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Interior

“Laranja” em marmitaria repassava dinheiro a dirigentes da Saúde

Ronaldo sacava dinheiro da empresa e repassava ao diretor financeiro; PF diz que dinheiro era dividido com então secretário

Helio de Freitas, de Dourados | 20/11/2019 14:38
Preso há duas semanas, Renato Vidigal se tornou réu no âmbito da Operação Purificação (Foto: Divulgação)
Preso há duas semanas, Renato Vidigal se tornou réu no âmbito da Operação Purificação (Foto: Divulgação)

Ronaldo Gonzales Menezes, oficialmente dono da Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos Ltda., sacava dinheiro em espécie da conta bancária da empresa e entregava em mãos ao então diretor financeiro da Secretaria de Saúde de Dourados, Raphael Henrique Torraca Augusto, o “Pardal”.

A Polícia Federal afirma que parte desse dinheiro era repassada por Raphael para o então secretário de Saúde Renato Oliveira Garcez Vidigal. Raphael e Renato estão há duas semanas recolhidos na PED (Penitenciária Estadual de Dourados), após serem presos na segunda fase da Operação Purificação.

Na segunda-feira (18), a Justiça Federal em Dourados aceitou denúncia feita em conjunto pelo MPF (Ministério Público Federal) e Ministério Público de Mato Grosso do Sul.

Com a decisão, Renato, Raphael, Ronaldo e as ex-servidoras contratadas do município Sandra Regina Soares Mazarim e Dayane Jaqueline Foscarini Winck se tornaram réus por crimes contra lei de licitações, falsidade ideológica, corrupção e organização criminosa.

Sandra é mulher de Raphael Pardal e trabalhava na Funsaud (Fundação de Saúde de Dourados). Tinha sido contratada por Renato Vidigal. Segundo a PF, ela comandava o esquema ao lado do marido e do então secretário.

Dayane, também servidora contratada, trabalhava na contabilidade da Secretaria de Saúde e também administrava o restaurante do seu pai. Era desse restaurante que inicialmente a Marmiquente comprava as refeições para fornecer a servidores, pacientes e acompanhantes.

Preso na primeira fase da operação, em fevereiro deste ano, Ronaldo Menezes fechou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público e revelou detalhes do esquema de corrupção envolvendo a empresa Marmiquente, que de fato pertencia a Raphael e Renato Vidigal, segundo a investigação da PF.

O início de tudo – O esquema começou em março de 2017, dois meses após a prefeita Délia Razuk (sem partido) assumir o comando do município e nomear Renato Vidigal como secretário de Saúde. Ele ficou no cargo até o início deste ano, depois assumiu a chefia do Samu (Serviço Móvel de Urgência). Foi destituído do posto uma semana após a prisão.

No dia 14 de março de 2017, a Funsaud, que administra o Hospital da Vida e a UPA (Unidade de Pronto Atendimento), contratou a Marmiquente por R$ 127.788,00, para “fornecimento de dietas normais e a dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes e funcionários pelo período de 30 dias”.

Além da dispensa de licitação, a Funsaud também fez o pregão presencial 06/2017 para contratação de empresa especializada no fornecimento de alimentação hospitalar pelo período de 12 meses.

Nesse processo licitatório, por ser a única proponente, a Marmiquente saiu vencedora com a proposta no valor total de R$ 1.736.310,00. Em 13 de abril de 2018, a Funsaud assinou o primeiro termo aditivo ao contrato, com o acréscimo de R$ 348.478,00.

“Provas obtidas pelas investigações evidenciaram que a empresa não existia, de fato, por ocasião de sua participação na dispensa de licitação 020/2017 e no pregão presencial 06/2017. Essa empresa, apesar de haver encerrado suas atividades em 2014, teve sua razão social e inscrição no CNPJ indevidamente utilizadas por Ronaldo Menezes Gonzales, inclusive com o uso de documentos particulares falsos, com o auxílio de Sandra Mazarim, exclusivamente para a obtenção de vantagens decorrentes da celebração dos contratos administrativos com a Funsaud”, afirma a denúncia.

Raphael Torraca, o Pardal, foi denunciado como sócio em empresa de fachada (Foto: Arquivo)
Raphael Torraca, o Pardal, foi denunciado como sócio em empresa de fachada (Foto: Arquivo)

Pagamentos - Os recursos financeiros obtidos com a empresa Marmiquente foram entregues pessoalmente a Raphael, em espécie, e posteriormente repassados, em parte, a Renato Vidigal. “Somados todos os valores entregues, em espécie a Raphael, alcançam-se aproximadamente R$ 800 mil”, diz trecho da denúncia.

Em sua colaboração, Ronaldo afirma que os pagamentos feitos a Raphael eram lançados na planilha de controle da empresa com as siglas “RP” (Raphael Pardal), “saída RP” e simplesmente “saída”.

“Em sua colaboração, Ronaldo confirmou que nas planilhas contábeis da empresa Marmiquente, identificou os pagamentos realizados a Raphael, em dinheiro em espécie, valendo-se das palavras ‘RP’, ‘saque RP’, ‘saída RP’, ‘saída Raphael’ e ‘saída’”, diz a denúncia. Para ser “laranja” de Raphael e Vidigal, Ronaldo ganhava R$ 6 mil por mês.

Conforme o documento, a PF identificou pagamentos lançados nas planilhas da Marmiquente nos valores de R$ 61,5 mil em maio de 2017, R$ 81 mil em junho, R$ 91,4 mil em julho, R$ 52 mil em agosto, R$ 60 mil em setembro, R$ 25 mil no mês seguinte, R$ 97,5 em novembro, outros R$ 93 mil em dezembro.

Os pagamentos continuaram em 2018, até agosto daquele ano, com saídas mensais de R$ 50 mil, em média. Ao confrontar os registros nas planilhas com a movimentação bancária da conta da Marmiquente, a PF descobriu que as datas das saídas de dinheiro para Raphael coincidem com os saques feitos por Ronaldo.

A PF descobriu conversa pelo aplicativo WhastsApp entre Raphael e Ronaldo falando sobre os saques e combinando a entrega do dinheiro.

Segundo as conversas mantidas entre Ronaldo e Raphael pelo aplicativo WhatsApp, no dia 08.03.18, Raphael informa a Ronaldo o depósito de recursos pela Funsaud no valor de R$ 38 mil e determina que Ronaldo faça o saque de R$ 20 mil.

“Esse saque de dinheiro em espécie foi realizado por Ronaldo no dia 09.03.18, constou das planilhas financeiras da empresa Marmiquente e foi confirmado nos extratos bancários da empresa”, afirma a PF.

A Polícia Federal descobriu que no mesmo dia, segundo conversas pelo WhatsApp, o dinheiro foi entregue por Ronaldo a Raphael Pardal em um clube recreativo de Dourados.

A investigação comprovou que a situação se repetiu em outras datas, como no dia 20 de março de 2018, quando Pardal, na condição de diretor financeiro da Secretaria de Saúde, informa Ronaldo sobre o depósito de R$ 60 mil na conta da Marmiquente e determina o saque de R$ 30 mil. No mesmo dia combinaram a entrega, em espécie.

“Sai fora” – A Polícia Federal descobriu também que em 11 de junho de 2018, Ronaldo recebeu orientações de Rafael para desistir da licitação durante a disputa de preços. Raphael recebia ordens de outra pessoa, que seria Renato Vidigal, segundo a PF. “Não assina nada, o Renato falou para sair fora, sai fora”, disse Raphael em áudio enviado pelo WhhatsApp para Ronaldo.

Mais adiante, segundo a PF, Raphael e Renato orientaram Ronaldo a vender a Marmiquente após o fim do contrato com o município.

Conforme a denúncia aceita pela Justiça, Ronaldo Menezes, em sua colaboração, afirmou que “os recursos financeiros obtidos com a empresa Marmiquente foram entregues pessoalmente a Raphael, em dinheiro e posteriormente repassados, em parte, a Renato”.

Renato Vidigal – A Polícia Federal descobriu na investigação vários contatos telefônicos entre Raphael Pardal e Renato Vidigal nos dias em que Ronaldo repassava o dinheiro ao então diretor financeiro da Secretaria de Saúde.

“Analisando os registros de ligações telefônicas dos investigados, observa-se a existência de várias ligações telefônicas de Raphael a Renato exatamente nos dias em que Ronaldo aparentemente realizou as entregas de dinheiro em espécie a Raphael”, afirma a denúncia.

Com base na investigação, o Ministério Público afirma que Renato Vidigal, então secretário de Saúde, e Raphael Henrique Torraca Augusto, então diretor financeiro da pasta, constituíram, juntamente e com o auxílio do “laranja” Ronaldo Menezes, da pessoa jurídica Marmiquente, de Sandra Regina Soares Mazarim, gerente administrativa da Funsaud, e de Dayane Jaqueline Foscarini Winck, servidora do núcleo de contabilidade da Secretaria de Saúde, “organização criminosa com a finalidade de fraudar processo licitatório, afastar licitante e, ato contínuo, desviar recursos financeiros, oriundos de tal contratação”.

Para aplicar o golpe, que provocou, segundo a denúncia, pelo menos R$ 532 mil em prejuízo para o cofre público, a quadrilha comprou por R$ 5 mil o CNPJ da empresa Marmiquente. Constituída em 2013 por um casal da cidade, a empresa encerrou atividades no ano seguinte, apesar de o registro no CNPJ permanecer ativo.

Segundo a PF, para a Marmiquente ser contratrada pela primeira vez por dispensa de licitação, a quadrilha fraudou documentos e apresentou declarações falsas, já que nesse período a empresa ainda não estava em efetivo funcionamento. O grupo também ofereceu vantagem para afastar um concorrente do pregão presencial feito em junho de 2017, que teve a Marmiquente como vencedora.

Por fim, segundo a investigação, para se desvincular da empresa, Ronaldo Menezes, por orientação de Raphael Pardal e Renato Vidigal, transferiu a titularidade da pessoa jurídica a um deficiente mental.

Como a denúncia foi aceita, os cinco se tornaram réus e vão responder ao processo na Justiça Federal. Renato Vidigal e Raphael Torraca seguem presos. Os demais vão aguardar o processo em liberdade.

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Viatura da Polícia Federal na Secretaria de Saúde de Dourados, no dia 6 deste mês (Foto: Adilson Domingos)
Viatura da Polícia Federal na Secretaria de Saúde de Dourados, no dia 6 deste mês (Foto: Adilson Domingos)
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