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Preconceito que mora na língua carrega peso histórico falado todos os dias

Palavras herdadas do período escravocrata afetam a forma como vemos a população negra

Por Inara Silva | 20/11/2025 07:21
Preconceito que mora na língua carrega peso histórico falado todos os dias
Nathália do Nascimento Gonçalves Nolasco apresenta livros que ajudam a desconstruir o racismo. (Foto: Juliano Almeida)

Passados 137 anos após o fim oficial da escravidão, o racismo segue vivo nas palavras que muitos brasileiros usam sem perceber. Termos e expressões carregados de violência simbólica continuam sendo reproduzidos de forma automática, sustentados por estereótipos e por uma herança direta de quase 400 anos de escravização no país.

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A pesquisadora Nathália do Nascimento Gonçalves Nolasco, da UFMS, alerta para a persistência de expressões racistas no cotidiano brasileiro, mesmo 137 anos após a abolição da escravidão. Termos como "lista negra" e "serviço de preto" perpetuam estereótipos e violência simbólica, associando o "preto" ao negativo. A antropóloga Ana Paula Silva de Oliveira reforça que a linguagem é um instrumento crucial na formação da consciência coletiva e que a naturalização dessas expressões dificulta o combate ao racismo. Ambas defendem a reflexão e a substituição dessas expressões por formas mais conscientes de comunicação, como um passo essencial para romper ciclos de discriminação.

Para a professora mestre e doutoranda em Estudos de Linguagens da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Nathália do Nascimento Gonçalves Nolasco, esse passado deixou marcas profundas na forma como nomeamos o mundo.

“A violência física escancarada foi se modulando e se transformando em violência simbólica. Ela aparece quando utilizamos expressões de maneira pejorativa, associando ‘preto’ ou ‘negro’ ao que é ruim”, explica.

Racismo linguístico - Entre os exemplos citados por Nathália estão expressões como “lista negra”, “ovelha negra” e “serviço de preto”, todas ligadas a ideias de punição, desvio ou inferioridade. “Por que é preciso menosprezar utilizando essas palavras? Isso revela um histórico que seguimos perpetuando sem perceber”, reforça.

Entre outros exemplos ainda em uso estão “mulata”, termo derivado de “mula”, historicamente usado para designar pessoas mestiças, e expressões como “inveja branca” e “a coisa tá preta”, que opõem “branco” e “preto” como sinônimos de pureza e perigo.

Preconceito que mora na língua carrega peso histórico falado todos os dias

A antropóloga Ana Paula Silva de Oliveira destaca que compreender essa lógica é indispensável. No posfácio da cartilha "O racismo presente nas palavras e expressões no português brasileiro", publicada pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão), ela lembra que a linguagem é um instrumento central de formação da consciência coletiva. Por isso, analisar ditados e modos de falar que reforçam racismo, xenofobia e misoginia é fundamental. “Revelar o racismo velado do cotidiano é essencial para entender como ele opera de forma sutil, porém constante”, afirma.

Para ela, a formação do Brasil esteve ancorada em estruturas coloniais de controle de corpos e vidas, o que identifica como biopoder e necropoder, que impactaram especialmente a população negra. As pesquisadoras concordam que a naturalização dessas expressões é um dos maiores obstáculos no combate ao racismo. Reconhecer essa herança na linguagem, afirmam, é parte essencial do enfrentamento à discriminação.

Pensamento crítico - “Muita gente diz que ‘hoje em dia não se pode falar nada’, mas o que mais temos é conhecimento e pesquisa mostrando como a comunicação perpetua o racismo linguístico”, destaca Nathália. Ana Paula complementa citando Lévi-Strauss: a língua conecta cultura e pensamento, e, nesse sentido, dizer “a coisa tá preta” não é inocente, mas reforça uma construção ideológica que associa o preto ao negativo. “Nada na linguagem é natural. Tudo é construção histórica”, afirma.

Apesar do cenário desafiador, Nathália vê caminhos para mudança. Para ela, questionar o vocabulário cotidiano é um passo importante para romper ciclos de violência simbólica. A pesquisadora defende que refletir, reconhecer e substituir expressões racistas por outras formas de comunicação mais conscientes é uma prática indispensável para transformar o modo como nos relacionamos com a linguagem e com as pessoas.

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