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Educação e Tecnologia

Tema do Enem 2022 deveria ser “óbvio” a moradores de MS, dizem especialistas

Tanto professora de redação quanto jurista indígena ressaltam importância da proposta da redação deste ano

Guilherme Correia | 14/11/2022 10:03
Indígena corre segurando bandeira do Brasil em Amambai, palco do "Massacre de Guapoy", em junho deste ano. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)
Indígena corre segurando bandeira do Brasil em Amambai, palco do "Massacre de Guapoy", em junho deste ano. (Foto: Helio de Freitas/Arquivo)

Na opinião de pesquisadores consultados pelo Campo Grande News, a proposta da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2022 deveria ser um tema "óbvio" a moradores de Mato Grosso do Sul, Estado que tem segunda maior população indígena do Brasil e que é palco de diversos conflitos fundiários, de forma recorrente.

Com a temática "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil", o primeiro dia da prova, que serve de porta de entrada a milhares de estudantes em instituições de Ensino Superior, foi feita por mais de 30 mil sul-mato-grossenses, neste domingo (13).

Jurista e advogado da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Eloy Terena ressalta as violências cometidas contra povos tradicionais e a pluralidade de etnias em território brasileiro. “Achei muito importante esse tema ter sido abordado e acho que há a dimensão de pautar o tema que é extremamente politizado e que muitas vezes não é dado atenção.

"Especialmente na atual gestão do governo Jair Bolsonaro, comunidades e povos tradicionais foram muito judiados, alvo de uma política muito violenta", opina o antropólogo e escritor que atua como "Amicus curiae" do processo que julga o marco temporal de terras indígenas, em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal).

A intolerância na sociedade brasileira é muito forte com o diferente e isso é visto na opinião política, na questão de religião e também na questão de raça e etnia. Então, trazer esse tema para dentro do Enem é de fundamental importância. É importante reconhecer essa pluralidade étnica presente no nosso País e tratá-la com devido respeito."

Terena ressalta que a discussão se refere a diferentes grupos étnicos, como "povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais”. “A outra dimensão é chamar a atenção que o Estado brasileiro é um Estado pluriétnico. Só de indígenas, são 305 povos diferentes, falando 274 línguas e, muitas vezes, essa diferença é ignorada.”

"Tem a ver com superar visões ortodoxas e inclusive raciais sobre estes povos. Então, fiquei bastante feliz com essa abordagem e espero que cada vez mais as universidades e escolas possam abordar temas relacionados aos povos e comunidades tradicionais que vivem no Brasil”.

Tema recorrente - A professora de redação Bruna Lucianer avalia que o tema não era uma escolha óbvia. “Acho que seguiu a linha clássica do Enem, concordo que geralmente são temas não muito óbvios. Hoje, tomam os noticiários a questão da vacina, da pandemia ou alguma discussão sobre a garantia de democracia. Mas nada disso apareceu.”

Ela ressalta que a proposta é recorrente, no entanto, a moradores de Mato Grosso do Sul, segundo estado com maior população indígena do Brasil. Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há cerca de 70 mil habitantes indígenas, o que coloca o Estado atrás apenas do Amazonas.

Moradores de Mato Grosso do Sul não poderiam deixar de, em pelo menos um dos parágrafos, falar especificamente da questão indígena aqui do Estado. Quem acompanha o noticiário sabe que a gente tem uma questão direta e recorrente com conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, mas não é a realidade da maioria do País."

A professora destaca o “Massacre de Guapoy”, em Amambai, a 351 quilômetros de Campo Grande, que deixou um indígena morto e diversos feridos em junho deste ano. Além disso, comenta sobre homicídio em Coronel Sapucaia, em maio, durante a retomada de uma Terra Indígena.

Lucianer relata que, durante suas aulas, sugeriu tema relacionado especificamente à comunidades indígenas, mas que “o mesmo raciocínio engloba também ribeirinhos ou quilombolas”. “O raciocínio é que quem escreveu esse tema que sugere já teria uma base muito forte para argumentar na redação de ontem.”

“Quanto a fatos históricos, eu acho impossível que um morador de Mato Grosso do Sul não retomasse essas situações recentes de Amambai. Também seria possível abordar a recorrência de casos de suicídio nas aldeias de Dourados, porque isso tudo se relaciona às falhas de políticas públicas para esses povos".

A docente também ressalta localidades com alto índice de violência doméstica ou dependência química, que estariam relacionadas com a falta de políticas públicas. "Eles têm uma série de direitos específicos garantidos pela Constituição Federal e esses direitos não são efetivados, como direitos à territorialidades ou manutenção da própria cultura".

Enem - A redação faz parte do primeiro dia de prova e no próximo domingo (20), os candidatos respondem perguntas de matemática e ciências da natureza. A nota do texto possui grande peso no resultado final e, se não seguida de algumas regras, candidatos podem zerar no texto.

Participantes devem produzir texto dissertativo-argumentativo com uma proposta de intervenção a um problema apresentado. Cartilha do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) mostra que avaliadores da redação usam cinco competências para corrigir o texto, de zero a 200 pontos. Os últimos temas de redação do Enem foram:

  • "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil", em 2021

  • "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira", em 2020

  • "Democratização do acesso ao cinema no Brasil", em 2019

  • "Manipulação do comportamento de usuário pelo controle de dados na internet", em 2018

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