Justiça mantém indenização à família de idoso que morreu em abrigo
Ele era esquizofrênico, fugiu de casa e foi levado à Casa de Acolhida, gerida pela Prefeitura de Dourados, onde morreu trancado
Sebastião tinha 63 anos quando deixou a casa da família em Dourados, a 233 km de Campo Grande, no dia 29 de dezembro de 2018, quase virada de ano, e ninguém viu. Andou, andou, até chegar na Reserva Indígena e de lá, assistentes sociais o levaram a um abrigo da Prefeitura, a Casa de Acolhida. Esquecido em quarto trancado e sem registro de entrada, Sebastião Firmino da Silva, que era esquizofrênico, morreu sozinho.
Seu corpo só foi achado no ano seguinte, dia 7 de janeiro de 2019, em estado avançado de decomposição. Mais de 1 ano depois, a Justiça manteve condenação da Prefeitura por negligência, indenização dada às duas irmãs que o cuidavam, definida em R$ 50 mil.
A decisão é da 1ª Câmara Cível do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), que rejeitou a apelação do município de Dourados. Consultada, a Prefeitura afirmou por meio da assessoria de imprensa que vai recorrer no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pedir nova perícia.
Relator do caso, o desembargador Marcelo Câmara Rasslan cita que “restou clara” a responsabilidade do município que gerencia o espaço. Nota do Tribunal reafirma, conforme matéria do Campo Grande News à época, o que a polícia civil constatou: ele foi deixado em quarto onde só era possível abrir do lado de fora.
“A conduta negligente da parte requerida, a meu ver, é cristalina, e reside no fato de não se ter registrado a entrada do idoso no estabelecimento, falta esta que levou os cuidadores da casa da acolhida a simplesmente ignorarem a sua presença e, certamente, conquanto não tenha dado causa à morte, impediu o falecido até de buscar socorro quando passou mal - eis que a porta do quarto só abria pelo lado de fora -, além de ter propiciado o abandono do seu corpo”, disse o desembargador.
As irmãs se deram conta do sumiço de Sebastião ainda no dia 29 e uma delas, Sônia, foi diversas vezes à Casa de Acolhida, onde perguntou pelo irmão após ser informada pelo capitão da aldeia Jaguapiru de que ele havia sido encontrado andando ali e auxiliado por assistentes sociais. Sebastião vivia com as irmãs porque era interditado judicialmente, em razão da esquizofrenia, que provoca delírios e dificuldade na percepção da realidade.
“A busca por Sebastião, diante de tal situação, se prolongou durante a semana”, cita o processo.
Mesmo dentro da Casa de Acolhida, conforme as investigações policiais, ainda assim ele não foi registrado no sistema de “check list”. Elas procuraram a polícia depois que ele foi achado morto por outro acolhido dentro da casa, que desconfiou do cheiro e chamou os funcionários.
“Que, segundo o cuidador e o vigilante a vítima foi deixado na casa da acolhida no penúltimo quarto do lado direito, e que este não tinha sido inserido no check list, pois familiares iriam lá pegar ele, mas como a casa da acolhida funciona no sistema de plantão 12 horas, no dia seguinte foi repassado a outra pessoa o plantão. Que, a irmã da vítima Sra. Sônia Firmino foi a casa da acolhida no dia seguinte na parte da tarde, mas como não haviam inserido o nome da vítima no check list, o plantonista cuidador disse que lá não havia essa pessoa por nome de Sebastião Firmino, onde até verificou nos quartos que haviam pessoas, mas não verificou no último quarto, pois não tinha ninguém na lista que estaria naquele cômodo”.

Ao recorrer, a Prefeitura de Dourados alega que não há negligência que tenha contribuído para a morte do idoso “e tratando-se de prestação de serviço público de acolhimento de indivíduo em situação de risco, a responsabilidade é subjetiva”, cita a nota do TJ.
“Por óbvio, o mero abrigamento, realmente, não levaria à morte do idoso, mas as particularidades do caso, como o fato de ter sido praticamente ‘esquecido’ no quarto, de não ter recebido qualquer auxílio ou socorro, e sobretudo de se encontrar em cômodo em que a porta só se abria pelo lado de fora, tendo sido descoberto só após a sua morte, sem dúvida alguma evidenciam a omissão do ente público e o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado”, destacou o relator do caso.
Quando encontrou, depois de uma semana de busca, o corpo do irmão, Sônia Firmino da Silva Freitas conversou com o Campo Grande News. Ela disse, à época, que Sebastião era conhecido em toda a cidade já que perambulava pelos bairros e sempre voltava para casa.
“Fui várias vezes lá, a última no dia 4, mas negaram que meu irmão estivesse lá. Queremos justiça, para não acontecer com mais ninguém, para que outra família não sofra como estamos sofrendo e para quem ninguém mais morra por negligência como aconteceu com meu irmão”, disse Sônia ao Campo Grande News no dia 8 de janeiro de 2019.