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Arquitetura

No esquecimento de prédios abandonados, as marcas da necessidade e da loucura

Moradores de rua se escondem entre paredes descascadas e erguem muros com base nos sonhos, vivendo daquilo que tanta gente abre mão

Thailla Torres | 07/04/2017 09:02
Boneca esquecida no tempo. (Foto: Alcides Neto)
Boneca esquecida no tempo. (Foto: Alcides Neto)

O abandono que judia alguns prédios de Campo Grande é o mesmo que leva ao único abraço de humanidade. Sem as referências que foram esquecidas ao relento, moradores de rua constroem um novo mundo entre quatro paredes descascadas de casas abandonadas pela cidade. Em imóveis sem portas e sem vida aparente, eles vão entrando e criando a arquitetura da necessidade e da loucura.

Hoje endereço da sobrevivência, a maioria dos prédios fechados na região central tem algum vestígio dos moradores de rua. Eles migram de um canto para o outro, mas deixam marcas que falam muito sobre a condição da alma.

Na Rua 25 de Dezembro, quase esquina com Avenida Mato Grosso, o azul das paredes foi o que chamou atenção por muito tempo. Até que a fachada ganhou badulaques em uma decoração quer parecia coisa de casinha de bonecas. A casa velha, que parece estar abandona há anos, foi ocupada por moradores durante alguns dias. Eles saíram do local depois que um novo cadeado foi colocado no portão, mas deixaram marcas.

"Sua raridade não está n aquilo que você possui", diz recado na parede.
"Sua raridade não está n aquilo que você possui", diz recado na parede.

Com um tanto de objetos recolhidos nas ruas e frases escritas à mão, em cada canto do lugar, o antigo morador demonstrava rancor, mas também um pouco de fé. Pela disposição ainda intacta de alguns "pertences", dá para perceber que o papelão era cobertor, caixas de remédio viraram decoração e brinquedos velhos serviam para colorir a varanda.

Na parede estão frases e os erros gramaticais são apenas detalhes nas mensagens que a pessoa que passou por ali resolveu compartilhar. "Sua raridade não está naquilo que você possui, isto é mistério de Deus com você" e "A mulher edifica essa casa", são alguns dos dizeres.

A varanda decorada com plantas e objetos da rua. (Foto: Alcides Neto)
A varanda decorada com plantas e objetos da rua. (Foto: Alcides Neto)
O quarto ''organizado". (Foto: Alcides Neto)
O quarto ''organizado". (Foto: Alcides Neto)
A parede envelhecida ganhou detalhe diferente. (Foto: Alcides Neto)
A parede envelhecida ganhou detalhe diferente. (Foto: Alcides Neto)

A obra inacabada de um prédio de três andares na Rua Abrão Julio Rahe, agora serve de moradia para gente que chegou ao local há pelo menos um mês. A obra foi iniciada por uma empresa de engenharia falida em 1999. Ganhou o status do abandono, assim como quem vive ali.

No local, não encontramos moradores. Mas no prédio, todo cercado com tapumes, ganhou recados. “Ser humilde é elegante” e “Temos doações. Aceitamos doações”.

Espaços que seriam os corredores do prédio, estão cheios de brinquedos e tudo é reaproveitado. Pelas frestas é possível ver carrinho de bebê, por exemplo. Quem mora ou trabalha nos arredores indica que são duas pessoas, e que durante o dia não fica ninguém em casa.

Cada objeto organizado nos cantos desperta uma curiosidade. Como se tivessem tentando dar um novo significado à vida que levam.

 

Fachada do prédio abandonado. (Foto: André Bittar)
Fachada do prédio abandonado. (Foto: André Bittar)
Detalhes que só podem ser vistos do lado de fora. (Foto: André Bittar)
Detalhes que só podem ser vistos do lado de fora. (Foto: André Bittar)
Muitos brinquedos são usados na decoração. (Foto: André Bittar)
Muitos brinquedos são usados na decoração. (Foto: André Bittar)

No Jardim dos Estados, outra casa abriga moradores de rua. Dessa vez, as intervenções foram menores, mas a garagem tem de tudo que se possa imaginar. Na tentativa de deixar o lugar mais "vivo", Mariana de 27 anos é quem tenta dar vida ao amontoado de coisas numa garagem de uma mansão, na Rua Pedro Coutinho. 

Grávida de 8 meses, vai ser o oitavo filho de Mariana. A casa feita por ela e o marido dentro da garagem fala um poucos dos caminhos percorridos desde que tiveram o primeiro contato com as ruas, há 1 ano.

Moradora de rua, espera o oitavo filho, aos 27 anos.
Moradora de rua, espera o oitavo filho, aos 27 anos.

"Foi por conta das drogas, teve um tempo que a gente emendava", revela a moradora.

Com televisão, cama e água coletada da chuva, ela deixa tudo empilhado para que durante o dia ninguém mexa. Os guarda-chuva quebrados se transformaram na única parede do quarto. "É que a gente fica andando por aí e imaginando como seria ter a nossa casa", diz. 

Longe da família. O contato com as drogas foi há 8 anos, no primeiro casamento. Nas ruas, e longe dos filhos, que ficam com a mãe, ela diz que não tem previsão de uma vida diferente. "É muito difícil, não tem mais como ter uma vida normal", resume.

A casa de Mariana.
A casa de Mariana.
Com o guarda-chuva como parede.
Com o guarda-chuva como parede.
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