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Economia

Desemprego e impostos transformam calçadas da Capital em feiras livres

Fiscalização estaria menor e a quantidade de ambulantes nas calçadas é crescente

Osvaldo Júnior | 05/03/2018 18:43
Pedestres circulam em meio a bancas e carrinhos de ambulantes (Foto: Saul Schramm)
Pedestres circulam em meio a bancas e carrinhos de ambulantes (Foto: Saul Schramm)

A crise se instalou nas calçadas de Campo Grande. Enquanto pedestres se desviam de carrinhos, caixotes e outros suportes improvisados, ambulantes tentam contornar as adversidades da economia, que definham o mercado formal. Completam a paisagem lojas de vários segmentos, que sobrevivem à redução do consumo e ao aumento da carga tributária. Em meio a isso tudo, há fiscalização menos intensa das atividades informais. 

“Nos últimos meses, aumentou bastante”, nota um ambulante veterano, que prefere não ser identificado. “Já vendo há 20 anos. O número tinha caído bastante, mas de uns tempos pra cá voltou a crescer, e muito”, observa. Ele acredita que esse avanço decorre de dois fatores associados: a fiscalização está menor e a crise, maior.

Ao longo das calçadas centrais, como a da Rua 14 de Julho, há carrinhos de pipocas, de churros, de açaí, de frutas, além de muitos outros produtos, expostos de modo improvisado: carteiras, brinquedos, cadeados em caixas de papelão; cobertores em carinhos de mão (como os usados para carregar malas); meias, relógios e eletrônicos em caixotes de supermercados.

Em outros locais da área central, como na Rua Padre João Crippa, a situação se repete. Nesse lugar, próximo da Rua 15 de Novembro, um carrinho fica entre carros, em vaga de estacionamento. O Campo Grande News conversou com a proprietária, a empresária Daiany Couto. "O que tenho é um food truck. É um veículo. Então não vejo problema de estar em uma vaga de um veículo", argumentou. 

Os tantos ambulantes veem por horas o vai e vem de pedestres, consumidores potenciais. Entre essas pessoas, há, nas ruas mais centrais, os que se incomodam por ter de desviar, em meio à correria, dos vendedores e de seus carrinhos e bancas. Mas também há os que não veem problema e percebem, por trás dessa paisagem, uma resposta ao desemprego.

“Pra mim, não tem problema. Todo mundo precisa achar uma forma de conseguir dinheiro nessa crise”, opinou a empresária Alessandra Cristina, 43 anos. Mesma opinião tem o motorista Edir Ferreira, 40. “Não me atrapalha em nada”, afirmou. “É um direito. O mercado é livre”, acrescenta o militar Ilsen Lima, 39. 

Produtos são expostos em suportes improvisados (Foto: Saul Schramm)
Produtos são expostos em suportes improvisados (Foto: Saul Schramm)

Fiscalização – A crise é uma face da parte mais visível da moeda. A outra face é da fiscalização mais branda, conforme disseram ambulantes, que pediram para não ser identificados. "Está menor. Antes acontecia com mais frequência. Eu mesmo já perdi muitas mercadorias anos atrás", contou um vendedor.

A Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), responsável por essa questão, foi procurada, mas não tratou diretamente sobre eventual redução das fiscalizações. Informou apenas que o uso de logradouros públicos para fins diversos de sua natureza, como atividades de ambulantes, é proibido, conforme a Lei 2.909, de 1992.

"Atualmente autorizações para o exercício do vendedor ambulante são concedidas a quem atua nas feiras livres, camelódromo e Mercado Municipal", disse a secretaria. "Desta forma, o ambulante que realiza venda em logradouro público sem a devida autorização do órgão competente está cometendo uma infração", completou.

Carrinho de sopa paraguaia em vaga de estacionamento na Rua Padre João Crippa. (Foto: Lucimar Couto)
Carrinho de sopa paraguaia em vaga de estacionamento na Rua Padre João Crippa. (Foto: Lucimar Couto)

Cadeia de fatores – Abaixo dessa primeira camada, de opiniões sobre o crescimento do número de ambulantes nas calçadas e de eventual fiscalização menos rigorosa, há uma cadeia de fatores: retração da economia, aumento da carga tributária, fechamento de empresas, desemprego.

A sequência pode ser assim simplificada: as empresas amargam com queda de receita e elevação de despesas em um quadro de maior tributação; reduzem as margens de lucro para evitar redução das vendas; fecham as portas ou diminuem o número de empregados; parte dessas pessoas voltam ao trabalho pela janela da informalidade e se tornam concorrentes das empresas, sem sentirem o mesmo peso dos tributos.

Esses fatores são comentados pelo advogado tributarista Roberto Oshiro, que faz parte da diretoria da ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande). “Toda atividade informal é prejudicial às empresas legalmente constituídas”, afirma. “Essa concorrência não é leal, porque os negócios informais não obedecem às mesmas obrigações dos setores que estão na formalidade”, argumenta.

O tributarista pondera: “Por outro lado, é uma maneira da população se virar, uma forma de sobrevivência para quem perdeu o emprego”. Ele acrescenta que, mesmo que seja por via alternativa, as pessoas podem ter dinheiro e, assim, consumir.

Para Oshiro, a questão central não está na polarização entre negócios formais e informais e sim na salgada carga tributária. “A alta excessiva dos tributos nos últimos três anos inviabilizou vários setores. Muitas empresas fecharam as portas, aumentando o desemprego”, observa.

Ele menciona, como exemplo, o caso das empresas do setor de informática. De acordo com Oshiro, a carga tributária desse segmento cresceu 900% em três anos. “Para piorar, eles sofrem concorrência desleal com os produtos que vêm de outros estados e da fronteira. Nessa economia informal, tem até distribuidores de eletrônicos”, completa.

Como parte dessa cadeia de fatores, está o desemprego. “A população aumenta continuamente. Então, a demanda de vagas de emprego também precisa ser crescente”, finaliza.

Várias lojas fecharam as portas na Capital (Foto: Paulo Francis)
Várias lojas fecharam as portas na Capital (Foto: Paulo Francis)

Crise em números – As análises do tributarista têm respaldo de números diversos. Conforme o MTE (Ministério de Trabalho e Emprego), os estoques de trabalhadores formais em Mato Grosso do Sul vêm caindo ano a ano. No fechamento de 2017, eram 506.146 pessoas; em 2016, 513.019; em 2015, 515.515; em 2014, 517.485. Nesse período, são 11.336 trabalhadores a menos nos quadros das empresas.

A redução de vagas é inversa à trajetória populacional, o que torna o problema do desemprego mais grave. Em 2017, a população do Estado somava 2,71 milhões de habitantes, 1,14% a mais que os 2,68 milhões de sul-mato-grossenses do ano anterior. São 30.761 a mais em 12 meses. Desde 2014 (2,61 milhões), são 93.490 pessoas a mais.

O desemprego empurrou 288 mil sul-mato-grossenses à informalidade no ano passado, conforme a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número é 15% maior que os 250 mil contabilizados em 2016.

Acompanha esses números o da alta da carga tributária. De acordo com a Receita Federal, os tributos pagos no Brasil equivaliam a 32,38% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2016 (último dado). É o maior percentual em três anos.

Nesse cenário, várias empresas fecharam as portas. Estatística da Jucems (Junta Comercial de Mato Grosso do Sul) mostra que 5.824 estabelecimentos foram extintos no estado de 2016 a janeiro deste ano.

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