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Produtor rural, cuidado: a recuperação judicial pode virar falência

Dr. Henrique Lima | 10/09/2025 07:45
Produtor rural, cuidado: a recuperação judicial pode virar falência
(Foto: Divulgação)

Os noticiários estão repletos de informações sobre o expressivo aumento de produtores rurais buscando a Recuperação Judicial como última salvaguarda para reequilibrar suas finanças, deterioradas nos últimos anos por uma sucessão de fatores — especialmente questões climáticas e as fortes variações nos preços de insumos e grãos.

Como costumo afirmar em diversos materiais, a Recuperação Judicial deve ser buscada apenas após esgotados os meios menos gravosos, como renegociação, prorrogação e revisão das dívidas. Se nada disso for suficiente para restaurar a condição econômica do produtor rural, então a Recuperação Judicial pode ser, de fato, um excelente instrumento jurídico, capaz de viabilizar deságios e condições especiais de pagamento.

Contudo, nem tudo são flores. Algo que raramente é alertado aos produtores rurais é que um processo de Recuperação Judicial mal conduzido — ou mesmo um plano mal elaborado — pode resultar naquilo que chamamos de convolação em falência, o que pode ser extremamente danoso.

O artigo 73 da Lei nº 11.101/2005 elenca as hipóteses em que a recuperação judicial pode ser transformada em falência:

  • por deliberação da assembleia geral de credores;
  • pela não apresentação do plano de recuperação no prazo legal de 60 dias;
  • pela rejeição do plano pela assembleia;
  • pelo descumprimento de obrigação assumida no plano aprovado;
  • pelo descumprimento de parcelamentos ou transações tributárias e previdenciárias;
  • pela constatação de esvaziamento patrimonial em prejuízo dos credores, inclusive da Fazenda Pública.

Essas hipóteses estão ligadas, em geral, a uma recuperação judicial fracassada: quando mal conduzida ou quando o plano não é corretamente cumprido. Além disso, o §1º do artigo 73 é expresso ao prever que as demais hipóteses do artigo 94 — que normalmente ocorrem fora do ambiente da recuperação judicial — também podem ensejar a decretação da falência.

Mas, embora o artigo 73 da Lei 11.101/2005 utilize a expressão “o juiz decretará a falência”, na prática isso não acontece de maneira automática, especialmente em razão do princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47:

Lei 11.101/2005, art. 47 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Diante desse princípio, ao ser noticiado eventual descumprimento, o juiz costuma intimar as partes interessadas para manifestação e análise das justificativas. Em alguns casos, a solução pode vir por meio de uma nova Assembleia Geral de Credores (AGC); de um aditamento do plano (com novas condições de pagamento); do chamado depósito elisivo (em que o devedor deposita o valor em atraso); ou ainda pela fixação de prazo e medidas específicas para sanar o problema.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que as hipóteses de convolação em falência previstas no artigo 73 são taxativas, não admitindo ampliação para outras situações, e devem ser interpretadas restritivamente, justamente pela gravidade da consequência:

“As hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência arroladas no artigo 73 da Lei 11.101/2005 são taxativas, em virtude da consequência gravosa que dela decorre, equivalendo-se a uma penalidade legalmente imposta ao devedor em soerguimento, sendo suscetível, por isso, de interpretação restritiva.” (STJ, REsp 1.707.468/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).

É também com base nesse objetivo de preservar a empresa que, antes mesmo de deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz realiza criteriosa análise das condições de soerguimento, podendo inclusive recorrer a peritos e assistentes técnicos para examinar os relatórios gerenciais e a documentação contábil apresentada (art. 51 da Lei 11.101/2005).

Enfim, o produtor rural deve estar atento: embora a recuperação judicial seja um instrumento valioso para a reorganização financeira, os compromissos assumidos precisam ser cumpridos, sob pena de decretação da falência. Mas, como demonstrado, a falência não é automática: há espaço para justificativas, soluções intermediárias e instrumentos processuais que buscam resguardar a continuidade da atividade rural.

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Para mais informações ou orientações sobre o tema, entre em contato com o autor.

Produtor rural, cuidado: a recuperação judicial pode virar falência

Autor: 

Henrique Lima é advogado com atuação focada no atendimento a produtores rurais, empreendedores, empresas e grupos familiares com problemas jurídicos, especialmente em temas envolvendo direito agrário, contratual, dívidas bancárias, família, sucessões, tributário, direito e responsabilidade civil. É mestre em direito pela Universidade de Girona – Espanha e com cinco pós-graduações (lato sensu). É sócio-fundador do escritório Lima & Pegolo Advogados Associados que possui unidades em Curitiba-PR, São Paulo-SP e Campo Grande-MS, mas atende clientes em vários Estados brasileiros.