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Comportamento

Antes de partir, seu Jacó plantou orquídeas e despedida foi no jardim florido

Paula Maciulevicius | 26/09/2016 06:05
Seu Jacó e dona Terezinha, um amor de mais de 50 anos que terminou em orquídeas. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Seu Jacó e dona Terezinha, um amor de mais de 50 anos que terminou em orquídeas. (Fotos: Arquivo Pessoal)

O amor de 50 anos de Jacó e Terezinha se despediu no colorido das orquídeas. O quintal da casa no bairro Maria Aparecida Pedrossian contrariou até os especialistas no assunto e floresceu regado pelo mais genuíno dos sentimentos e adubado pela pressa. Em junho, ele disse à esposa que plantaria para se distrair. Mas por dentro, sabia que deixava nas flores a despedida. 

Em três anos, Jacó e Terezinha completariam bodas de ouro como casados, mas se contar desde o namoro, já tinham passado de cinco décadas juntos. "Eu estudava em colégio de freira e ele de padre. Ele foi bater lá na porta da escola, eu tinha 14 para completar 15 e falou que ia passar lá, para me buscar às vezes", conta dona Terezinha de Jesus Rockenbach. A cidade natal dos personagens é Carazinho, no Rio Grande do Sul. 

"A gente acabou se conhecendo na praça da escola, ele foi perseguindo e muito ousado, um dia bateu na casa dos meus pais. Eu tinha saído com a minha mãe, quando voltei, meu pai disse: 'olha, teve um rapaz aqui que queria vir em casa por causa dessa guria aí. O pior é que eu gostei dele'", recorda as palavras do pai. Seu Jacó conquistou primeiro os sogros, para depois ter o amor da filha.

Enquanto plantava, seu Jacó no jardim
Enquanto plantava, seu Jacó no jardim
E também pintando o muro para as fotos.
E também pintando o muro para as fotos.

"E assim foi, a gente acabou descobrindo afinidades. Levamos quase seis anos de namoro até casarmos", conta. Seu Jacó sempre mexeu com lavoura e do Rio Grande veio para o Estado administrar duas fazendas. A primeira parada foi Chapadão do Sul, depois São Gabriel do Oeste, para, por fim, chegar a Campo Grande.

A casa que recebeu a mais colorida despedida foi comprada 30 anos atrás, numa época em que Jacó voltou a trabalhar no Rio Grande do Sul. No relato da viúva apaixonada, o que não faltam são flores de quem sempre viveu num mar de rosas.

Desde a primeira casa, em lá em 1969, o quintal já tinha jardim. "Se ele sempre gostou? Sim, você precisa ver lá na chácara. Ele fez uma alameda de rosas. Nossa intenção era construir uma boa casa lá, seria a época de fazermos isso. Ele também queria muito ir para o Chile..." a lista de coisas que seu Jacó queria foi interrompida logo que as caixas de taças chegaram.

Isso porque, dona Terezinha comprou os copos para a festa de final de ano. "A gente queria fazer e depois da festa, ia dar um tchauzinho e viajar, voltar só em março, mas ele começou a ficar doente", diz.

Foi em dezembro, no dia seguinte ao aniversário, que seu Jacó começou a se queixar de incômodos. "De manhã, estranhei porque ele demorou para levantar, me dizia que parecia estufado e aí começou todo o processo", conta Terezinha.

Começo do desabrochar.
Começo do desabrochar.
E com as flores já sorrindo para a dona.
E com as flores já sorrindo para a dona.
Os médicos fizeram o que puderam. Disso dona Terezinha tem certeza. Mas o que gera dúvida é quanto ao jardim.
Os médicos fizeram o que puderam. Disso dona Terezinha tem certeza. Mas o que gera dúvida é quanto ao jardim.

Depois de passar por médicos, Jacó chegou ao exame de ultrassom, que identificou um volume no intestino. Era um câncer que foi operado três vezes. Duas ainda ano passado e outra no início de janeiro. "Ele entrou em coma, pensávamos que não ia ter mais volta e teve", relata.

Os médicos fizeram o que puderam. Disso dona Terezinha tem certeza. Mas o que gera dúvida é quanto ao jardim. "Ninguém acredita, porque as orquídeas estavam abandonadas", justifica. Ela e Jacó moravam na chácara e a casa do Maria Aparecida Pedrossian esteve fechada até a doença bater à porta. 

"Ele dizia que era para ocupar o tempo, era o que ele falava. Ele ia e ficava... Pintou até o muro de cá, porque depois era para tirar fotos", conta. Eram só orquídeas brotando em vasos e ao redor do tronco. Só que quando Terezinha viu o jardim florido, entendeu o real significado do desabrochar. 

"O Jacó começou a ficar mais lento, veio e deitou. Fui molhar e daí eu vi que estava cheio de botão. Eu chorei tanto... Por que? Porque aquilo era um sinal para mim. Até pessoa que mexia com orquídea dizia: 'isso aí só vai florir ano que vem' e começou tudo, olha aqui", aponta para as fotos. 

Se Jacó sabia que estava se despedindo? Terezinha afirma que sim. "Nós conversávamos muito sobre isso. Nós sabíamos que não ia ter volta e ele mesmo pediu para a médica ser realista. Triste é aquele que quer se iludir...", ensina. 

Até que um dia, Terezinha, seu Jacó e as orquídeas, se despediram em conjunto. "Nós estávamos sentados ali fora, ele pegou a minha mãe e disse: 'olha, pra onde eu vou, vou fazer um lugar mais bonito pra te esperar'. Quando ele me falou isso eu perguntei: 'Jacó, você está sentindo que está indo?' E ele disse sim e que não queria que eu sofresse. 'Não vou sofrer, mas vou sentir saudades. Mas você quer ir, então eu estou te entregando'. E a gente fez uma oração".

A essas horas, até mesmo as orquídeas devem ter chorado. "Eu entreguei ele na maior paz, não tenho o direito de querer, por isso acho que todo mundo tem que passar pelo setor de oncologia, para ver o que é sofrimento...", completa.

Toda família Rockenbach: filhos, netos, genro e nora.
Toda família Rockenbach: filhos, netos, genro e nora.

Quando saiu de casa para a última internação, já no início de setembro, dona Terezinha, os filhos e os médicos sedaram seu Jacó para dar a ele uma despedida serena. Tal qual havia ficado no jardim de casa. "E logo ele se foi, acho que não chegou nem a completar a sedação...", recorda a viúva.

Delicadamente, Terezinha revive cada uma das cenas do adeus, do último dia primeiro deste mês. "Ele beijava a mão do Daniel, da Luciana e a minha..." Depois de chamar as enfermeiras, quando se deu conta de que o marido havia partido, ela foi olhar para as mãos dele, que estavam cobertas. 

"Ele morreu tranquilo, normalmente, a tendência é sentir dor ou a ânsia da morte e ficar assim, mas não as mãozinhas dele estavam tranquilas", descreve sinalizando as mãos abertas. 

Enquanto chorava, ela recorda ter se sentido abraçada e cercada de paz. Talvez porque tenha dado tempo de - até mesmo seu Jacó - ver as orquídeas se abrirem pela última vez. "Deu tempo da gente ficar junto, conversar, sentar para assistir TV, os programas que ele gostava. Deu tempo disso tudo", se consola.

No velório, disseram que ela soube falar desse amor e do jardim muito bem. Ao certo, dona Terezinha não se recorda das palavras e atribui a um espírito de luz o que disse. "Ele teve uma vida muito boa, fez o que quis, o que ele queria e a gente viveu bem. Agora vou procurar viver o que prometi a ele, de levar uma vida tranquila e procurar fazer aquilo que eu tenho, por missão, a cumprir. Nós tínhamos um trato: ele sempre comentava que ia até os 70, passou e foi até 72, para mim ainda faltam três anos", brinca. Dona Terezinha tem 67. 

Foi isso que Terezinha falou. Parecia ter escrito antes. As palavras emocionam e fazem filhos e nora, se lembrarem com exatidão:

"Um dia eu entrei na igreja, perante os olhos de Deus, para me casar com esse homem. Hoje eu entrego ele de novo para Deus. Nós tivemos um casamento muito bom, sem brigas. Com muito amor. E hoje eu falo para todo mundo que para ser feliz, não basta a beleza, porque um dia ela acaba. Não basta o dinheiro, porque ele é uma conquista. O que basta e o que importa é o amor. E isso nós sempre tivemos". 

"E hoje eu falo para todo mundo que para ser feliz, não basta a beleza, porque um dia ela acaba. Não basta o dinheiro, porque ele é uma conquista. O que basta e o que importa é o amor. E isso nós sempre tivemos"...
"E hoje eu falo para todo mundo que para ser feliz, não basta a beleza, porque um dia ela acaba. Não basta o dinheiro, porque ele é uma conquista. O que basta e o que importa é o amor. E isso nós sempre tivemos"...

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