O primeiro município guarani não fica no Paraguai
Charagua parece um município paraguaio. Suas ruas são de terra, há uma praça central e uma igreja em um dos lados. Seu povo fala uma mistura de guarani com espanhol. As casas são muito humildes e as ruas arborizadas.
Territorialmente, Charagua é imensa, conta com 72.000 quilômetros quadrados de superfície, um tanto maior que Corumbá que têm quase 65.000 quilômetros quadrados. Mas é escassamente povoado, só 60.000 pessoas acima de 15 anos vivem nessa imensidão. Tem todas as características paraguaias, mas fica no Chaco da Bolívia. E é o primeiro município onde os guaranis têm autonomia. Seu nome oficial passou a ser "Autonomia Guarani Charagua Iyambae".
O governo descentralizado de Charagua.
"Tëtarembioukai Reta" é o poder executivo de Charagua. Uma organização constituída por sete membros: um representante de cada núcleo urbano (02), um para cada capitania (04) e um coordenador. Seu maior projeto, além de procurar atender as comunidades, é garantir o café da manhã das escolas. Cada representante têm de prestar contas a suas respectivas assembleias comunais e elas podem retirar seus poderes a qualquer hora. Também há o "Ñemboati Guasu", uma inovação no esquema democrático de Charagua. É a máxima instância de decisão.
A vida em Charagua.
Cerca de 60% da população é guarani. Em tamanho, os guaranis são apenas o quarto povo indígena boliviano. A maioria da população é rural e pobre. Em Charagua, 89% de seus habitantes vivem em comunidades rurais. Sete de cada dez pessoas vive abaixo da linha de miséria, enquanto no restante da Bolívia essa cifra é de 45%. Dentro do território de Charagua há 137 comunidades, separadas por estradas de terra e povoadas com casas de adobe, raras são de cimento. Seus habitantes se dedicam à agricultura e pecuária. Nunca tiveram problemas com a propriedade da terra, mas sim com sua utilização. Sobretudo plantam arroz, milho, sorgo e frutas em terras moderadamente secas, quente durante o dia e com inverno rigoroso. A pecuária é essencialmente constituída por ovelhas. Cultivam as terras com as mãos, não há trator.
O surgimento da autonomia de Charagua.
A Bolívia colocou em sua última Constituição o direito dos povos indígenas de realizar plebiscitos para resolver projetos que afetem seus próprios territórios. A transição para a autonomia começou em 2009. Depois do referendo, elegeram uma assembleia para redigir seu próprio estatuto jurídico. Depois, realizaram novo referendo e só depois, escolheram as autoridades. Foram sete anos de debates que pareciam intermináveis. Na pratica, continuam tendo inúmeros problemas com o trato administrativo da Bolívia. Por muito tempo banco algum aceitava recolher os impostos ou mesmo abrir uma mera conta pois, os guaranis levaram sete anos para consolidar e formalizar sua administração. Também sofrem com a manutenção dos mesmos recursos que recebiam do governo boliviano e com a queda da receita própria. A euforia inicial mostra suas dificuldades práticas.