ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SEXTA  03    CAMPO GRANDE 22º

Interior

No meio da pandemia, apenas um médico cuida de 11 aldeias e 7,9 mil vidas

Polo da Sesai em Aquidauana atende a demanda de três municípios com apenas um médico

Izabela Sanchez | 13/05/2020 07:01
Terenas da Terra Indígena Taunay Ipegue, que organizam praticamente sozinhos as barreiras sanitárias para evitar contágio do novo coronavírus (Foto: Divulgação)
Terenas da Terra Indígena Taunay Ipegue, que organizam praticamente sozinhos as barreiras sanitárias para evitar contágio do novo coronavírus (Foto: Divulgação)

Em tese, um médico do polo base de Aquidauana, serviço de saúde da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), é de 40h, das 7h às 11 e das 13h às 17h, de segunda a sexta-feira. Na prática, o expediente do único médico ali começa às 7h e ultrapassa às 18h, todos os dias, e quando muito, há um pequeno intervalo para o almoço, que na maior parte dos dias se come frio dentro das aldeias. Há dois meses há apenas um médico para percorrer, sozinho, 11 aldeias nas Terras Indígenas da região, e um total de 7,9 mil pessoas.

Há anos sofrendo com sucateamento, a Sesai chega ao ápice da falta de assistência em plena pandemia de coronavírus no estado com a segunda maior população indígena do Brasil, mas com apenas um Dsei (Distrito Sanitário de Saúde Indígena). Se o único médico que atende às comunidades indígenas de Aquidauana ficar doente - risco entre os profissionais em meio à pandemia - a matemática básica mostra que não haverá atendimento.

Outro médico que dividia o trabalho pediu demissão porque passou em um concurso e desde então, há apenas um profissional. O que hoje trabalha no polo foi contratado pelo programa Mais Médicos, do governo federal, por um salário de R$ 12.386,50 para atendimento integral, conforme apurou o Campo Grande News.

Nesta região, os profissionais de saúde, os poucos que restam, percorrem sozinhos distâncias diárias de, no mínimo, 150 km, a bordo de viaturas sucateadas da Sesai, mas a distância média entre a área das aldeias e a cidade pode ser maior.

Dionedison Terena, 42, é natural de uma das aldeias atendidas, a aldeia Bananal, mas hoje vive na cidade de Aquidauana e tem recebido relato dos amigos e da família com as dificuldades de atendimento e a rotina exaustiva dos profissionais.

“A comunidade reclama muito de não conseguir atendimento médico”, comenta. Ele cita a exaustão da única enfermeira (há duas profissionais dessa área no atendimento, mas uma está doente e afastada desde março) e da única nutricionista que atende toda a região.

Terra Indígena Taunay Ipegue, durante assembleia terena em 2019 (Foto: Paulo Francis)
Terra Indígena Taunay Ipegue, durante assembleia terena em 2019 (Foto: Paulo Francis)

É o que também explica o professor Alceri Marques, 45, ex-cacique da aldeia Lagoinha.

“Ele [médico] atende as 7 aldeias aqui (Terra Indígena Taunay Ipegue, em Aquidauana), fica sobrecarregado. E tem algumas aldeias que não tem agente de saúde, como Água branca, desde o ano passado. A gente já cobrou da Sesai, não resolveu nada até agora. Sobrecarrega o único agente que temos na aldeia Lagoinha, e enfermeiro não tem. Tem que se desdobrar para ver se consegue atender as necessidades”, comenta

A Sesai disponibiliza o recurso, mas quem realiza as contratações, o processo seletivo e o treinamento dos profissionais é uma ong, a Missão Cauiá, que tem sede em Dourados e atua há mais de 15 anos contratada pelo governo federal. O contrato anual gira em torno de R$ 45 milhões e o último aditivo para renovar o serviço por mais 12 meses foi fechado para o ano todo de 2020.

Coordenador do polo base, Antônio Mariano afirma que a demanda para a unidade de Aquidauana ainda abrange Nioaque e Anastácio.

“Aquidauana tinha três equipes médicas, aí a própria Missão não conseguiu colocar mais um, ficamos com dois. O médico que nos atendia pediu para sair. Aí tentamos buscar apoio da Prefeitura, para ver se conseguia que nos atendesse semanalmente, mas o município tem alguns médicos que são idosos, afastados por conta da pandemia, e está difícil de nos atender. Estamos aguardando posição deles para ver se consegue repor essa deficiência”, conta Antônio.

Mulheres terena realizam dança tradicional da etnia durante assembleia em 2019 (Foto: Paulo Francis)
Mulheres terena realizam dança tradicional da etnia durante assembleia em 2019 (Foto: Paulo Francis)

Só extrema necessidade – O coordenador do polo base afirma que é necessário fazer uma triagem ainda mais difícil para atendimento médio. “Com essa pandemia, está vindo para Aquidauana só quem está na extrema necessidade, acabam atendidos dentro da própria comunidade e quando há necessidade o técnico faz uma avaliação e encaminha para o hospital”, diz.

O indígena cita que a região é ainda maior.

“Temos 15 aldeias mais as retomadas. E também é difícil conseguir um médico. O nosso trabalho é integral. Tem médicos que querem fazer meio período”, comenta.

“Tinham os cubanos, três, depois que acabou o programa do mais médicos do exterior ficamos nessa dificuldade.  Eles [Missão Caiuá] alegam que tem um recurso emergencial que tem que passar por processos burocráticos”, explica.

Chefe de atenção primária do Dsei de Mato Grosso do Sul, Eliete Domingues afirma que a contratação ficou prejudicada “em razão do aditivo” e do “período de transição”.

“Aquidauana nós tínhamos dois médicos do programa mais médicos, esse último passou em um concurso da prefeitura de Campo Grande e assumiu, esses dois já estavam desde 2018. A gente não tem condições de encontrar de uma hora para outra, a gente abre processo seletivo e é difícil gente conseguir trabalhar, o vínculo trabalhista é de 40h. Isso é um fator de dificuldade, o médico vai pra aldeia de manhã e as vezes fica o dia todo lá, dependendo da aldeia é longe”, diz.

Segundo a funcionária, “saíram muitos funcionários”. “A gente não teve autorização para contratar porque estava em momento de transição”.

Procurado, um dos coordenadores da ong, Silas de Souza da Silva, disse que a Missão Caiuá vai publicar edital para processo seletivo ainda este mês com 4 vagas para médicos em regime integral (1 deles para Aquidauana) e 1 vaga para médico em período parcial.

Nos siga no Google Notícias