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Cidades

Indígenas afirmam terem sofrido discriminação em aeroporto de Dourados

Paula Vitorino | 21/02/2011 20:22

Familiares de Marcos Veron contam que chegaram atrasados para o julgamento do caso devido a preconceito

Familiares de Marcos Veron perderam o voo para o julgamento do caso em São Paulo e não puderam participar do primeiro dia de julgamento. (Foto: João Garrigó)
Familiares de Marcos Veron perderam o voo para o julgamento do caso em São Paulo e não puderam participar do primeiro dia de julgamento. (Foto: João Garrigó)

Os familiares do líder indígena Marcos Veron irão protocolar denúncia no MPE (Ministério Público Estadual) de Dourados por terem sido vítimas de discriminação no aeroporto do município, na manhã de hoje (21).

Os indígenas da etnia Guarani-Kaiowá alegam que perderam o voo para São Paulo devido ao “descaso e preconceito” de um funcionário do aeroporto de Dourados.

“Não sei se foi medo ou preconceito da gente, mas o homem quando nos viu nem quis falar. Nós nos sentimos discriminados”, conta o filho de Marcos e atual cacique da aldeia, Ladio Veron, 45 anos.

O grupo iria embarcar às 5h para Campo Grande, de onde pegariam outro vôo para São Paulo. Mas o plano de voo teve de ser mudado porque eles não conseguiram embarcar em Dourados. No local, os funcionários alegaram que o grupo havia chegado atrasado.

“Nós chegamos às 4h30 e ele simplesmente falou que não ia dar tempo de fazer os procedimentos do embarque e ponto. Tentamos explicar a situação, mas ele não quis mais falar. Tivemos imprevistos para chegar até o aeroporto da aldeia e por isso não conseguimos cumprir a 1h de antecedência que é sugerida”, detalha um funcionário da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) que acompanhou o grupo.

Eles seguiam para participar do julgamento dos acusados pela morte do líder indígena. Dentre os integrantes, seis são testemunhas e também vítimas do massacre

O julgamento estava marcado para às 10h e os indígenas não conseguiram chegar a tempo.

Em Campo Grande, o grupo teve de aguardar no saguão do aeroporto o próximo vôo com destino a capital paulista, remarcado para às 18h desta segunda-feira.

“Estávamos todos de cocar e com os nossos vestimentos, mas tiramos depois do que aconteceu em Dourados. Ficamos com medo que o mesmo acontecesse no aeroporto aqui de Campo Grande”, disse Ladio.

Ele ainda esclarece que a atitude de protocolar a denúncia no MPE tem o objetivo de evitar que “outras situações iguais se repitam”.

Os indígenas já elaboraram um documento com a assinatura de todos os integrantes do grupo que foram vítimas da discriminação e irão protocolar junto ao MPE quando retornarem de São Paulo.

Familiares esperam que seja feita a justiça no julgamento dos assassinos do líder indígena. (Foto: João Garrigó)
Familiares esperam que seja feita a justiça no julgamento dos assassinos do líder indígena. (Foto: João Garrigó)

Julgamento – Mesmo sem a presença das vítimas, a justiça decidiu manter o julgamento dos acusados. Nesta segunda-feira foi realizado o sorteio dos jurados – seis homens e uma mulher – e feita à leitura das partes processuais.

Os depoimentos dos seis indígenas vítimas no caso estão previstos para começarem às 9h de amanhã (22), segundo informações dos próprios Guarani.

“Estamos confiantes na justiça. As 46 aldeias de Mato Grosso do Sul que são da etnia Guarani-Kaiowá estão ansiosas pelo resultado do julgamento”, diz o filho de Marcos Veron.

O grupo também espera que a justiça seja feita com os outros casos de assassinatos de lideranças indígenas no Estado.

“Foram 16 lideranças mortas. Esperamos a punição de todos esses assassinos, não só os do meu pai. E todos os crimes aconteceram pelo mesmo motivo: fazendeiros que queriam a nossa terra”, esclarece Ladio.

Mesmo tendo sido negado o direito de prestar os depoimentos na língua da etnia Guarani-Kaiowá, os indígenas estão confiantes e seguem para São Paulo com um intérprete.

“Quase todos falam bem o português. Vou ajudar mais nos depoimentos das mulheres e na tradução de termos jurídicos”, explica o pesquisador em antropologia social, também pertencente a etnia Guarani-Kaiowá, Tonico Benites.

De acordo com a assessoria de imprensa da justiça federal, o julgamento deve ser longo, com duração de oito a 15 dias.

A pedido do MPF (Ministério Público Federal) o julgamento foi transferido de Dourados para a capital paulista. Os motivos foram o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, que teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos.

Três seguranças serão julgados pela autoria do assassinato de Marcos Veron, sendo Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde. Um quarto acusado está foragido.

Os réus são acusados de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e meio cruel, tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha.

Outras 24 pessoas foram denunciadas por envolvimento no crime. A acusação vai pedir pena máxima, o que pode resultar em mais de 30 anos de prisão.

Lembranças do massacre ainda estão vivas na memória das vítimas. (Foto: João Garrigó)
Lembranças do massacre ainda estão vivas na memória das vítimas. (Foto: João Garrigó)

Massacre – “Parece que foi ontem que tudo aconteceu”. Essa foi a frase dita por todos os integrantes do grupo a reportagem do Campo Grande News, quando questionados sobre o massacre do dia 13 de janeiro de 2003.

A luta dos Gurani-Kaiowá pela retomada de suas terras vem desde 1928, segundo as lembranças dos indígenas. As mais de 78 famílias que hoje vivem na aldeia Taquara e seus antepassados foram vítimas de diversos “atentados” por disputas de terras.

Sobre a noite do dia 13, as lembranças da família Veron são tristes e ainda vivas. Mas muitos familiares não querem falar sobre o assunto e outros evitam relembrar os momentos de violência vividos.

“É difícil pra gente falar, foi muita tristeza. Chegaram atirando em todos, crianças, velhos. E eu e mais seis pessoas, dentre elas meu pai, fomos torturados e quase todos mortos. Amanhã vamos ter que contar tudo e lembrar da tristeza diante do juiz”, conta Ladio.

O jovem Reginaldo Cabreira Veron, 22 anos, ainda sofre com as dores provocadas por uma bala alojada em sua perna. Na época do massacre ele tinha apenas 14 anos.

“Eu era um atleta, disputava corridas, eles acabaram com a minha vida. Vivo sentindo dor e não posso mais trabalhar e fazer as coisas que gosto”, desabafa.

Ele estava levando comida para a aldeia, junto com o tio e a avó – esposa de Marcos Veron – quando o veículo foi ”fechado” pelos autores, que dispararam diversos tiros.

Um dos filhos do líder indígena, Araldo Veron, 38 anos, busca forças nas lembranças que guarda do pai para superar a perda.

“Ele era um bom pai, sempre ensinando a gente. Eu sinto o espírito dele aqui entre nós, sei que ele está conosco. E é isso que força para a gente seguir”, diz emocionado.

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