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Comportamento

Aos 29 anos, Samantha fala como é ser uma mulher transexual lésbica

Tatuadora que sonha em ser militar, Samantha fala sobre os tabus em ser uma mulher transgênero e homossexual

Thailla Torres | 01/09/2020 06:15
Samantha tem 29 anos e há um ano passa pelo processo de transexualização. (Foto: Arquivo Pessoal)
Samantha tem 29 anos e há um ano passa pelo processo de transexualização. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sempre que a gente conta uma história, começamos a falar de uma aspecto marcante e complementamos com informações adicionais, mas essa história é tão peculiar e importante, que a gente vai começar pelo o que ela é: uma mulher transexual lésbica, alguém que representa várias minorias e está inserida num contexto que reúne diversas lutas, e que merece ter sua história contada.

A tatuadora Samantha Winter, 29 anos, nunca teve dúvida de que gostava de mulheres. A mesma certeza nunca valia para sua relação com o corpo. Logo que nasceu ela foi designada como um homem, mas nunca foi feliz ao se olhar no espelho e não se reconhecer dentro dessa identidade. Foram anos buscando entender o porquê. Até perceber que era uma mulher transexual.

“O fato de gostar muito de mulher acabou passando por cima do que eu era de fato. Desde a adolescência eu nunca gostei de ser masculino, nunca curti o cabelo curto e calça largona. Ia na loja e comprava calça feminina, camisetinha baby look. Tive pequenos sinais que, pelo fato de gostar de mulher, foram silenciados. Tinha medo de me assumir transgênero e nunca mais ter uma mulher ao meu lado”, narra para o Lado B.

Aos mais conservadores ou perdidos, o termo translésbica pode até parecer difícil de entender, mas ser transgênero e homossexual é tão comum quando uma mulher cisgênero (que se se reconhece no gênero que nasceu) gostar de mulheres. Vale destacar que um ponto é a identidade de gênero, ou seja, a noção que Samantha tem e qualquer outra pessoa pode ter sobre ser homem ou mulher. Outro ponto é a orientação sexual, que fala sobre quem ela ou qualquer um quer exercer sua sexualidade.

Entendendo isso é fácil não fazer qualquer pergunta constrangedora ou mesmo transfóbica direcionada a mulheres como Samantha, embora isso ocorra com frequência, às vezes, insistentemente pautado na maldade, com questionamentos e agressões que surgem de uma sociedade que ainda não ultrapassou a barreira do preconceito.

“Não é nada fácil. Muita gente não entende. Parece que a gente tem que viver dentro de uma bolha e ser invisível ao mesmo tempo. E todo esse preconceito faz com que muitas mulheres transexuais, por exemplo, não se reconheçam como lésbicas.”

Ao Lado B ela conta sobre ser transgênero e homossexual. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao Lado B ela conta sobre ser transgênero e homossexual. (Foto: Arquivo Pessoal)

No caso da tatuadora, a sua identificação de gênero veio bem depois da orientação sexual. A primeira percepção de que realmente era uma mulher se deu onde menos esperava, numa sala de jogos on-line. “Eu sempre gostei muito de games e sempre era mulher em meus personagens, até que um dia um colega me perguntou o porquê. E questionou se eu não me sentia transgênero. Até então eu sabia que não era feliz no meu corpo, mas a coragem de passar pela transição nunca havia passado pela cabeça.”

Antes de perceber que era uma mulher que amava outras mulheres, Samantha teve um relacionamento amoroso que foi muito importante, além, claro de participar de grupos de grupos do Facebook em que outras pessoas transexuais falavam suas experiências. “Uma ex-namorada, à época, me disse que se eu quisesse me tornar mulher, ou seja, passar pelo processo de transição, ela estaria sempre ao meu lado. E aquele apoio foi muito fundamental”.

Em 2018, Samantha viveu um período em São Paulo e por lá conheceu muitas histórias, algumas que lhe deram coragem para voltar a Campo Grande e lutar verdadeiramente pelos seus sonhos. “Estava cansada de me olhar no espelho e não me sentir feliz”, diz. Mas acrescenta que o começo não foi fácil.

“O processo de tomar hormônios me causava conflitos. Eu tinha medo do que as pessoas iriam pensar, principalmente, o que as mulheres iriam pensar de mim. Mas resolvi acreditar que, independente do que eu fosse, não me faltaria afeto.”

Ainda não é uma transformação simples psicologicamente falando, explica Samantha, que nas ruas ainda não tem a completa passabilidade. O termo também incomum é usado para se referir ao quanto um homem ou uma mulher transexual “passam por” um homem ou mulher cisgênero. “As pessoas olham pra mim e acham que eu sou um garoto ainda. Ter a completa passabilidade é quando me olharem e me verem como mulher”, explica de modo simples.

Samantha faz acompanhamento em ambulatório de Campo Grande que oferece a terapia hormonal e acompanhamento multidisciplinar a quem está em processo de transexualização. Há um ano ela se viu confortável e feliz ao ser chamada, logo no primeiro atendimento, pelo nome que adotou. “Foi um dos momentos mais felizes. Não fui capaz de conter o riso naquele dia em que atendente me chamou de Samantha.”

Hoje ela deseja que outras mulheres lutem pela mesma felicidade.
Hoje ela deseja que outras mulheres lutem pela mesma felicidade.

Nem todo mundo da família a chama pelo nome social, mas ela acredita que cada um tem o seu tempo, assim como levou anos para se compreender e se reconhecer, por isso, é paciente. Atualmente, sonha em ver a barba sumir por completo, já se emociona ao ver ainda mais evidente os traços femininos, ama o cabelo despojado e é orgulhosa de ser uma mulher de estilo andrógeno. “Gosto de ser assim, me sinto bem, me sinto feliz. A cada mês, a cada minuto na verdade eu me sinto melhor, resolvi ser feliz e quero lutar para que outras mulheres como eu também sejam”.

Samantha também conta que sonha em ser militar, mesmo acreditando que isso hoje não é possível. “O que me impediu de ser militar foi que, se eu seguir essa carreira, teria que ter uma aparência masculina. Mas nunca deixou de ser um sonho. Eu acredito que a mulher tem que ocupar seu espaço em todos os lugares, especialmente num ambiente tão ocupado pelos homens.”

Mas já que a farda não faz parte do dia a dia, hoje ela se dedica ao universo da tatuagem. Tatuadora profissional há um ano, hoje faz atendimento a domicílio. “Tenho me sentido cada vez mais realizada. Amo falar da minha história, dos meus sonhos e estar cada vez mais lutando pela transexualidade, e a felicidade que é amar o próprio corpo”, finaliza.

Quem quiser ver os trabalhos de Samantha com a tatuagem, pode conferir tudo em seu Instagram (clique aqui).

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