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Artes

De Dourados, Max sai das redes sociais e vira campeão nacional em batalha de rap

Deixando para trás rappers de todos os estados brasileiros, Miliano se tornou campeão nacional do Duelo de MC’s e dá dicas de como conseguir isso longe das redes sociais.

Gustavo Maia | 06/01/2019 08:10
Rapper douradense Miliano é campeão nacional do Duelo de MC's. (Foto: Helio de Freitas)
Rapper douradense Miliano é campeão nacional do Duelo de MC's. (Foto: Helio de Freitas)

Nem todo mundo ficou sabendo, mas o atual campeão nacional do Duelo de MC’s é daqui, da “terra do sertanejo”. A final do campeonato, em que oponentes se enfrentam num desafio de criatividade e agilidade, usando o rap para improvisar, aconteceu no último dia 15, em Belo Horizonte, e reuniu, pela primeira vez, rappers de todos os estados brasileiros.

Ficando em primeiro lugar na competição, Max Dante, de 25 anos, mais conhecido como MC Miliano, além do prêmio de 10 mil reais, ganhou a participação no quadro Perfil da Pineapple Storm TV, no Rio de Janeiro, com todas as despesas pagas.

Sul-mato-grossense nascido em Dourados, ele conta que seu primeiro contato com o rap, até onde ele se lembra, foi em 2003 na pista de skate da cidade, ouvindo as músicas da banda douradense Fase Terminal, além de clássicos como Eminem e Marcelo D2. Mas sua mãe conta que desde criança ele já gostava da música 2345meia78, do Gabriel Pensador. Sobre viver de rap, Miliano conta que no início a mãe não botava muita fé. “Agora ela apoia, mas ela já foi meio receosa com isso. Ela nunca proibiu, mas ficava meio cabreira. Agora ela acha lindo, maravilhoso, ela viu que é uma parada digna, que dá pra viver disso, sendo honesto, apesar de ser bastante incerto”, explica ele.

Miliano quase não acreditou que chegaria à final. (Foto: Hélio de Freitas)
Miliano quase não acreditou que chegaria à final. (Foto: Hélio de Freitas)

E a “referência para pensar fora da caixinha” veio de dentro de casa: “meu pai sempre curtiu muito rock and roll, e foi graças a ele que eu desde criança ouvi muita música alternativa em casa”, conta, acrescentando que, de toda a família, foi o primeiro a entrar para o movimento Hip Hop. Ele lembra que desde os 14 anos escrevia rimas, instintivamente, e compartilhava com os amigos, mas foi só aos 16 que viu, pela internet, uma batalha de improviso. “Era do Emicida, eu fiquei em choque quando vi aquilo, apaixonei na hora”, conta.

“Eu comecei a rimar sozinho, mas depois conheci um amigo que gostava de rimar e a gente ficava viajando, ficava um rimando pro outro. Até que em 2009 fizeram a primeira batalha aqui em Dourados e eu fui participar”, conta ele, que ficou em 2º lugar já na primeira competição em que rimou em público.

O rapper conta que por um longo período deixou o rap de lado, sem muita perspectiva de que isso lhe daria algum futuro. “Eu parei de treinar, na época, mas continuava escrevendo. Trabalhei como entregador, como garçom, entrei pra faculdade, o rap tava longe de ser o foco da minha vida”, conta ele, que recentemente se graduou em Engenharia Ambiental pela UEMS. E foi pela universidade que ele foi para Brasília participar de um evento acadêmico em 2016, mas acabou se inscrevendo na Batalha do Museu, evento tradicional da capital federal que reúne todo domingo MC’s que fazem rap de improviso. “Cheguei, me inscrevi, batalhei e fui pra final, fiquei em segundo lugar. Eu senti aquela energia pela primeira vez, daí eu saí dali decidido que era isso que eu queria pra minha vida. Fui estudar batalha, estudar técnicas, me dedicar de verdade”, conta Miliano. E foi nessa época, diz ele, que começou a acontecer em Dourados a Batalha dos Ipês. “Foi aí que eu pude colocar em prática tudo que eu tava estudando”.

Improvisação é o lema. (Foto: Hélio de Freitas)
Improvisação é o lema. (Foto: Hélio de Freitas)

Em 2016 Miliano venceu o The Big Cypher of Campão, campeonato de batalhas que acontece aqui na capital, e ganhou a passagem para Belo Horizonte, para disputar uma batalha do Família de Rua, grupo que há 11 anos promove a cultura hip hop em Minas Gerais. Fruto desse encontro, em 2017 ele foi procurado para fazer a edição estadual do campeonato, aqui em MS.

Em 2018 ele entrou novamente na disputa do Duelo de MC’s, mas dessa vez, com a participação de todos os estados brasileiros, o campeonato foi dividido em fases estaduais, regionais e nacionais. Em outubro o campeão e o vice de cada estado foram para a fase regional, que no caso do centro-oeste aconteceu em Brasília. Miliano estava entre os semifinalistas, mas admite que chegou a duvidar que chegaria à final. “Eu queria, mas não tinha tanta certeza se passaria da fase regional, porque Brasília tem história no Rap, tem nome, já ganharam outras edições. Tem batalhas lá há vários anos. E quando eu passei pro nacional, foi alegria total, foi êxtase”, relembra ele, que ficou em segundo lugar na etapa regional, conquistando a vaga para a final em dezembro.

O rapper conta que quando voltou de Brasília, com a vaga garantida na final, pegou firme nos estudos e chegou a treinar seis horas todos os dias. Mas o tempo passou voando e o grande dia chegou. Era sábado, dia 15 de dezembro. Milhares de pessoas assistiam ao embate, que acontece tradicionalmente embaixo do Viaduto Santa Tereza, na capital de Minas. Na primeira fase da etapa final, ele enfrentou um MC do Acre, em seguida, na segunda fase, um do Rio de Janeiro. Já na terceira fase teve como adversária uma MC de Santa Catarina, e na fase final, que lhe rendeu a vitória, batalhou com mineiro NG, o MC da casa.

MC Miliano versus MC NG, na batalha final em Belo Horizonte. (Foto: Reprodução/Marcele Valina)
MC Miliano versus MC NG, na batalha final em Belo Horizonte. (Foto: Reprodução/Marcele Valina)

A disputa foi acirrada. Os MC’s improvisavam com rimas cada vez mais agressivas, tentando desestabilizar o oponente. Mas Miliano representou e a cada ataque, ele devolvia à altura, como quando o MC NG disse que o enterraria num buraco de tatu e ele sem titubear mandou: “aqui é Mato Grosso do Sul. Você falou que vai me jogar no buraco do tatu. Só que agora o sangue borbulha. Eu vou desovar seu corpo na Lagoa da Pampulha”, em referência à principal lagoa de Belo Horizonte.

Quando venceu a batalha final, Miliano não conseguiu segurar as lágrimas. “Chorei largado. Foi a realização de um sonho de anos, não só meu, mas de milhares de muleques pelo Brasil. Na hora eu só conseguia pensar ‘não acredito que eu fiz, mano’", relata ele, sem disfarçar a alegria.

O rapper não conteve as lágrimas. (Foto: Reprodução/Marcele Valina)
O rapper não conteve as lágrimas. (Foto: Reprodução/Marcele Valina)

Da aparente tensão entre os MC’s, que se atacam o tempo todo durante as batalhas, ele garante que tudo faz parte da atuação: “todo mundo ali é muito amigo. A vivência por trás é gigante. A Família de Rua faz jus ao nome, se preocupa com todos os MC’s, trata todo mundo muito bem, os competidores se respeitam, a sensação é de família mesmo”, explica.

Sobre representar o estado do sertanejo e do agronegócio num evento nacional de rap, ele diz que a responsabilidade se torna ainda maior: “é importante como ferramenta para exercer a nossa cidadania, até porque eu acho que o agronegócio é o câncer do Brasil, e o sertanejo universitário é uma música enlatada feita para manter as mentes na zona de conforto, que é exatamente o oposto da essência do rap”, critica ele.

Trabalhando como entregador de lanches até junho do ano passado, hoje Miliano tira seu sustento da música, com o estúdio que construiu em casa e as batidas que compõe para outros MC’s. E para quem está começando agora na arte de rimar improvisando, a dica do campeão nacional é: “sai do Instagram, sai do Facebook, vai pra rua ouvir rap. Rap é vivência, é estudo, é o que tem dentro de você, mas se você for vazio, não vai ter nada. Tem que ouvir músicas, assistir filmes, ler livros, aumentar o vocabulário. Quanto maior o seu leque de palavras e assuntos, mais coisa você vai ter disponível na sua cabeça na hora de improvisar”, revela ele.

“A cultura hip hop tem uma postura, uma cultura por trás como, por exemplo, o nosso lema de ‘paz, amor, união e diversão’. O hip hop surgiu para pacificar as rixas que tinha entre as gangues. E o movimento consiste principalmente em buscar o conhecimento, saber quem abriu a trilha pra gente caminhar. Além disso é uma cultura de resgate de autoestima, resgate da paz, da união”, esclarece ele, lembrando que, apesar disso, a cultura hip hop segue sendo marginalizada “justamente por conta dessas distorções que fazem do movimento. Porque não é só ostentar uma corrente de ouro”, finaliza.

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