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Comportamento

A Bélgica, terra de futebol, crepes, chocolates e a música de Jacques Brel

Andrea Brunetto | 06/07/2014 08:10
A Bélgica, terra de futebol, crepes, chocolates e a música de Jacques Brel

Motivada ainda pela Copa do Mundo, pela partida de futebol da Bélgica com a Argentina, por estar escutando Ne me quitte pas, imaginei essa historieta belga que segue abaixo.

Uma vez eu sonhei em ter uma casa na Bélgica. Da janela do sótão dessa casa que nunca tive, eu vi as águas do canal de Gent, que se moviam lentas para morrer no Mar do Norte. Lá passei uma primavera, consumi algumas das melhores horas que se contam em uma vida. Depois dessa primavera sempre a Bélgica ficará para mim como uma saudade de dias nublados e frescos, de caminhadas pelo campo; saudade de fotos tiradas pelos caminhos, de canais e crepes, de uma língua tão difícil que nunca consegui aprender.

Andei muito pelo país, entre as torres de Bruges e Gent, sob o céu flamengo, nesse país plano que não era o meu. Do alto da torre da catedral de Damme, olhei ao longe o Mar do Norte. Tendo o vento do norte no rosto, a visão distante de Bruges, por momentos acreditei que entendia o país.

O país plano, o céu flamengo, o vento do Mar do Norte, o território mapeado entre as torres de Bruges e Gent, são as marcas que Jacques Brel coloca de seu país em suas músicas. Jacques Brel é um cantor de língua francesa muito conhecido, inclusive no Brasil, sobretudo por sua música Ne me quitte pas. Eu não sabia que ele era flamengo, sabia que era nascido em Bruxelas, francofone. Explico: a Bélgica é uma junção territorial de dois povos, duas línguas. Os valões falam francês e os flamengos, da região de Flandres, falam o flamengo.

Eu adorava andar pelas ruas próximas da estação de trens, em Bruxelas. No geral, ruas próximas a estações ou rodoviárias não são muito cheirosas, mas em Bruxelas cheiram a chocolate. E não qualquer chocolate, o verdadeiro chocolate belga, o melhor. Depois da estação, subia as escadas e virava à direita, seguia pela Rua Kantersteen e encontrava uma das melhores lojas de chocolates, que faz um chocolate artesanal desde 1919, o cheiro maravilhoso inundava o quarteirão todo. Nenhuma cidade do mundo por onde andei tem esse cheiro. Bruxelas é doce, cheira a chocolate por tudo.

Descobri tantas coisas andando por suas ruas. Encontrei uma exposição sobre a vida de Jacques Brel. Assisti um depoimento dele em que contava que seu pai era flamengo, sua língua era o flamengo; mesmo cantando em francês é de Flandres que ele fala em suas músicas. É um dos únicos cantores de língua francesa a falar de Flandres. E Ne me quitte pas, conhecida no mundo todo, ele compôs primeiro em flamengo.

A Bélgica é um país artificial, fala Brel em uma entrevista para uma rádio, em 1973. Estudando sua história, dá para entender sua afirmação. Já foi dominada pelos franceses, pelos espanhóis, depois ocupada pela Áustria, novamente França. E depois passou ao domínio holandês, tornando-se parte dos Países Baixos, até ser constituído o Reino da Bélgica. São tantas dominações e independências e de tantos povos. Sempre foram dois povos, duas línguas. E em oposição. Não se entendem, não conseguem definir um parlamento único. Na Idade Média, os flamengos eram vassalos, considerados como inferiores. Atualmente Flandres tem maior enriquecimento, uma produção industrial muito maior. Todos seus índices de desenvolvimento são melhores.

E volto a Jacques Brel, e sua música Ne me quitte pas. Traduzindo, é literalmente “Não me abandones” ou “Não me deixes”. “Não me deixes, vamos esquecer tudo que passou, que ficou para trás...Vou te oferecer pérolas que vi chover em um país que não chove mais...Não me deixes, que eu inventarei palavras sem nexo, que você compreenderá”. Eis a parte que mais gosto: “Não me deixe, eu inventarei palavras sem sentido, que tu compreenderás, eu te falarei daqueles amantes, que viram duas vezes seus corações se abrasarem. Eu lhe contarei a história deste rei, morto por não poder te encontrar. Não me deixes.” É uma música linda que fala de amor.

Assim foi dito a seu próprio compositor\cantor, Jacques Brel. Ele respondeu: não é sobre o amor, é sobre a covardia dos homens.

A Bélgica para mim é, além de crepes e chocolates belgas, e agora também, futebol, um país impressionante. E que guardarei comigo na memória.

*Andrea Brunetto é psicanalista, escritora e colaboradora querida do Lado B

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