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Comportamento

Depois de 30 dias em coma, despedida ensinou família que amar é também deixar ir

Maralúcia e Vanderlei concordar em contar a história de Vanderlúcio para que sirva de alerta para outras pessoas que sofrem com o diabetes.

Kimberly Teodoro | 08/04/2019 07:52
Vanderlúcio é lembrado pelo sorriso fácil e alegria com  que é registrado nas fotos (Foto: Aquivo pessoal)
Vanderlúcio é lembrado pelo sorriso fácil e alegria com que é registrado nas fotos (Foto: Aquivo pessoal)

“Depois que tudo aconteceu, eu ainda não tinha mexido nas coisas dele, peguei as fotos pela primeira vez ontem à noite”, explica Maralúcia Pereira Dias, de 62 anos, com um envelope amarelo em mãos. Dentro, imagens de Vanderlúcio Pereira Dias, um bebê saudável e risonho, que cresceu para se tornar um homem cheio de vida, mas que se despediu da família como “um passarinho, que se vai aos poucos”, depois de passar os últimos 30 dias em coma na Santa Casa.

Ela e o marido, Vanderlei Dias, de 66 anos, percorreram cerca de 100 km do sítio da família em Dois Irmãos do Buriti até Terenos, onde concordaram em receber a equipe de reportagem em uma manhã de sol que as nuvens tornaram rapidamente cinzenta, assim como o dia em que o filho partiu.

Em coma, há 3 dias da despedida, os médicos pediram uma reunião com a família. Sem reação ao medicamento e sem conseguir respirar sozinho, a opção de desligar os aparelhos que o mantinham vivo deveria ser considerada. No dia em que a conversa foi marcada, ele se foi de maneira natural e sem fazer alarde, como quem adormece. A decisão nunca precisou ser tomada, mas para os pais nunca foi uma possibilidade antecipar a partida, que aconteceu no tempo dele. Vanderlúcio parece ter esperado que aqueles ao redor dele entendessem que amar é também deixar ir, dizendo adeus aos poucos.

Desde pequeno os registros de Vanderlúcio mostram uma criança saudável e cheia de energia (Foto: Arquivo pessoal)
Desde pequeno os registros de Vanderlúcio mostram uma criança saudável e cheia de energia (Foto: Arquivo pessoal)
Vanderlúcio aprendeu a jogar bola assim que foi capaz de se equilibrar nos próprios pés (Foto: Arquivo pessoal)
Vanderlúcio aprendeu a jogar bola assim que foi capaz de se equilibrar nos próprios pés (Foto: Arquivo pessoal)

O rapaz, além da genética, carregava os pais no próprio nome, Vanderlúcio, uma junção de Vanderlei e Maralúcia. Nascido no aniversário de 11 anos de casamento dos pais, foi um presente para o casal. Lembrado pelo sorriso no rosto, presente em todas as fotos, herdou do pai o gosto pelo futebol e o laço comprido, além do amor pela vida no campo,  deixou na memória também a força com que carregava as dores e o cansaço provocados pelo doença.

Diagnosticado aos 14 anos com diabetes do tipo 1, em uma época em que não se falava do tratamento como hoje, os médicos “previam” que o menino chegaria no máximo aos 25 anos, se tivesse sorte. Ainda assim, ele nunca se deixou definir pela doença contra a qual não cansava de teimar. “Eu nunca imaginei que o Vanderlúcio poderia ter diabetes, para mim essa era uma doença de adulto. Ele sempre foi uma criança muito alegre, dos três filhos, ele era o mais espoleta, até os machucados dele não demoravam para sarar e como ele ia de bicicleta para a escola a única coisa que ele reclamava era uma dor de cabeça e cansaço”, conta Maralúcia.

Casado desde os 19 anos, Vanderlúcio deixou a esposa e uma filha de 10 anos.

O que o levou não foi a diabetes em si. Ao longo dos anos, foi prejudicando os rins até o estado crítico se tornar irreversível. Maralúcia conta que o filho se recusava a acreditar que tinha a doença, nunca fumou ou tomou bebidas alcoólicas, mas também tinha verdadeiro pavor de ir ao médico. “Ele dizia que era o único filho a não ter uma vida normal, o pai dele também é diabético, mas a doença apareceu depois dos 50 anos e não chegou a afastar ele do trabalho como fez com o Vanderlúcio, que tinha muita vontade de trabalhar, ele chorava por ver o pai e os irmãos fora e não poder fazer o mesmo”.

A saudade do filho ainda é presença constante, mas Vandelei e Maralúcia reuniram forças para contar a história do filho (Foto: Paulo Francis)
A saudade do filho ainda é presença constante, mas Vandelei e Maralúcia reuniram forças para contar a história do filho (Foto: Paulo Francis)

Sem reclamar das dores, que aumentaram nos últimos dois anos, o mau funcionamento dos rins, fez com que Vanderlúcio perdesse aos poucos a mobilidade, a retenção de líquido, principalmente nas pernas o colocou em uma cadeira de rodas durante um ano. Nos últimos meses, o acúmulo de água chegou aos pulmões, impedindo que ele respirasse e precisasse ser internado. 

No mês passado, não houve tempo de colocar o pesar em palavras, Vanderlúcio entrou em coma pouco depois de chegar ao hospital, passando a depender de máquinas para continuar vivo. A medicação ministrada pelos médicos para a infecção que se espalhava pelos rins durou 30 dias, período em que a família nunca perdeu a esperança de vê-lo se reagir, mas que aos poucos trouxe compreensão da situação. “Nos primeiros dias ele parecia dormir, só no fim da medicação ele pareceu abatido. Eu não sou médica, mas a gente observa os aparelhos, eu já tinha notado que os batimentos e a respiração dele só estavam diminuindo”.

Vanderlei esteve ao lado da mulher durante todo o relato, com poucas palavras, para ele a saudade é silêncio. (Foto: Paulo Francis)
Vanderlei esteve ao lado da mulher durante todo o relato, com poucas palavras, para ele a saudade é silêncio. (Foto: Paulo Francis)
Maralúcia ainda não consegue como serão os dias sem o filho, mas o amor de mãe é também gratidão pelos 30 anos em que ele esteve presente (Foto: Paulo Francis)
Maralúcia ainda não consegue como serão os dias sem o filho, mas o amor de mãe é também gratidão pelos 30 anos em que ele esteve presente (Foto: Paulo Francis)

Vanderlei esteve ao lado da mulher durante todo o relato. Com poucas palavras, para ele a saudade é silêncio. Ainda não se acostumou com a ausência do filho. Sempre que tomou para si a narrativa da história, foi para falar de dias melhores, dias de gratidão pelos 30 anos vividos ao lado do menino.

Conviver com a doença de Vanderlúcio e a sua própria, ainda é difícil, morando na chácara é necessário vir a Campo Grande para encontrar os alimentos indicados pelo médico para o controle da diabetes e quando conseguem, os preços são muito altos. Sem contar a insulina, que nem sempre tem no posto e precisa ser comprada na farmácia, não pode ficar fora da geladeira e nem pode faltar.

A ausência ainda é companhia constante para os pais que sobreviveram ao filho, e até que a dor da partida cicatrize e só reste o amor, o que fica de Vanderlúcio são os bons momentos e a coragem, que nunca faltou para enfrentar a vida, mesma coragem que Maralúcia e Vanderlei reuniram ao concordar em contar a história do menino alegre retratado pelas fotografias, o desejo deles é que sirva de alerta para outras pessoas que carregam a mesma doença. “É possível conviver anos com a diabetes e continuar saudável, ter uma vida completa, mas ela deve ser levada a sério, sem deixar para depois”, diz Maralúcia.

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Vanderlúcio ao lado do irmão, com o sorriso costumeiro no rosto (Foto: Aqruivo pessoal)
Vanderlúcio ao lado do irmão, com o sorriso costumeiro no rosto (Foto: Aqruivo pessoal)
Em uma das poucas que aparece sério, Vanderlúcio com a filha ainda bebê (Foto: Arquivo pessoal)
Em uma das poucas que aparece sério, Vanderlúcio com a filha ainda bebê (Foto: Arquivo pessoal)
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