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Comportamento

“Quem ouvir, favor avisar": termina hoje prazo para o "fim" da rádio AM

Ângela Werdemberg, especial para o Lado B | 26/03/2014 06:32
 João Vicente José da Silva acompanha partidas de  futebol ainda pela AM.
João Vicente José da Silva acompanha partidas de futebol ainda pela AM.

Lançado como uma novidade quase mágica em 1920. Digamos, que era o iPhone dos sonhos de consumo de quase todos os brasileiro à época. O objeto mais cobiçado até a chegada da televisão. Opção de diversão e informação. Ao longo dos anos 40 e 50, o rádio viveu seu apogeu, com novelas, programas jornalísticos e musicais.

De lá para cá, passamos das caixas enormes feitas de madeira à rádio on-line, aplicativos em que o próprio ouvinte escolhe a programação. Dos botões que precisavam ser movidos em sentido horário e anti-horário a um simples toque para sintonizar. Do chiado que se ouvia durante a busca por uma nova frequência ao áudio limpo, quase sem ruído. Se você nasceu depois da década de oitenta, provavelmente não tenha o hábito de ouvir rádio AM.

Com a vinda da televisão e de mídias interativas, rádio de onda média (OM) ou de amplitude modulada (AM) ficou na nostalgia. “Infelizmente, a frequência AM não é mais viável economicamente. De que me adianta chegar ao Pantanal, se ninguém vai me ouvir por causa da qualidade do áudio. O ouvinte opta pela rádio de sua cidade, que tem menos ruído”, diz Luciano Barbosa Rodrigues, diretor da Rádio Cultura AM.

A presidente Dilma assinou no final do ano passado um decreto que libera as emissoras que operam em AM a migrarem para FM. Aqui em Mato Grosso do Sul, as rádios que tiverem interesse tem só até hoje para comunicarem ao Ministério das Comunicações, por meio da Anatel, a vontade de mudar.

Faixas serão destinadas para que a rádio AM vire FM. Em alguns lugares, como aqui no Estado, já temos frequências disponíveis e por isso haverá liberação imediata.

O processo de migração não é obrigatório, mas o Governo Federal acredita que 1.700 das 1.772 rádios que operam em AM, no Brasil, devam optar pela mudança. Para fazer a alteração, os radiodifusores terão alguns custos. Eles deverão pagar a diferença entre o valor da outorga de AM para FM. Além disso, terão gastos com equipamentos para transmitir o sinal em FM.

Dos especialistas consultados pelo Lado B, todos foram unânimes e utilizaram a mesma palavra para justificar a migração: sobrevivência. “As rádios AMs vêm perdendo audiência e passaram a ser inviáveis, na maioria dos casos”, explica Luciano. A Rádio Cultura, há 64 anos operando na frequência AM, também será adepta à mudança.

O jornalista e coordenador do curso de jornalismo da UCDB, Oswaldo Ribeiro, explica que o formato das duas frequências é distinto. “Na FM, o foco está na programação. Já na AM, o que chama a atenção é o comunicador. As pessoas ligavam o rádio para ouvir o programa do Zé do Brejo, do Juca Ganso. Há está relação entre o ouvinte e o comunicador. O ideal seria manter o mesmo perfil para continuar diferenciando as rádios e diminuir a carência de quem ouve AM, ainda hoje”.

Mas e o homem do campo? Aquele caboclo isolado de tudo e de todos lá no Pantanal e que tem uma relação forte com o rádio? Pois bem, o diretor da Rádio Cultura diz que pouquíssimas fazendas ficam tão distantes de uma cidade hoje, que não consigam o sinal FM.

O engenheiro especialista em telecomunicações Alex Meira da Costa, que tem participado da instalação da TV digital e, agora, faz parte do processo de migração da AM para a FM, em todo o Brasil, reforça as vantagens da migração. Comenta que as rádios de ondas médias não têm operado com a potência que poderiam, devido aos altos custos com os aparelhos, com manutenção e com o consumo de energia para propagar o sinal para longas distâncias.

“As rádios AMs acabam operando com a potência mínima permitida para redução de custos. Com a mudança para FM, haverá uma melhora significativa na qualidade do áudio, além de permitir que estas emissoras participem do processo de digitalização do rádio, que será o próximo passo do Governo Federal".

As AMs que acharem a mudança inviável ou que tiverem o pedido negado, poderão solicitar a alteração das características técnicas da estação para aumentar a abrangência. “As AMs locais poderão solicitar a outorga regional. Isso significa que terá um alcance muito maior, mais audiência e poderão atender quem ainda ouve esta faixa. Está na mão do radiodifusor avaliar e tomar a decisão”, explica Alex.

Mudança de comportamento - Alex Meira é engenheiro de telecomunicações e há mais de 20 anos acompanha as mudanças dos meios de comunicação no campo. “Logo que me formei, fazia projetos de sistemas de comunicação via rádio para fazendas. Aquele sistema de transmissão que a pessoa precisava falar câmbio e liberar a frequência para a outra responder. Depois, veio o celular rural, o Ruralcel. Este projeto foi finalizado com a privatização da telefonia no Mato Grosso do Sul e, com a instalação de torres de transmissão para celular. Muitas fazendas trocaram o antigo rádio amador pelo celular”.

Outra questão abordada pelo engenheiro é a ausência de interesse dos ouvintes, principalmente os da área urbana, em sintonizar a faixa AM. “Muitos não utilizam esta opção nos rádios atuais, e quando ouvem, questionam a qualidade do áudio. Os equipamentos atuais, os multimídias, como os celulares e tablets, podem até acessar, ao invés, de sintonizar um canal de AM que estiver disponível num site, mesmo assim é pouco acessado e muito menos sintonizado. A tecnologia tem mudado o comportamento dos ouvintes".

“Quem ouvir, favor avisar" - A famosa frase de Juca Ganso não faz mais parte do Programa "A Hora do Fazendeiro", que ainda hoje é produzido pela Imaculada Conceição, antiga Rádio Educação Rural. A expressão "quem ouvir, favor avisar" foi substituída por balcão de emprego e programação musical.

Mesmo não tendo mais a audiência dos anos dourados e com dificuldades financeiras, quem teve contato com a faixa AM ou que tem na memória a recordação de um avô ou de algum familiar sentado na cadeira de fio ou de balanço, assobiando polcas paraguaias, músicas de Délio e Delinha, Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, provavelmente, está sentimento um pouco de saudade.

A troca de faixa das AMs trouxe-me aquela mesma tristeza, sem explicação, que o pôr do sol avermelhado lá no Pantanal, na casa do Tio Nhonhô, trazia com o ‘cair do dia’. Parecia um momento sagrado, talvez de reflexão, com pouca conversa. Para as mulheres e crianças, era a hora do banho. Para os homens que chegavam do campo, era a hora da ‘branquinha’. O rádio quebrava o silêncio, disfarçava a tristeza que até hoje não descobri o motivo.

Saudades não só da rádio AM que não sintonizo há tempos. Saudades, também, de uma época boa. Esta mudança me fez lembrar o cheiro de alho frito, de feijão temperado da hora na casa da vó. O início da Hora do Fazendeiro anunciava que era hora de parar com as brincadeiras no quintal e correr para a cozinha. A frase era a mesma. “Vó, já está pronto o almoço?”. Claro que já estava. Ela esperava o programa começar para servir, assim como hoje espera a novela acabar para ir dormir. “Minha filha”, diz ela ao saber da mudança, “a moda agora é comprar CD”. Até a minha avó não liga mais o radinho.

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