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Comportamento

Criador do Doutores da Alegria prega otimismo na crise e acredita em revolução

Wellington Nogueira veio a Capital para palestra e falou sobre momento de extremismo e quem faz caridade para benefício próprio

Eduardo Fregatto | 18/08/2017 06:25
Wellington conversou com o Lado B poucos minutos antes de entrar em cena, no Teatro Dom Bosco. (Foto: João Paulo Gonçalves)
Wellington conversou com o Lado B poucos minutos antes de entrar em cena, no Teatro Dom Bosco. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Em tempos de crise, financeira, política, ideológica e até humana, em que assistimos, por exemplo, a eventos como a marcha neonazista ocorrida esta semana nos Estados Unidos, seria muito fácil perder o otimismo, simplesmente desistir da esperança e da fé num futuro melhor.

Não é o que acontece com Wellington Nogueira, de 56 anos. "Esse é o momento mais incrível pra gente estar vivo", afirma, com uma certeza de dar inveja nos mais pessimistas. Não à toa, o "palhaço de hospital", como se descreve, é conhecido como o Doutor da Alegria. Foi ele quem fundou no Brasil, no inicio dos anos 90, o grupo de palhaços que trabalha para alegrar e melhorar o dia de crianças, adolescentes e outros pacientes, que estão vivendo suas próprias crises contra alguma doença, internados em hospitais.

O Doutores da Alegria completa mais de 25 anos de história no Brasil. Começou em São Paulo e logo se espalharam pelo País. Wellington esteve em Campo Grande, ontem, para uma palestra, no Teatro Dom Bosco, promovida pela A Escola de Varejo da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG).

Ao Lado B, falou dos tempos de crise pelo qual o mundo passa e sobre sua convicção de que um novo jeito de viver, mais humano e cheio de empatia, está nascendo. "Estamos vivenciando uma revolução", disse. Também não reservou críticas para quem faz boas ações em benefício próprio. "Uma punheta", descreveu, sem ressalvas.

Os Doutores da Alegria completam mais de 25 anos de atuação, levando alegria para pacientes de hospitais. (Foto: Juan Esteves)
Os Doutores da Alegria completam mais de 25 anos de atuação, levando alegria para pacientes de hospitais. (Foto: Juan Esteves)

Otimismo em tempos de crise

"Eu entendo que esse é o momento mais incrível pra gente estar vivo", afirma Wellington, quando questionado sobre a era de extremos, polarização e demonstrações de ódio. "A gente está testemunhando as transformações e as polaridades são reflexo disso. Existe um velho sistema, um jeito velho de fazer as coisas, que está querendo morrer, mas é como aquele paciente na UTI, que ficam dando choque no coração pra ver se a criatura ainda vive. Enquanto isso, tem um outro sistema que já nasceu, já está coroado. É um jeito novo de ver e fazer o mundo, de interagir, de jogar, de brincar com o mundo.

A linguagem do futuro, que está começando agora, é sobre fluir. A gente saiu de uma era de tempos sólidos, baseada em organizar, estruturar, controlar e planejar... E agora estamos indo para uma era líquida. No líquido, as coisas fluem, as moléculas vão mais soltas, brincam mais.

É revolucionário. A gente pode até falar: agora ou vai ou racha. Pode parecer que vai rachar, mas a vida é uma coisa muito mais forte e surpreendente A gente não sabe nada. Aí reside meu otimismo, minha fé e minha tranquilidade de continuar fazendo o que eu estou fazendo".

Usar o sofrimento alheio para benefício próprio

"Eu nunca fiz nada pra me sentir melhor", diz Wellington, quando questionado sobre aqueles que fazem o bem buscando se sentirem pessoas melhores. "O Doutores da Alegria não é bondade, não é amor ao próximo, não é caridade, não é hobby, é uma profissão, onde eu tenho que colocar tudo a serviço do outro. É mais que uma boa ação, é um jeito de ver a vida. É sobre estar presente, se disponibilizar pelo bem-estar do outro.

No começo, muita gente ligava dizendo: eu preciso fazer esse trabalho, vou me sentir muito melhor. Eu respondia: querida, eu sinto muito, mas quem tem que se sentir bem são as crianças. Arranjei tanta briga... Minha preocupação era gente sem treinamento fazendo esse trabalho. Tanto que criamos uma rede de cooperação, para dar treinamento, de graça.

A transformação tem que ser completa. Você vai se questionando: eu não posso fazer a alegria da criança aqui, sair e fazer a vida da minha família um inferno. O próprio trabalho vai te exigindo uma coerência. E é pra esse lugar que a gente está se dirigindo. Toda a evolução humana vai se potencializar com a ressignificação da nossa relação com o trabalho, de enxergar a necessidade do outro.

Eu vou te falar numa boa: qualquer pessoa que está fazendo isso pra se sentir bem, na verdade, está usando o sofrimento do outro pra se sentir bem, então eu acho que isso é uma punheta".

Wellington prometeu aos pais que seria um grande médico, mas terminou se tornando um "palhaço de hospital". (Foto: Divulgação/Doutores da Alegria)
Wellington prometeu aos pais que seria um grande médico, mas terminou se tornando um "palhaço de hospital". (Foto: Divulgação/Doutores da Alegria)

Tecnologia versus contato humano

O futuro seria mais humano? "Totalmente. Com tanta tecnologia, o contraponto é o que uma palhaça, chamada Rubra, chama de 'tecnologia humana'. O grande desafio pra gente, atualmente, é poder fluir e interagir com o outro. Desenvolver as habilidades do olhar, da presença. Essa é a beleza! Com todo essa tecnologia, o importante vai ser o desenvolvimento das habilidades humanas, da escuta, do olhar, do que está sentindo, de escutar o que não está sendo dito, mas está sendo comunicado. É um momento de sutileza nas relações da gente com o outro, com a vida. A gente está começando a entender a sutileza e quando a gente entra nesse âmbito, não tem volta".

Ditadura da felicidade

"A vida não é assim, ser alegre o tempo inteiro. O professor Rubem Alves fala que ostra feliz não faz pérola. Felicidade, ao meu ver, é justamente o espaço pra você acolher o bom, o ruim, a concordância, a briga, a discordância e, em tempos de polarização, o cultivo de espaços de diálogo, o respeito, a consideração, a escuta por outros posicionamentos.

Hoje existe essa coisa da ditadura da felicidade. Felicidade não é sobre distribuir sorrisos, não é uma obrigação, é um estado de liberdade, de presença, de você olhar para o que realmente está acontecendo, e respirar para fazer uma escolha".

Empatia

"Eu aprendi a definir a alegria como você zerar tua cabeça, pra se disponibilizar pelo outro, entender a necessidade dele e agir pra supri-lá. Quando você faz isso, a pessoa reage, e aí você começou uma conexão. Tudo isso é o desenvolvimento de uma profissão de futuro, um jeito de você entender o outro. A empatia é sobre você ter realmente a capacidade de entrar no sapato do outro.

Hospital é um lugar que você tem a possibilidade de aprender a ter empatia, e é como andar de bicicleta, você não esquece".

O Doutor da Alegria é otimista em relação ao futuro e acredita numa mudança revolucionária. (Foto: João Paulo Gonçalves)
O Doutor da Alegria é otimista em relação ao futuro e acredita numa mudança revolucionária. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Viver a única certeza: o presente

"O hospital é, ao meu ver, uma metáfora do que gente está vivendo. Aliás, não sei mais onde começa e onde termina o hospital. Estou vendo uma série de doenças sendo cultivadas nas relações na vida. No hospital, pelo menos, eu vejo um esforço para trata-las.

Estou acostumado a trabalhar numa crise tão grande que toma conta de um corpo. E mesmo assim, quando a gente busca a conexão com o que está bom, a gente percebe que fica mais forte a possibilidade da criança ou do paciente se conectar com o seu lado mais saudável. Quando essa conexão ocorre, é incrível a força que eles começam a enxergar.

Agora na vida, o que a gente tem que fazer é criar a consistência, a firmeza da nossa tecnologia humana, da nossa capacidade de presença. Um viver sustentável. O homem aprendeu a botar a meta do futuro, que não aconteceu ainda. E correr atrás do prejuízo do passado, que já foi. Se você tirar uma foto do homem contemporâneo, vai sair um borrão. Porque esse coitado não habita a única certeza que ele tem na vida, que é o momento presente.

Eu vou ter que trabalhar menos, vou ter que refazer minha vida, mas vou ter que tirar 1h do meu dia para meditar, cultivar plantas, yoga. Enfim, tenho que fazer algo onde eu esteja ali por inteiro".

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Wellington afirma que é preciso estudo e muito treinamento para entrar num hospital com o objetivo de ajudar o outro. (Foto: Divulgação/Doutores da Alegria)
Wellington afirma que é preciso estudo e muito treinamento para entrar num hospital com o objetivo de ajudar o outro. (Foto: Divulgação/Doutores da Alegria)
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