianças mais conhecem, o Pantanal, que é também a casa delas, se torna um lar, ainda que bimestral - porque a cada dois meses eles voltam para as famílias - e os professores, um exemplo a ser seguido.

Na Jatobazinho, a típica pergunta "o que você quer ser quando crescer" tem apenas uma resposta: professor! Inúmeras as crianças que respondem de cara a essa pergunta.

Ciente de que está ali exercendo a função de mestre, o estudante de pedagogia Amilton Álvaro Brandão, 24 anos, está há dois na escola. Diz que já foi de tudo e que só o fato de ajudar crianças carentes já compensa.

"Na condição precária que eles vivem, ver eles crescendo assim é muito gratificante", conta.

O primeiro contato que teve com os ribeirinhos foi em 2005, quando subiu em uma embarcação para levar brinquedos aos pequenos. "Chegava um barco e eles estavam envergonhados. Hoje eles já se comunicam entre si e o mundo", ressalta.

Pôr-do-sol pantaneiro nas águas do rio Paraguai. (Foto: Paula Maciulevicius)
Pôr-do-sol pantaneiro nas águas do rio Paraguai. (Foto: Paula Maciulevicius)

A lição de que a escola está ali para preservar a cultura pantaneira foi entendida por Amilton. "Não vamos tentar tirar a cultura deles, construir outro ser, mas tentar manter quem eles são e abrir novos caminhos para eles", finaliza.

Nos siga no Google Notícias