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Arquitetura

Após 66 anos, Hotel Gaspar fecha as portas em Campo Grande

Família proprietária se despede com emoção e diz que vai colocar o prédio à venda

Thailla Torres | 11/06/2020 08:47
O último encontro do pôr do sol com as portas abertas do Hotel Gaspar foi registrada ontem pelo fotógrafo e jornalista André Patroni.
O último encontro do pôr do sol com as portas abertas do Hotel Gaspar foi registrada ontem pelo fotógrafo e jornalista André Patroni.

Há menos de três meses a dona cogitou e o que era inevitável aconteceu. O Hotel Gaspar, o mais antigo em funcionamento em Campo Grande fechará as portas na próxima segunda-feira, 15 de junho.

Na Avenida Calógeras esquina com Mato Grosso, o hotel funcionou por 66 anos, sem parar. Os donos, que tive o prazer de conhecer há alguns anos, seguraram as pontas até agora.

Na lista de hóspedes não há espaço para novas reservas. O hotel só vai receber dois clientes que haviam reservado estadia até o próximo domingo. Moradores que há anos viviam como mensalistas também já saíram, só dois que ainda estão se organizado.

A vizinhança comercial nem sabia que essa semana seria a última deles, com exceção do jornalista e fotógrafo André Patroni, que alugava o estacionamento do hotel para deixar seu veículo e recebeu a notícia na noite da última segunda-feira. Como um bom fotógrafo, ele correu até em casa, pegou a câmera e registrou a fachada do hotel iluminada pelo pôr do sol campo-grandense, que na minha opinião, é incomparável.

Planta da construção que iniciou em 1951, Hotel Gaspar tinha só 3 andares. O quarto andar foi construído anos depois. 
Planta da construção que iniciou em 1951, Hotel Gaspar tinha só 3 andares. O quarto andar foi construído anos depois.

Cristhian Gaspar, proprietária, recebeu o Lado B para falar de vez sobre fechamento. Ainda que no caminho eu tenha torcido pela reviravolta, que me faria escrever esse texto ao contrário, não houve jeito. Vi a família dar tchau para os últimos clientes e moradores na manhã de ontem. Uma verdadeira tragédia para quem assiste Campo Grande, mais uma vez, perder parte da sua história.

Mas sem muito melodrama, Cris, como é conhecida, não larga o otimismo. “Não importa o que aconteça, o Hotel Gaspar será sempre o Hotel Gaspar, e lembrado por sua história. Ele é mais que a metade da história de Campo Grande”, afirma.

Entre sorrisos e palavras de agradecimentos, ela diz que a pandemia foi a cartada final para o fechamento. “Estávamos com dificuldades, mas veio a pandemia que deixou tudo mais difícil. As previsões é de que as coisas voltem ao normal daqui um ano, e para o ramo hoteleiro isso não é nada fácil”, explica.

Esse é Antônio Gaspar, português que fundou o Hotel Gaspar e avô de Cris. 
Esse é Antônio Gaspar, português que fundou o Hotel Gaspar e avô de Cris.

Para a cidade, o fim do estabelecimento é triste. Para Cris e a família, é triste em dobro. “Eu já chorei, tive enxaqueca, reclamei, desabafei. Mas chegou o momento em que a gente não pode mais lutar contra o mundo. O hotel precisa de multidão, não desse momento de restrições que estamos vivendo”.

Cris e a família sentem, e muito, pelo fechamento, e afirmam que gostariam de continuar com as atividades, mas isso exigiria mais do que paciência. “Pra dar continuidade ao hotel e até cobrar um preço melhor, que ajudaria nas despesas e no lucro, o hotel precisaria passar por um processo de restruturação que tem preço. E nós não temos como pagar”, explica César Braga, cunhado de Cris e gerente do hotel.

César se emociona e não consegue segurar o choro ao ler no celular as mensagens de antigos clientes, alguns que se hospedam ali há 40 anos. “Tem cliente que está muito triste e diz que não sabe para onde vai quando vier a Campo Grande. Isso tudo nos emociona muito. O hotel marcou a história da cidade e a trajetória das pessoas. Nós nunca deixaremos de agradecer por cada parceria, elogio e amizade conquistados aqui dentro”.

Clientes antigos no terraço do hotel, antes do quarto andar ser construído. 
Clientes antigos no terraço do hotel, antes do quarto andar ser construído.

A família também afirma que vai colocar o hotel à venda nos próximos dias. O valor ainda não foi revelado, mas Cris acredita que o prédio tem potencial para abrigar diversos segmentos. “Pode ser um espaço para atividades culturais, uma galeria ou uma edificação que tenha diversas atividades, até mesmo órgão público”, explica. “Qualquer coisa que o hotel receba, ele vai continuar sendo lembrado como o Hotel Gaspar, e quem o comprar ou investir no prédio, pode, com um bom projeto, manter as características originais que carregam sua história”.

Embora a família tenha mantido a calma, dizer adeus não tem sido fácil para algumas pessoas. Franklin Queiroz Junior, de 69 anos, morou durante 40 anos no hotel por "não querer casa e nem amores", cita. Ele era o morador mais antigo, dividia a trajetória de vida com um quarto de poucos metros quadrados e os móveis antigos em madeira que eram oferecidos pelo hotel. Mas não tinha mansão que o fizesse trocar de lar.

Durante entrevista, Franklin apareceu, sem dizer nada. Ao perceber que estava sendo observado, deu a desculpa que só foi ao hotel para tomar um café. “É mentira, ele vem aqui para não falar nada, só pra ver o hotel, pra sentir o cheiro, é saudade”, diz Cris rindo.

Nos últimos dias, Cris também visitou Quirino, um antigo funcionário que a viu crescer e se tornou um ícone do hotel, memória viva sobre a trajetória da família Gaspar em Campo Grande. “Quando eu disse que o hotel fecharia, ele chorou emocionado”.

Esse é Quirino, que durante anos trabalhou no Hotel Gaspar, foi o braço direito do seu Antônio até os últimos dias.
Esse é Quirino, que durante anos trabalhou no Hotel Gaspar, foi o braço direito do seu Antônio até os últimos dias.

A história do Hotel Gaspar começou em 26 de agosto de 1954, data da inauguração, quando abriu as portas como o primeiro hotel a ter elevador na cidade, que permanece intacto no empreendimento. A cerimônia com a presença de Nossa Senhora de Fátima que, o avô português, Antônio Gaspar, fundador do hotel, trouxe de Portugal marcou a cidade.

De lá pra cá muitas histórias de um hotel que se tornou o “pai dos viajantes”, é também considerado por abrigar a 1ª rodoviária de Campo Grande, já que antes da construção do terminal era ali que os ônibus paravam e os bilhetes eram comprados.

Já hospedou políticos e famosos, carrega nas costas a lenda de que hospedou até Che Guevara, foi palco para eventos importantes, casamentos e marcou a história até do cantor Michel Teló, isso porque o pai do cantor, Aldoir Pedro Teló, chegou a comandar o hotel durante um período em que arrendou o estabelecimento. Foi na sacada do quarto andar, por exemplo, que Michel Teló aprendeu a tocar acordeom.

Independente dos próximos passos, para Cris e César, há toda possibilidade para que o próximo dono preserve o prédio. “E faça das sacadas um observatório. Nós nunca vamos ter essa paisagem apagada. As nossas sacadas são como um observatório para o pôr do sol mais lindo que temos”, afirma César.

Enquanto o hotel não for vendido ou arrendado, Cris diz que vai continuar morando no quarto andar. “Seguiremos cuidando dele e de toda sua história. Nada vai apagar o Hotel Gaspar da memória do campo-grandense, isso porque tivemos a sorte de muitas pessoas registrarem a nossa história, e isso ninguém tira da gente”.

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