ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  18    CAMPO GRANDE 20º

Comportamento

Diploma após os 40 também pode render um empregão

Elverson Cardozo | 03/12/2012 08:30
Aos 45 anos, Dilva está no cargo que sempre sonhou. (Foto: Simão Nogueira)
Aos 45 anos, Dilva está no cargo que sempre sonhou. (Foto: Simão Nogueira)

Ela passou 12 anos sem botar os pés dentro de uma escola, até que se deu conta de que estacionaria no tempo se não se dedicasse aos estudos. Decidiu, novamente, abraçar os livros e cadernos. Tinha 38 anos. Vinte quatro meses depois de concluir o Ensino Médio, estava dentro de uma faculdade. Hoje, aos 45 anos, Maria Dilva da Silva, se orgulha de contar a própria história.

Tornou-se uma profissional bem sucedida. Está no lugar que sempre sonhou, garante. É coordenadora de RH (Recursos Humanos) em uma indústria de embalagens plásticas em Campo Grande.

Passa 9 horas do dia dentro do trabalho, mas não reclama do tempo, pelo contrário. Agradece todos os dias a oportunidade que teve até agora. A vida, para funcionária vista entre os colegas como “guerreira”, não foi um mar de rosas.

A infância, no Paraná, foi na roça, no sítio do pai, junto com outros 5 irmãos, duas mulheres e três homens. "Eu sobrevivi a minha infância. Não vivi", avaliou. Com a morte da mãe, aos 11 anos, a família se mudou para a cidade de Alto Araguaia, no Mato Grosso.

Maria passou a cuidar da casa, dos irmãos e dos filhos da madrasta que o pai havia arrumado. Não suportou a carga e se mudou para Campo Grande, onde a irmã, que já havia casado, estava morando.

Aqui, passou a tocar a vida. Casou e teve um casal de filhos: João Rodrigues, hoje com 18 anos e Ana Carolina, que tem 12. A maternidade, o marido e a responsabilidade de dona de casa fizeram com que ela deixasse de lado a escola. Tinha 26 anos e só havia terminado o ensino fundamental.

O trabalho foi priorizado. À época, Dilva, como se apresenta, trabalhava em um escritório de contabilidade. Foram 12 anos na mesma empresa, que sucedeu a indústria de refrigerantes, o primeiro emprego, que conquistou aos 18 anos.

Depois disso, foi trabalhar em outro escritório, realizado a mesma atividade. Ficou por dois anos e meio na firma. Saiu para trabalhar em uma empresa de transporte de madeira, na saída para Três Lagoas.

Foi nessa época que decidiu voltar à escola. Dois anos depois, aos 40, entrou na faculdade, no curso de gestão de recursos humanos. “Com o passar do tempo eu vi que era necessário, como forma de melhorar a minha renda”, conta.

O desafio começou aí. Dilva não tinha dinheiro nem para pagar a matrícula. Teve que emprestar o valor e só conseguiu se formar porque renegociava a dívida do semestre a cada período. “Acabei pagando mais caro, mas foi desse jeito que eu consegui”, disse.

Coordenadora de RH é responsável pelo cadastro de 160 funcionários. (Foto: Simão Nogueira)
Coordenadora de RH é responsável pelo cadastro de 160 funcionários. (Foto: Simão Nogueira)

Como morava no Indubrasil - onde permanece até hoje, pegava 7 ônibus diariamente para ir da casa o trabalho e do trabalho à faculdade, que cursava no período noturno.

Saia de casa às 5h15 e só retornava às 23h30. Às vezes, sem dinheiro, passava o dia sem comer. Fora a dificuldade que enfrentava, ainda tinha que ouvir comentários pessimistas, de que não vê prazer na vida a não ser na tentativa de destruir os sonhos dos outros.

“Às vezes me falavam: ‘Eu vejo gente com diploma andando por aí sem conseguir emprego, você que com um curso de dois anos vai ter alguma coisa?’ Eu falava: ‘Não sei. Se não fizer não vou ficar sabendo”, lembrou.

No terceiro semestre do curso, Dilva recebeu o convite para trabalhar na indústria onde está hoje. Entrou com funcionária contratada. De lá para cá, já  se passaram mais de 3 anos.

Meses mais tarde veio a formatura no curso que tanto lutou. Um dia que nunca será esquecido. Uma conquista que marcou a vida da mulher de semblante tranquilo e fala calma, compassada.

“Passava um filme na minha cabeça, da chuva, do frio no ponto de ônibus, da saudade dos meus filhos. Vi que valeu a pena”, disse, se referindo ao momento em que, finalmente, segurou o canudo simbólico do diploma.

A menina que morava na roça e que um dia sonhou em ser secretária olhando os catálogos de cursos do Instituto Universal Brasileiro, agora anda de social dos pés à cabeça. Na sala, cercada por arquivos, duas assistentes estão à disposição dela.

Maria morou na roça até os 11 anos. (Foto: Simão Nogueira)
Maria morou na roça até os 11 anos. (Foto: Simão Nogueira)

O profissionalismo que aparenta faz jus à função que dá a ela autonomia para controlar o registro de 160 funcionários e desenvolver algumas das atividades mais burocráticas da empresa.

Para os colegas que conhecem a trajetória de Dilva, a persistência da coordenadora é digna de elogios. “É uma super vencedora. Muita gente tem facilidades e não vai atrás”, comentou Ilizandra dos Santos Queiroz, de 31 anos, que trabalha no setor financeiro da indústria.

O sucesso bateu à porta, mas a "culpa" é toda dela, comentou o gerente Marcos Rezende, de 43 anos, que acreditou na capacidade da funcionária, indicada por outra empregadora. “Ela correu atrás e corre até hoje”, resumiu, não antes de também tecer elogios à Dilva.

Não é porque chegou ao lugar que sempre quis e está na função que sempre sonhou, que a coordenadora parou no tempo. Maria está cursando o primeiro ano da pós-graduação em gestão de pessoas. Não pretende abandonar os estudos tão cedo.

“Meu interesse não é aparecer, mas eu gostaria de mostrar às pessoas que todo mundo tem a oportunidade. Sou uma mulher negra, vim da roça, mas acreditei em mim. Não tive oportunidade de estudar na época cerca. Paguei com meu próprio esforço e consegui estar hoje aqui. Tem tanta gente com a faca e o queijo não mão e não aproveita”, disse, por telefone, um dia antes da entrevista, quando ligou à redação, sugerindo reportagem ao Lado B.

Nos siga no Google Notícias