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Comportamento

Condenação de assassino não conforta mãe que sofre com o que Rayanne não viu

Paula Maciulevicius | 14/07/2016 06:05
Lilian, a mãe de Rayanne e dois dos três filhos que não conviveram com a irmãzinha. (Foto: Marina Pacheco)
Lilian, a mãe de Rayanne e dois dos três filhos que não conviveram com a irmãzinha. (Foto: Marina Pacheco)

Os 21 anos da condenação não chegam nem perto de ser um alento para Lilian Lúcia de Amorim, a mãe da menininha Rayanne, atropelada de propósito em 2012 por um traficante que tentava fugir da polícia, no bairro Tarsila do Amaral, em Campo Grande. Condenado só no papel, Magno Henrique Martins dos Santos, está foragido. Enquanto quem fica, sente a saudade pertinho, todos os dias. 

Foram quatro horas de julgamento na terça-feira dessa semana. Ao lado de Lilian, estavam o marido e mãe. A família repassava informações aos amigos e parentes que não puderam ir. Às 7h20 em ponto, Lilian estava no Tribunal do Júri e ao meio-dia, a sentença foi dada: 21 anos de regime fechado.

"Se a justiça foi feita? Não vai trazer ela de volta, mas pelo menos essa aí foi melhor que a primeira", fala Lilian, hoje com 34 anos. A mãe consegue não transparecer o amargor de ter perdido uma criança que estava voltando da escola quando foi atingida pela motocicleta. As palavras saem com doçura da alma, mas o rosto não nega que a dor faz, de marcar dia após dia.

Na mente da mãe, estão vivas as palavras do juiz: de que condenação nenhuma a traria de volta, mas era o que ele pode fazer. (Foto: Marina Pacheco)
Na mente da mãe, estão vivas as palavras do juiz: de que condenação nenhuma a traria de volta, mas era o que ele pode fazer. (Foto: Marina Pacheco)

Ano passado, nesta mesma época, Magno foi julgado pela primeira vez. Também foragido, teve a condenação limitada ao regime semiaberto. A família recorreu e teve de reviver tudo de novo agora, em 2016.

"Eu nem conseguia dormir direito. No dia, acordei 4h da manhã. O juiz falou com a gente depois. Ele foi bonzinho, disse que não dá sentença muito alta, mas como esse caso foi um absurdo... Eu falei não, o senhor fez seu trabalho bem feito, obrigada. Queria também ter agradecido à promotora", conta Lilian ao Lado B.

Na mente da mãe, ainda estão vivas as palavras do juiz: de que condenação nenhuma a traria de volta, mas era o que ele pode fazer. "Eu só disse: não moço, tá bom, tá bom e nós viemos embora".

Cabisbaixa, a mãe não encara a pena como consolo, porque não viu o motociclista sair dali, preso. "Mas eu já entreguei nas mãos de Deus. Nada não trazer ela de volta... Fechar a cicatriz não fecha, porque lá eu ouvi tanta coisa que não sabia... Tinha marca de pneu nas costinhas dela, cabelo na moto..." E quando o silêncio encontra a dor, Lilian termina a frase no ar.

"Aonde vão achar ele agora?" pergunta. E nem ouve resposta.

No coração, saudade divide espaço com a tristeza de ver que a filha não viu tanta coisa acontecer. Logo depois do acidente, a mãe que não conseguia nem dormir na casa, mudou de bairro. A família trocou a região do Nova Lima pelo Caiobá, onde esperavam uma casa dos programas populares.

"O que aconteceu nesses quatro anos que ela não viu? Tanta coisa... Direto a gente lembra dela. Eu vejo casos na televisão e me arrepia toda, eu penso 'tudo de novo' e coitada dessa mãe de agora", desabafa Lilian ao se colocar no lugar.

Rodeada de crianças, falta a risada de Rayanne em casa, na escola e na vida dessa mãe. "Eu tenho seis filhos, mas nenhum preenche o amor dela, porque todos são diferentes. Eu amo meus filhos, mas..."

Rayanne era a segunda filha, depois dela ainda são quatro. Gabriela, que acompanha a entrevista era recém-nascida e Luan, ainda de colo, é o caçula de casa. São dois irmãos que não conheceram Ray, como a família chama a menina até hoje. "Depois eu fiquei grávida do Rian e do Luan, ela não conheceu os dois", lamenta a mãe.

No coração, saudade divide espaço com a tristeza de ver que a filha não viu tanta coisa acontecer. (Foto: Marina Pacheco)
No coração, saudade divide espaço com a tristeza de ver que a filha não viu tanta coisa acontecer. (Foto: Marina Pacheco)

Pela casa, fotos da Rayanne estão nas prateleiras e a tia, guarda uma em especial. "Eu tento não ver, mas é difícil... Não tem como esquecer, meu filho pergunta o que é velório, eu, quando não quero explicar, peço para o meu marido".

Para as crianças, Ray, a irmã das fotos, virou estrelinha. 

"Naquele dia eu estava de dieta, com as crianças em casa, tinha acabado de nascer a Gabi. Meu marido tinha sofrido um acidente e estava correndo atrás do seguro. Não deu tempo de ele ir buscar as crianças.

Eu sempre levava e buscava, mas como estava com a criança pequena, não fui. Só que ficava de olho, ó tão saindo da escola, dava um passo pra frente de casa e dava pra ver elas vindo. Nisso, passou um carro correndo atrás de uma moto. Eu vi. Ele passou para trás, subiu e deu a volta e a hora que deu a volta, elas tavam vindo tudo de mão dada e ele veio pra cima delas, pra despistar os polícia e acabou atropelando ela... 

Minha filha, Laís que hoje tem 12 anos, estava junto. Ela correu, 'mãe, mãe a Ray'... Não queriam deixar eu chegar perto. Quando eu vi aquela cena, xingava todo mundo. Queria pegar ela dali e levar para o hospital, mas não pode mexer, não é? O Samu me atendeu, me deram remédio, quando acordei, já tinham levado ela.

Fui pra Santa Casa e olhando ela daquele jeito... Rostinho todo deformado, parecia que não era ela... Dentinho dela era tudo perfeito e estava fora do lugar. Me falaram para tomar uma água, quando eu voltei, ela estava bem ruim, ruim, ruim e começou a apitar o aparelhozinho... Foi o que aconteceu, 11h da noite, em ponto."

"Se eu perdoo ele? Nada vai trazer ela de volta. Deus sabe o que faz". 

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