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Comportamento

As câmeras desligadas que geram sensação de solidão nos professores

Falta de infraestrutura, como internet e equipamentos, dificulta o ensino remoto em meio à pandemia de covid

Letícia Ávila | 21/03/2021 07:22
Ensino remoto traz dificuldades não somente para os alunos, mas para todos o quadro de educadores também (Foto: Arquivo Pessoal)
Ensino remoto traz dificuldades não somente para os alunos, mas para todos o quadro de educadores também (Foto: Arquivo Pessoal)

Com o ensino remoto, alunos e professores de escolas e faculdades, públicas e privadas, tiveram que se virar “nos trinta” para continuar o difícil caminho da educação em meio à pandemia. Um ano depois, ainda estamos na mesma. A Campanha “Não deixe os professores sozinhos” pede para que os alunos liguem às câmeras para participar das aulas, para que, assim, não deixem os professores sozinhos. Porém, o buraco é muito mais embaixo e está relacionado à falta de infraestrutura, desigualdade, e um preparo das instituições ao ensino remoto.

Por trás de não ligar as câmeras, tem muitos outros elementos".

A fala é do doutor, professor e coordenador de Direito da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Tiago Botelho. Ele acompanha as aulas remotamente desde o início da pandemia. Doze meses depois, ele enxerga o quão traumática foi a experiência do ensino remoto. “Não teve um cuidado pedagógico por parte das entidades para se preocupar com o aluno e com o professor”.

Se os alunos não ligam as câmeras, os primeiros a entenderem o motivo são logo os professores. “Não ligar às câmeras está relacionado diretamente à escassez e precariedade da internet, das ferramentas e das tecnologias. Isso gera um distanciamento entre o professor e o aluno”, reflete Tiago.

Com um sorriso no rosto, aula on-line começa; desafios vão muito além do simples ligar de câmera (Foto: Arquivo Pessoal)
Com um sorriso no rosto, aula on-line começa; desafios vão muito além do simples ligar de câmera (Foto: Arquivo Pessoal)

“O ensino remoto por si só é excludente. Ele exclui alunas que são mães, pessoas em casas menores, exclui quem não tem acesso à infraestrutura”. Segundo o professor Tiago, é preciso criar formas de remediar a situação, principalmente por parte das entidades e instituições. “É preciso ter essa sensibilidade de que não é só ligar um vídeo para os professores falarem de suas casas”.

O professor de história Fábio Mantovaneli dá aulas de humanidades em escolas pública e privada em Campo Grande, e percebe a diferença da questão do ensino on-line dependendo da escola.

“Na escola particular, temos um número reduzido de pessoas e há uma colaboração da coordenação e dos pais para que os alunos estejam presentes, abram a câmera e se comuniquem pelo microfone”, relata.

Se a comunicação voltou a funcionar de maneira mais eficaz pela rede privada, o professor não sentiu os mesmos reflexos na rede pública. “Mais do que uma timidez ou outro motivo, acredito que seja mais um desafio de infraestrutura do que da própria adesão dos alunos”. Problemas de conexão relacionados à internet e até mesmo sobre uma estrutura de computadores são questões apontadas para essa dificuldade.

Professor vê a diferença do ensino remoto público para o privado como algo "complexo" (Foto: Arquivo Pessoal)
Professor vê a diferença do ensino remoto público para o privado como algo "complexo" (Foto: Arquivo Pessoal)

“Na escola privada, tem sim alunos que ainda teimam em não abrir a câmera, mas tenho todo o respaldo da coordenação para que os pais sejam acionados, para que os alunos sejam notificados. No caso da rede pública, talvez com uma melhora na infraestrutura, seja possível pensarmos em um motivo subjetivo, como timidez ou outra coisa, para os alunos não abrirem a câmera”, afirma Fábio.

Se tem uma classe que teve que se desdobrar diante da pandemia, certamente foi a classe dos professores, sejam de ensinos básicos, médios ou superiores. Como Fábio afirma, tiveram que virar “youtubers da educação”. “Para o professor, foi muito ruim ter que se adaptar às câmeras, aos mecanismos de gravar e postar as aulas, vem sendo um desafio”.

O professor Tiago não descarta a solidão dos professores, pelo contrário. Reflete que ela está diretamente condicionada à falta de capacitação e incentivo do governo diante dos desafios do ensino remoto. “A solidão vem daí, quando transplantaram um ensino presencial para o remoto e não se preocuparam com a realidade dos professores, inclusive em meio à pandemia e as dificuldades psicológicas de tudo isso”.

A solidão de ter que lecionar sem o vídeo existe, mas os professores percebem que o menor dos culpados são os alunos. “Compreendemos a realidade do aluno também, não é fácil transformar sua casa em seu local de estudo, ainda mais em um país desigual que tem moradias desiguais”, pontua Tiago.

Valentina participa das aulas on-line interagindo com as professoras em frente do PC (Foto: Arquivo Pessoal)
Valentina participa das aulas on-line interagindo com as professoras em frente do PC (Foto: Arquivo Pessoal)

A decoradora de festas, Mayara Flores, reflete sobre a importância das câmeras para a maior participação e interação da pequena Valentina nas aulas do 1° ano do ensino básico. “Não consigo imaginar Valentina assistindo às aulas online sem estar com a câmera ligada. Essa conexão visual com as professoras é muito importante, principalmente neste momento em que estamos vivendo”, ressalta.

A mãe percebe as dificuldades do ensino remoto, mas ainda garante que a interação faz diferença para o aprendizado. “O online está sendo difícil para todos, ficar com a câmera desligada só aumentaria a distância e faria com que a Valentina perdesse a ligação com as professoras”.

Em enquete realizada pelo Campo Grande News, 39% dos leitores disseram que "sim", sentem solidão por conta das câmeras desligadas. O restante dos votantes jura que não.

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