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Entre acusações e ameaças, herdeiros disputam na Justiça os bens de Rafaat

Para alguém apontado um dos maiores narcotraficantes da América do Sul, a herança é bem humilde, só R$ 1,3 milhão

Silvia Frias | 28/07/2019 08:01
Ameaça enviada por celular foi anexada ao processo, sem atribuição a quem teria enviado (Foto/Reprodução)
Ameaça enviada por celular foi anexada ao processo, sem atribuição a quem teria enviado (Foto/Reprodução)

Em junho de 2016, a execução de Jorge Rafaat Toumani foi o estopim para eclosão dos homicídios no Brasil, desencadeando a guerra entre facções criminosas. Um ano depois, começava outra disputa, mais discreta, e igualmente acirrada pelo patrimônio deixado pelo homem que foi considerado um dos maiores narcotraficantes da América do Sul.

De um lado, a viúva Angela Maria Espinoza Toumani, 62 anos e os três filhos da união que durou 35 anos; de outro, a representante legal de menino de 3 anos incompletos, fruto de relação extraconjungal de Rafaat com uma comerciante brasileira de 39 anos, residente em Pedro Juan Caballero. No inventário, acusações de ocultação de bens, falta de transparência e até ameaça que permeiam o processo.

O embate travado é por conta de patrimônio oficialmente acumulado de R$ 1,376 milhão, conforme apurado pela reportagem. O valor, contudo, não traduz a imponência da função atribuída pela polícia a Rafaat no crime organizado, considerado o responsável pelo fornecimento de drogas e armas provenientes do Paraguai e da Bolívia às facções criminosas. 

Morte de Rafaat desencadeou disputa territorial e patrimonial (Foto/Reprodução)
Morte de Rafaat desencadeou disputa territorial e patrimonial (Foto/Reprodução)

Na lista, sete imóveis em Ponta Porã, dois lotes contíguos em Bela Vista, um imóvel em Amambai, outro em Campo Grande e duas empresas – na capital de MS e em Salto del Guairá, no Paraguai, a última, avaliada em R$ 483,480 mil, o maior valor listado. Muitos são oriundos de outra partilha, dos pais de Rafaat, de R$ 36 mil a R$ 81 mil.

O inventário começou a tramitar na 1ª Vara Cível de Ponta Porã em julho de 2017, aberto por Angela, que assumiu a função de inventariante. Paralelamente, corria o processo de investigação de paternidade. Dois exames de DNA atestaram o mesmo resultado: o menino era filho de Rafaat. O pai havia morrido dois meses antes de seu nascimento.

A família Toumani não apresentou contestação. Depois dessa fase, a partilha parecia transcorrer sem maiores sobressaltos. Em novembro de 2017, foi firmado acordo de que o menino teria direito aos bens localizados exclusivamente no Paraguai, mas havia comprometimento de que a lista dos bens no Brasil seriam “coladas” no processo, ou seja, mecanismo penal pelo qual o descendente, no caso, a criança, pode trazer aos autos a discussão das doações feitas em vida pelo ascendente comum, o que pode fazer com que se leve em conta os valores doados no momento da partilha.

Em fevereiro de 2018, o advogado Ricardo Saab Palieraqui apresentou contestação, questionando as “primeiras declarações” – a listagem obrigatória dos bens, considerada por ele “totalmente incompleta e omissa”. Pela lista inicial, havia ficado de fora, por exemplo, as empresas e a casa em Campo Grande, localizada no Bairro Chácara Cachoeira e avaliada em R$ 400 mil, além de imóvel em São Paulo.

Palieraqui pediu à Justiça a quebra do sigilo fiscal e bancário de Angela e dos três filhos para comprovar a ocultação de bens, mesmo que os valores tenham vindo de fonte questionável. “É fato público e notório a atividade que era desenvolvida pelo falecido Jorge Rafaat Toumani na fronteira entre Brasil e Paraguai (...) não é a atividade e muito menos a pessoa de Jorge Rafaat Toumani que é objeto de análise nesse recurso de agravo de instrumento. O que se deseja com esse apelo é apenas descobrir o real patrimônio deixado pelo falecido (...)”. Também solicitou a substituição da viúva como inventariante.

Em resposta, em abril daquele ano, os advogados do escritório Eduardo Campos, que representam a família, contestaram as acusações. “Em primeiro lugar a inventariante reafirma seu compromisso com a seriedade do cargo que lhe foi confiado nos autos e repudia, de imediato, toda e qualquer tentativa vil de mácula à sua atuação no processo”.

A nova listagem foi anexada e, novamente, alvo de críticas do advogado, que reiterou pedido de quebra de sigilo e disse que a mãe do menino chegou a ser alvo de ameaça. No processo, consta print de mensagem de telefone celular: “seu dia esta chegando vai morrer tá na lista”. Palieraqui não é textual em atribuir a ameaça a algum dos herdeiros.

Carro de Rafaat foi metralhado na noite de 15 de junho de 2016 (Foto/Arquivo: Leo Veras)
Carro de Rafaat foi metralhado na noite de 15 de junho de 2016 (Foto/Arquivo: Leo Veras)

Tanto em primeira instância quanto no TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) a quebra total dos sigilos fiscal e bancário foi negada, sob argumentação de que não há indícios suficientes para permitir a abertura dos dados pessoais da família. Porém, em resposta à segunda contestação, o desembargador Eduardo Machado Rocha, da 3ª Câmara Cível determinou que a Receita Federal anexasse ao processo as últimas cinco declarações do Imposto de Renda de Rafaat, da viúva e dos três filhos: o empresário Fares Jorge Toumani, 36 anos, a veterinária Nadja Espinoza Toumani, 34 anos e o publicitário Rafaat Jorge Toumani, 29 anos.

Nesses documentos, outros bens aparecem, e outros são excluídos, estes, atestando a argumentação da família Toumani no processo, de que alguns dos imóveis foram vendidos, como o de São Paulo e outros dois em Ponta Porã.

Porém, é somente nesta fase que são incluídos os 90% de cota capital da firma Cubiertas Sociedad de Responsabilidad Ltda, em Salto del Guairá, região de Canindeyu, avaliada em R$ 483,480 mil.

Em maio deste ano, o representante legal da criança voltou a questionar os valores, pedindo que fosse incluída no inventário a doação feita por Rafaat à esposa no valor de R$ 1 milhão, a revisão de doações de imóveis feito por ele aos filhos e à Angela, além da atualização dos valores de vários lotes.

O questionamento na partilha de bens pode se arrastar por anos na justiça, segundo profissionais ouvidos pela reportagem. A disputa pelos bens pode durar tanto quanto a guerra travada pelo comando do narcotráfico na fronteira.

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