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Cidades

Família espera por Justiça e se orgulha de índio morto em confronto

Aliny Mary Dias, enviada especial a Sidrolândia | 30/05/2014 08:09
Elizur, irmão de Oziel, diz que família ainda sofre a morte do guerreiro (Foto: Cleber Gellio)
Elizur, irmão de Oziel, diz que família ainda sofre a morte do guerreiro (Foto: Cleber Gellio)

Há um ano Evilásio perdeu um filho, Samir um marido e os terena um guerreiro. A morte de Oziel Gabriel aos 35 anos, em confronto entre Polícia Federal e indígenas durante reintegração de posse da Fazenda Buriti, chamou a atenção de todo o país para Mato Grosso do Sul e acirrou ainda mais as disputas fundiárias entre produtores rurais e índios.

Pouca coisa mudou na aldeia Córrego do Meio 12 meses depois daquela quinta-feira 30 de maio de 2013. A comunidade situada na zona rural de Sidrolândia, distante 70 quilômetros de Campo Grande, abriga os parentes de Oziel e indígenas que se revoltam ao lembrar do confronto, mas se orgulham ao recordar a morte do guerreiro que lutou até o último dia de vida.

No terreno da família de Oziel tudo continua igual, menos a saudade, novidade para quem perdeu um filho, um marido e um irmão cedo demais. Em uma das quatro casas, vivem os pais de Oziel. Evilásio Gabriel, 65, e Maria de Fátima Clementina, 59, que não faz outra coisa senão chorar a morte do filho.

Para o aposentado que ainda sente a dor de ter perdido o filho, a morte de Oziel começa a ser superada, mas a indignação não sai da cabeça por um só dia. “Nós temos um sentimento de revolta de um ano depois daquilo ninguém dizer quem assassinou brutalmente meu filho. Só queremos Justiça, mas ninguém encontra os culpados porque somos pequenos diante dos governantes”, afirma Evilásio.

Pai Evilásio acredita em Justiça e diz que indígenas não desistirão das terras (Foto: Cleber Gellio)
Pai Evilásio acredita em Justiça e diz que indígenas não desistirão das terras (Foto: Cleber Gellio)

Mesmo depois da emoção que tomou conta da comunidade naquela semana de confronto, todos são enfáticos em afirmar que a morte de Oziel não é resultado de um acidente. “Nós temos certeza que a bala que matou nosso guerreiro saiu de uma arma da polícia”, completa o pai.

Elizur Gabriel, 43 anos, lembra dos momentos de alegria vividos ao lado do irmão. Oziel, que foi criado boa parte da vida pela avô, cacique tradicional da região, foi ensinado desde cedo a lutar pelas terras que um dia voltariam para os indígenas.

“Antes do meu avô morrer, quando o Oziel ainda era pequeno, meu avô levou ele lá no alto da estrada e mostrou toda essa terra que faz parte da Terra Indígena Buriti. Ele disse para o meu irmão que ele iria continuar essa luta e que era para seguir até o fim como guerreiro”, conta, com os olhos marejados, Elizur, irmão de Oziel.

E a persistência em ocupar boa parte dos 15 mil hectares que compõem a região, que tem mais de 30 propriedades rurais, acompanhou o índio até os últimos suspiros. O irmão lembra das últimas palavras ditas por Oziel para outro guerreiro e o filho mais novo, que na época tinha 14 anos.

Cartaz com foto e frase "Oziel Vive" está por toda a parte em casas de parentes (Foto: Cleber Gellio)
Cartaz com foto e frase "Oziel Vive" está por toda a parte em casas de parentes (Foto: Cleber Gellio)

“O que o filho dele diz é que o pai pediu para que não desistissem, para que o sentimento fosse de resistência e de não parar até conquistar a terra que é nossa”, conta Elizur.

A viúva do índio morto, Samir Mamedes Gabriel, 36 anos, prefere o silêncio. Ela e os dois filhos, de 15 e 18 anos, tentam retomar a vida, mas a depressão que atingiu a família depois da morte de Oziel fez com que Samir saísse do emprego. Agora a única renda vem do salário mínimo que o indígena recebia da Prefeitura de Sidrolândia, onde trabalhava, e que agora é pago à viúva.

Em todas as casas da família de Oziel, um cartaz com a foto do índio e a frase “Oziel Vive” deixa claro que por ali ninguém vai esquecer daquele que morreu durante confronto. Ao lado de uma das fotos, um item é considerado relíquia e será guardado pela família: o arco e as duas flechas que o indígena carregava durante o conflito. “Ele não lançou nenhuma flecha e morreu por uma bala letal”, desabafa o pai, Evilásio.

Bala e dor – Além daquela que matou Oziel, outra bala de arma de fogo é motivo de dor para uma família. Joziel Gabriel, 34 anos, foi baleado na Fazenda São Sebastião, também na região, no dia 4 de junho do ano passado.

Família de Joziel, hoje paraplégico, quer atendimento médico melhor para índio (Foto: Cleber Gellio)
Família de Joziel, hoje paraplégico, quer atendimento médico melhor para índio (Foto: Cleber Gellio)

Até agora o responsável pelo tiro não foi encontrado, mas testemunhas contaram que um homem em uma caminhonete atirou contra Joziel. Paraplégico, o indígena chegou a passar por tratamento no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, hoje ele vive com a família na aldeia Córrego do Meio e precisa de toda a atenção do pai Antônio Saturnino, 61 anos.

Quando a reportagem esteve na casa da família, Joziel passava por consulta médica em Dois Irmãos do Buriti. O pai do indígena conta que o filho sofre com a falta de fisioterapia e o estado de saúde só vem piorando nos últimos meses.

“Ele sente muitas dores nos braços e está sem fisioterapia. Duas vezes marcaram em Campo Grande, mas falaram que estava lotado e ele está sem tratamento. É um sofrimento muito grande para a gente porque ele precisa de ajuda até para ir no banheiro”, diz o pai Antônio.

A esperança da família é que a morte de Oziel e a cadeira de rodas de Joziel não tenham surgido em vão. “Nós só queremos o que é nosso, a luta existe há muito tempo, desde 1930 nossos parentes dizem que esperam respostas, mas o Governo não olha para gente. Tenho certeza que nunca vamos desistir, vamos para a luta”, completa.

Inquérito – A investigação da Polícia Federal que apurava a morte de Oziel foi concluída no dia 5 de dezembro do ano passado. Foram colhidos mais de 70 depoimentos, entre indígenas, policiais federais e militares, Tropa de Choque da PM e jornalistas, além de anexados laudos técnicos periciais.

Com 2,1 mil páginas, o inquérito não aponta quem disparou contra Oziel. Tudo porque o projétil que matou o índio não foi encontrado.

Arco e flechas usadas por Oziel são consideradas relíquias pela família (Foto: Cleber Gellio)
Arco e flechas usadas por Oziel são consideradas relíquias pela família (Foto: Cleber Gellio)
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