Por que a educação física deve voltar a ser obrigatória?
Além dos incontestáveis benefícios físicos e mentais já elucidados, a Educação Física obrigatória se configura como um ambiente pedagógico insubstituível para a construção e o fortalecimento de valores e soft skills essenciais para a vida em sociedade, particularmente em uma geração que reporta altos níveis de solidão e dificuldades de interação.
Diferentemente de muitas disciplinas teóricas, a Educação Física coloca os alunos em situações reais de interação, conflito, cooperação e superação. É nesse ambiente prático que valores abstratos se tornam concretos:
- O cumprimento de regras de jogos, o respeito aos horários e a execução de técnicas específicas exigem e cultivam a autodisciplina. O aluno aprende que o progresso individual e coletivo depende da adesão a um conjunto de normas acordadas.
- O contato direto com a diversidade de corpos, habilidades e histórias dentro de um time ou atividade ensina o respeito ao outro, ao colega mais habilidoso, ao menos experiente, ao adversário e à figura de autoridade (o professor/árbitro). Aprender a ganhar com humildade e a perder com dignidade é uma lição poderosa contra a cultura do cancelamento e da intolerância.
- Esportes coletivos (como vôlei, basquete, handebol) são, por natureza, exercícios de interdependência. Eles exigem comunicação, confiança, divisão de tarefas e apoio mútuo para se alcançar um objetivo comum. Isso fortalece vínculos de amizade e combate o individualismo excessivo.
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A Educação Física é um espaço onde o erro e a falha são inevitáveis e visíveis (um pênalti perdido, uma cortada na rede, um tempo mais lento na corrida). Ela oferece a oportunidade única de aprender a lidar com a frustração na prática, levantar-se e tentar novamente, desenvolvendo a perseverança e a capacidade de adaptação perante as adversidades. Capitães de time, estratégias em grupo e a necessidade de motivar os colegas são experiências tangíveis de liderança servidora e colaboração, competências altamente valorizadas no mercado de trabalho e nas relações pessoais.
Ao tornar a disciplina facultativa, não se priva o aluno apenas de atividade física; priva-o de um ambiente estruturado e supervisionado onde essas competências são exercitadas intencionalmente. Muitos jovens, especialmente os mais vulneráveis ou introspectivos, podem não ter acesso a clubes ou times externos, perdendo essa oportunidade formativa única. A escola, como instituição democratizante, tem o dever de garantir esse acesso a todos. A Geração Z (nascidos entre 1997-2010) paga o preço por um modelo educacional que, ao flexibilizar a obrigatoriedade da Educação Física, negligencia o desenvolvimento integral do indivíduo (corpo, mente e caráter). Reverter essa crise exige reconhecer a disciplina não como uma mera atividade recreativa ou um apêndice curricular, mas como um pilar fundamental da educação.
Ela é simultaneamente uma política de saúde pública para combater a epidemia de depressão, ansiedade e obesidade; é uma estratégia pedagógica essencial para a formação de cidadãos éticos, resilientes, colaborativos e com maior inteligência emocional. Portanto, revogar a facultatividade e reinvestir na qualidade das aulas de Educação Física é um investimento urgente e triplo: na saúde física, na saúde mental e no capital social da próxima geração. Este acréscimo fortalece ainda mais o argumento central do artigo, mostrando que a falta da Educação Física tem consequências que se estendem muito além da saúde individual, impactando a própria estrutura social e as habilidades para enfrentar os desafios da vida adulta.
As crianças e adolescentes a partir da Geração Z pagam o preço por um modelo educacional que negligencia o corpo e a mente. Reverter essa crise exige reconhecer a Educação Física como pilar do desenvolvimento humano, não opcional, mas essencial.
Reavaliar a flexibilização da Educação Física é, portanto, um passo essencial para o desenvolvimento integral da nova geração.
(*) Carlos Alberto Rezende é conhecido como Professor Carlão. Siga no Instagram: @oprofcarlao.