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Comportamento

1º ‘maloka’ na UFMS, Du Mato leva cultura da ‘quebrada’ à sala de aula

Mesmo com preconceito de alguns, acadêmico dá continuidade aos estudos sonhando com o doutorado

Por Jéssica Fernandes | 25/02/2024 07:00
Du Mato participou do 3º encontro da consciência negra em escola pública. (Foto: Arquivo pessoal)
Du Mato participou do 3º encontro da consciência negra em escola pública. (Foto: Arquivo pessoal)

Das ‘quebradas’ de Campo Grande aos corredores da universidade pública. Alisson Benitez Grance, de 34 anos, o ‘Du Mato’, chegou ao lugar onde sempre sonhou estar. Cursando o 3º semestre de Ciências Sociais, ele mostra nas redes como é ser um dos primeiros ‘malokas’ a ingressar na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

Nesta semana, o acadêmico compartilhou um vídeo no Instagram onde relata algumas das vivências na universidade. Almoçar no RU (Restaurante Universitário) pagando mais em conta e ser proibido de usar óculos ‘juliet’ na sala de aula são alguns dos casos que ele expõe em quase um minuto de filmagem.

"Existem vários outros fatos que ocorreram comigo, mas se colocasse no video ficaria muito comprido. Optei em reduzir o numero de situações, por exemplo, vários amigos meus conseguiram entrar em universidades publicas e a maioria deles vi desistir", explica.

Veja o vídeo:

Ao Lado B, Du Mato conta como é representar a ‘quebrada’ na faculdade, como é desafiador se manter na vaga que conquistou e o quanto deseja ver jovens como ele ocupando o mesmo lugar.

Há 13 anos, ele vive uma história à parte na música como MC de rap e funk, mas o Ensino Superior ainda é uma novidade. “Ingressar em um curso da UFMS sempre foi um dos meus maiores sonhos e foi muito custoso, pois sempre trabalhei com obra e estudei em escola pública. Me preparar para o vestibular dentro dessa rotina foi muito difícil”, afirma.

Após não passar no primeiro vestibular, o MC não desistiu e a aprovação veio no ano passado. Ao chegar nas salas de aula, o acadêmico encontrou professores que o inspiram e proporcionam condições para que continue firme nos estudos. O apoio é essencial já que a rotina de Du Mato é dividida entre trabalho e estudos.

Em 2023, ele apresentou projeto de extensão na universidade. (Foto: Arquivo pessoal)
Em 2023, ele apresentou projeto de extensão na universidade. (Foto: Arquivo pessoal)
Projeto do acadêmico de Ciências Sociais é baseado na literatura de rua. (Foto: Arquivo pessoal)
Projeto do acadêmico de Ciências Sociais é baseado na literatura de rua. (Foto: Arquivo pessoal)

Esse é um dos 'privilégios' que o acadêmico não tem comparado a maioria dos alunos. Por isso, tem muitas camadas da vida universitária que não fazem parte da realidade dele, sendo uma delas a participação em grupos de pesquisa. “O tempo é muito importante para o acesso ao que a faculdade proporciona como o pibic, pivic, tempo esse que pra mim é um privilégio não possível”, afirma.

Mas, no tempo que passa na universidade, Du Mato faz questão de ‘carregar’ a quebrada no modo de falar e se vestir. Sem abrir mão da identidade cultural, o estudante expõe como muitas vezes é difícil ser aceito no espaço. “Existe uma certa pressão para que o meu comportamento se adeque àquele mundo elitizado. Outro fato é que a aceitação e o respeito com a minha cultura e os meus valores não existem”, fala.

Ao expor isso, ele recorda um episódio que aconteceu em 2023 quando coordenou um projeto de extensão de hip-hop na faculdade. Na hora do intervalo, Du Mato levou alguns amigos MCs e músicos para realizarem apresentação em um dos blocos. “Vários professores se incomodaram, o incômodo deles foi tão notório que um professor foi racista com meu amigo DJ e classista comigo, chegando a dizer que eu deveria voltar pra favela para produzir aquela apresentação e que a UFMS não era local para aquilo”, relata.

Fora da faculdade, Du Mato promove evento com meninos da periferia. (Foto: Arquivo pessoal)
Fora da faculdade, Du Mato promove evento com meninos da periferia. (Foto: Arquivo pessoal)

Em outra ocasião, o artista foi proibido de entrar na sala de aula por estar usando óculos. Na época, ele e outros colegas de chapa concorriam às eleições do DCE e iriam apresentar as propostas na sala de aula. “Um professor não permitiu que eu desse o aviso em uma sala, pois estava de juliet. Meus colegas que seguem um padrão de vestimenta que se aproxima do gosto desse professor tiveram permissão para entrar e apresentar as propostas”, diz.

Entre as dificuldades e alegrias de estar na faculdade pública, Du Mato quer um dia sair do papel de aluno e virar professor. “Tenho o sonho de fazer mestrado e doutorado na área da política econômica e da sociologia. Pretendo dar aula, mas julgo ser importante também participar de movimentos que já proporcionam uma parada legal para quebrada”, destaca.

Dentro da universidade, ele aproveita todas as oportunidades que tem para levar a cultura da periferia às pessoas que nunca tiveram contato com a mesma. “Qualquer porta que encontro dentro da universidade para levar meus iguais até lá eu meto marcha. Em 2023 foi me confiado a coordenação de um projeto de extensão chamado ‘Poesia De Rua’ e levei vários artistas e simpatizantes da cultura hip hop para dentro da universidade”, pontua.

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