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Artes

No meio dos planos de voltar com banda, a chuva chorou no último blues de Renato

Paula Maciulevicius | 17/02/2015 13:09
A última vez nos palcos foi no dia 9 de janeiro, no Super Jam Blues Bar, como participação especial. (Foto: André Vidal)
A última vez nos palcos foi no dia 9 de janeiro, no Super Jam Blues Bar, como participação especial. (Foto: André Vidal)

"Quando será o meu último blues? Onde será o meu último blues? Será na mesa de um bar? Será numa noite de lua?Será que a chuva vai chorar no meu último blues?" A chuva chorou no último blues de Renato Fernandes. No final da manhã desta terça-feira foi enterrado um dos maiores nomes do estilo no País. Ex-vocalista do Bêbados Habilidosos, Renato viveu muito, mesmo indo embora tão cedo.

A última vez nos palcos foi no dia 9 de janeiro, no Super Jam Blues Bar, como participação especial. Mas os planos eram de se apresentar logo depois do Carnaval num show de volta da Blues Band, sua primeira banda, criada ainda nos anos 90. Naquela noite, o músico Luis Henrique Ávila dividiu o palco com Renato e também uma conversa sobre a música "Último blues", composta por ele. 

"Ele falou 'como será meu último blues'? A gente falou da música hoje e que não sabia que o último blues seria com a gente. É triste e ao mesmo tempo uma honra. 'Será que vai chover no meu último blues?' E olha o tempo como está?" compara Luis.

No final da manhã desta terça foi enterrado um dos maiores nomes do estilo no País. (Foto: Alcides Neto)
No final da manhã desta terça foi enterrado um dos maiores nomes do estilo no País. (Foto: Alcides Neto)
"Não sabia que o último blues seria com a gente", diz músico Luis Henrique Ávila. (Foto: Alcides Neto)
"Não sabia que o último blues seria com a gente", diz músico Luis Henrique Ávila. (Foto: Alcides Neto)

Marcado para 10h30 da manhã, quando o relógio marcou o horário uma salva de palmas antecedeu o fechamento do caixão. Familiares, amigos, companheiros de palcos e acima de tudo, fãs de Renato, aplaudiam seu último blues no cemitério Jardim das Palmeiras, em Campo Grande.

"Para mim foi um golpe. A gente estava programando um show... O Renato para mim representa um dos maiores nomes do blues. Nós perdemos em termos de qualidade, na composição de canções. Ele é um cara, um artista fora de sério"... As palavras saem com a melancolia que o estilo sempre carregou da boca do músico João Bosco Ferreira de Melo, o Bosco Batera, que fez parte da primeira banda de Renato. Se a volta seria para valer, Bosco resume que tudo ia depender desse show.

Renato como pai - "Ele é o blues", mas também foi pai e filho. Renata Messa, única filha do músico tem 25 anos, é esteticista e vestia a camiseta que presenteou Renato no último Dia dos Pais, de Raul Seixas. Antes de começar a entrevista, ela fala que já estava, de certo modo, preparada para falar sobre a morte, a vida e as músicas do pai. "Isso é consequência de tudo o que ele fez a vida toda", sorria.

"Para todo mundo ele era o cara do blues. Para mim, era o meu pai", fala a filha. (Foto: Alcides Neto)
"Para todo mundo ele era o cara do blues. Para mim, era o meu pai", fala a filha. (Foto: Alcides Neto)

"É muito estranho. Para todo mundo ele era o cara do blues. Para mim, era o meu pai. Na noite ele bebia, em casa, era careta. Eu tinha que estudar, ele era ciumento. Me criou até os 7 anos depois da separação dos meus pais. A gente tinha uma relação de amizade, não era só pai e filha".

Os planos de montar um novo grupo resgatando a Blues Band tinham sido todos compartilhados com Renata. "Seria no próximo final de semana. Ele queria voltar em grande estilo e eu não quero que o evento seja cancelado. Vou fazer de tudo para ter. Será uma forma de se despedir como blues. Isso aqui não é ele, mas é o que tem ser feito", diz.

Foram sete paradas cardíacas que tiraram a vida de Renato. "Ele brigou até na hora da morte. Turrão mesmo, sete paradas não é para qualquer um", comenta a filha. Segundo Renata, o pai dormiu bem na noite de domingo e ao acordar na manhã desta segunda-feira, começou a passar mal por volta das 11h.

"Levamos ele para o posto e ele já teve uma parada no táxi. A sétima não teve volta", conta. O resultado dos exames que vão atestar a causa da morte só devem sair no final da semana, mas a desconfiança dos médicos, conforme a família, é que um AVC hemorrágico tenha apagado as luzes do palco para Renato.

"Eu tocaria com ele o resto da vida e eu sei que ele tocaria comigo", diz músico Fábio Brum. (Foto: Alcides Neto)
"Eu tocaria com ele o resto da vida e eu sei que ele tocaria comigo", diz músico Fábio Brum. (Foto: Alcides Neto)

O músico morava há dois anos com a mãe, dona Cecy, no bairro Santo Amaro, aqui na Capital. A mudança foi em março de 2013, depois que ele teve um infarto. Cecy tem 78 anos e não teve forças para acompanhar o velório. Ficou em casa, onde repete que Renato está no quarto, conforme relatou a neta.

A 30 minutos do sepultamento, o músico Fabio Brum chegou ao velório. De São Paulo, ele veio de ônibus assim que soube da notícia. Foi um dos que dividiu palcos, histórias e o blues com Renato, inclusive na formação da Blues Band. "Todos nós crescemos juntos, tocando blues, tocando rock"... As frases de início saem desencontradas, refletindo o estado de quem esperava encontrar Renato no microfone e não ali.

A última vez em que estiveram juntos, Renato e Fabio, foi no Festival em Bonito. "Demos algumas risadas, ele falou umas besteiras e combinamos de fazer vários shows. Não deu tempo..."

Fábio diz que em comum eles tinham a música como a coisa mais importante de suas vidas. "O talento que ele tinha era uma coisa nata, fora do comum. Nunca vi ninguém compor, em português, tão bem como o Renato. A gente viajava de Kombi para fazer os shows, aprendi muito com ele..."

A amizade dos dois continuou mesmo à distância. Há 10 anos Fabio deixou Campo Grande para tocar em São Paulo. "Só não continuamos juntos porque ele queria ficar. Eu tocaria com ele o resto da vida e eu sei que ele tocaria comigo".

Familiares, amigos, companheiros de palcos e acima de tudo, fãs de Renato, aplaudiam seu último blues no cemitério Jardim das Palmeiras, em Campo Grande. (Foto: Alcides Neto)
Familiares, amigos, companheiros de palcos e acima de tudo, fãs de Renato, aplaudiam seu último blues no cemitério Jardim das Palmeiras, em Campo Grande. (Foto: Alcides Neto)
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