O aviso prévio de Guedes e as projeções da economia
O dinheiro tem uma face pouco conhecida: a da fé. Só quem acredita ardentemente em um governo o compra. O melhor exemplo vem da Venezuela. O desastre levou o país vizinho a ocupar o segundo lugar em volume de criptomoedas: em meros seis dias de fevereiro, foram US$ 6,9 milhões transacionados.
As projeções de crescimento do PIB brasileiro.
Na sexta-feira, véspera do Carnaval, 21 de fevereiro, Bolsonaro afirmou que Guedes têm de entregar um crescimento de 2% neste ano. Foi um nada sutil "aviso prévio". Botou Guedes com um pé no meio da rua. Só milagre salvará Guedes com a permanência das condições econômicas no mundo. Na quarta-feira, 26 de fevereiro, quase todas instituições financeiras declararam aos jornais estimativas em torno de 1,5%. Vários economistas, nenhum de esquerda, projetam cerca de 1%. Ainda no fim do ano passado, esta coluna afirmava que não ocorreria mudança econômica importante até julho de 2020.
Estamos vendo uma das maiores saídas de dólares.
Guedes e sua equipe nada tem a ver com a depressão econômica mundial instalada no ano passado. O Brasil mal entra no cômputo feito pelas maiores instituições financeiras mundiais. Pior, os capitais "urubus", os que vem ao Brasil apenas para entrar na jogatina da roleta dos bancos, estão saindo aos borbotões, batendo recordes.
As declarações que viram profecias de Guedes.
Todavia, se Guedes não é responsável pela (ainda) meia crise econômica mundial, também não se esforça para reduzi-la em nosso país. Ele tem feito declarações que não são por acaso. Sabe que consegue, ainda que minimamente, alterar o mercado. Avisa, deixa claro, que o Banco Central não está disposto a fazer nenhum tipo de intervenção muito grande. Assim, o mercado sabe qual é a direção do câmbio e isso acaba se tornando uma profecia auto-realizável.
"Antes de perder, vou embora".
A desvalorização do real reflete a piora do cenário externo, mas a fala de Guedes sobre o dólar e a empregada doméstica pesou negativamente. No curto prazo, quando um ministro da economia faz algum comentário sobre o dólar, as cotações reagem, é como mostrar as cartas em jogo de pôker. Se eu sou estrangeiro, estou com reais e o ministro diz que o câmbio desvalorizado é bom, ele está afirmando que vou perder dinheiro, e antes que isso aconteça, levo meu dinheiro embora. Sem dinheiro estrangeiro, ainda que "urubu", não há crescimento sustentável. Não há aumento do PIB. E nessa equação ainda não entrou o coronavírus.
Venezuela cria a primeira criptomoeda estatal.
Voltando ao tema da introdução que também deve nos preocupar. Nicolas Maduro lançou a sua própria moeda digital. Furou o cerco mundial dos governos. Essa moeda, chamada "petros", é obviamente lastreada no petróleo. Formou-se um nó na cabeça de investidores e analistas pois estão aceitando o petros para pagar impostos.
Se, de um lado, essas criptomoedas foram concebidas para ultrapassar fronteiras e sair da alçada dos governos, de outro, o petros, além de furar a barreira mundial contra as criptomoedas, tornou-se uma moeda quase "religiosa", depende de fé, da crença messiânica em um governo. Esse tipo de loucura não pode virar moda e nem modelo.
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