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Comportamento

Almoço com autista, cega e cadeirantes gera cenas que só a inclusão pode render

Imagens chamaram atenção pela simplicidade de um almoço entre amigos com histórias diferentes e as mesmas lutas

Paula Maciulevicius | 12/01/2020 08:12
Do centro para a esquerda: Mirella, Letícia, Edite, Nelson, Deir, Lúcia, Romilda e Mariana. Os amigos que se reúnem em volta de uma casa. (Foto: Arquivo Pessoal)
Do centro para a esquerda: Mirella, Letícia, Edite, Nelson, Deir, Lúcia, Romilda e Mariana. Os amigos que se reúnem em volta de uma casa. (Foto: Arquivo Pessoal)

Um autista severo, cadeirantes, e uma cega protagonizaram a cena que somente o acolhimento e a inclusão poderiam render. Era apenas um almoço entre amigos de anos que caminham juntos por políticas públicas para pessoas com deficiência, mas foi ali no quintal da casa de Lúcia que momentos ficaram registrados em fotografia e também na memória.

Lúcia é a dona da casa que serviu de sede para o encontro. Assistente social, tem 50 anos, quase metade deles com trabalhos dentro de projetos que atendem pessoas com deficiência. De férias, ela pensou em fazer pequenas reuniões em casa e chamar os amigos mais próximos.

E nem se deu conta de que o convite reuniria gente com histórias diferentes e lutas tão iguais, como Letícia, a menina princesa e Marco, o autista, que encontrou em dona Edite a avó que ele perdeu 15 anos atrás. Era uma segunda-feira qualquer, da semana das festas de fim de ano, no bairro São Francisco. No cardápio, bife na chapa, arroz com legumes e uma grande salada tropical. A conversa foi tão boa que os 11 amigos, entre eles a anfitriã, esticaram até quase um jantar.

Coroa de Letícia traz empoderamento à cadeirante.
Coroa de Letícia traz empoderamento à cadeirante.

A lista de convidados partiu do princípio de que Lúcia queria reunir em casa as pessoas com quem ela conviveu o ano inteiro. "Que foram as mulheres da Amdef (Associação de Mulheres com Deficiência de MS) com quem eu convivo há cinco anos, a Mariana que é bacharel em Psicologia, o Deir e o Marco que eu já convivo oito anos", somando são anos de amizade e de muito aprendizado. 

Marco já foi tema de reportagem no Campo Grande News nos últimos anos em dois momentos. Autista severo, o pai, Deir, ligou para a redação anos atrás quando o ambulatório da Santa Casa anunciou que fecharia as portas. Um tempo depois foi a comemoração do aniversário do filho que virou matéria no Lado B.  "E foi a primeira vez, em oito anos que eu penso de trazer o Marco aqui na minha casa. Eu já fiz comida, já levei lá, já cozinhei lá e o que eu queria era saber como ele se comportaria na minha casa", conta Lúcia.

De Uber, Marco e o pai, Deir, saíram de casa rumo ao almoço. E foi ali que o rapaz, que não se abre para desconhecidos, quis pegar a mão de uma senhora com cara de avó, mãe da anfitriã Lúcia. "Ele pegou na mão da minha mãe, e isso é uma coisa que ele não gosta de fazer, mas como era uma pessoa de cabelos brancos, o pai dele acreditou que ele gostou tanto assim da minha mãe por ela lembrar a avó dele".

Aos olhos de todos, Marco, o autista severo conseguiu fazer uma associação entre a imagem de dona Edite e sua avó paterna, que já morreu tem mais de 15 anos. "Ele se apaixonou, levava ela na cozinha, mostrava o bule de café, pedia café. Coisa que ele nunca fez, como sentar na cadeira vazia dentro de uma roda de conversa, ele fez. Sentou do lado da minha mãe, pegou na mão dela e ainda deu risada", descreve Lúcia. 

Deu até tempo de tirar foto para registrar o momento que rendeu alegria para todos. Na hora de se despedir, Marco queria levar para casa a avó que ganhou de presente naquele dia. "Ele levou minha mãe até lá fora com ele e queria por no Uber", conta Lúcia. 

Marco, o menino autista, e a "avó", dona Edite.
Marco, o menino autista, e a "avó", dona Edite.

A outra cena veio de uma brincadeira, o amigo "revelado", foi a forma que a dona da casa encontrou para presentear com coisas simples, mas significativas, os convidados do dia. Letícia, uma das cadeirantes, ganhou uma coroa e junto com ela viu a cadeira de rodas se transformar em carruagem. "A gente sempre chamou ela de miss, porque é a nossa jovenzinha. Então acabei dando para ela uma coroa de plástico e ali coroamos a nossa princesa. Era uma brincadeira para curtir e passar o tempo", explica Lúcia.

No fundo no fundo, a assistente social sabia que o presente traria empoderamento e serviria para lembrar, toda vez que olhado, a força que Letícia carrega em si. "Foi bem emocionante, eu não estava esperando", diz a assistente social, Letícia Martins, de 24 anos. Depois de uma meningite na adolescência, Letícia perdeu movimentos e usa a cadeira de rodas. "Foi uma tarde de boas conversas, risadas e troca de experiências. Entre elas eu vejo que não sou só eu, sabe? Porque na minha cabeça eu pensava que 'isso' só acontece comigo, mas não, não aconteceu só comigo. Aconteceu a mesma coisa com elas. A coroa está guardada na prateleira e todo dia olho para ela buscando o empoderamento", descreve.

Presidente da Amdef, Mirella Balatore Tosta, de 56 anos, talvez seja o rosto mais conhecido nos últimos anos na luta pela inclusão. Já são cinco anos dedicados à entidade que mudou a vida de Mirella e de outras mulheres com deficiência no Estado. "O que acontece é que muitas entidades são meio que segregadas e cada um olha para o seu próprio umbigo. Naquele dia nós procuramos agregar deficiências enquanto associação de mulheres com deficiência, com cadeirantes, uma cega, meu marido que tem polio, e o Marco, autista. Foi uma celebração de tudo o que a gente anda fazendo e por tudo que a gente trabalha", relata. 

Entre tantas histórias, o que Mirella tirou das cenas que protagonizou e que também esteve como coadjuvante, é que está no caminho certo. "Isso, estou no caminho certo, rodeada de pessoas que realmente querem fazer alguma coisa pela mudança, pela acessibilidade ampla. Você não faz nada sozinha e se a gente não pode mudar o mundo, que pelo menos possamos mudar o nosso redor".

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