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Comportamento

Gabriella parecia saber que tinha pouco tempo e viveu cada minuto como heroína

Thailla Torres | 04/10/2017 06:15
Era apaixonada por super-heróis e pela vontade de salvar o mundo, ou pelo menos, quem tivesse ao seu alcance. (Foto: Arquivo Pessoal)
Era apaixonada por super-heróis e pela vontade de salvar o mundo, ou pelo menos, quem tivesse ao seu alcance. (Foto: Arquivo Pessoal)

O comum nunca bastou para Gabriella. Enxergou desde pequena, na vida, a chance de fazer um amanhã melhor. Era apaixonada por super-heróis e pela vontade de salvar o mundo, ou pelo menos, quem tivesse ao seu alcance. Viveu quatro décadas, distribuiu amor e plantou a força para que os amigos e a família pudessem contar com ela mesmo depois de sua partida.

Conhecida como "Super Gabi", Gabriella Vianna Fernandes descansou em janeiro de 2016 depois de tratar por dois anos um câncer no ovário. Era médica ginecologista, chegou em Campo Grande em 2004 e exerceu a profissão com amor, todos os dias, até o diagnóstico que a fez mudar para o Rio de Janeiro.

A série O que ficou de quem partiu de hoje ouviu atenta as palavras da mãe de Gabriella, a psicóloga Aurea Vianna, de 67 anos, que descreveu repetidas vezes o amor que transbordava da filha e a saudade que nunca terá fim.

Nas palavras da mãe de Gabriella, foi sempre uma mulher linda e intensa. (Foto: Arquivo Pessoal)
Nas palavras da mãe de Gabriella, foi sempre uma mulher linda e intensa. (Foto: Arquivo Pessoal)

As palavras de Aurea fogem da lamúria. A mãe recorda o lado mais especial de Gabriella, capaz de trazer alento contra a revolta de ver uma filha partir tão de repente.

"Sempre fui muito positiva e fui o tipo de mãe que nunca pensou que perderia um filho. Um dia eu olhei a Cissa Guimarães e notei um olhar diferente diante da sua perda. Mas, sinceramente, achava que não faria parte desse clube".

Aurea e Gabriella compartilharam alegrias, decisões e grandes conquistas juntas. Das festinhas de super-heróis até o dia em que a filha decidiu pela Medicina, no anseio de trazer uma vida ao mundo.

"Eu brincava que ela sempre imitava o pai, que é médico, mas desde de pequena ela foi estupidamente responsável, decidida e corajosa. Mas era tão modesta a ponto de não dividir a nota mais alta em solidariedade aos colegas que por motivos diversos tiraram notas menores", descreve.

Quando escolheu a Medicina, preocupou a mãe, mas recebeu todo apoio que merecia. "Coração de mãe pede o melhor para o filho. Eu me preocupava muito porque Gabriella era muito estudiosa, dedicada e eu queria que ela tivesse momentos mais tranquilos. Mas ela sempre teve foco. Quando escolheu ser médica fiquei apreensiva por todos os anos em que viu o pai passar o Natal fora de casa ou rotina diária de trabalho que é bastante exaustiva. Mas nada tirou o sonho de Gabriella de cuidar o próximo".

Gabriella exercendo o que mais gostava: a Medicina. (Foto: Arquivo Pessoal)
Gabriella exercendo o que mais gostava: a Medicina. (Foto: Arquivo Pessoal)

No final da faculdade, a filha recebeu o primeiro diagnóstico, depois de sentir fortes dores. Era endometriose e ela temia não conseguir engravidar por conta do problema. "Senti que aquele foi o primeiro balanço na vida dela, mas era muito positiva e resolveu seguir adiante. Dizia que se não pudesse engravidar, adotaria".

Aos 30 anos, decidiu morar em Mato Grosso do Sul, cada vez mais dedicada à profissão. Gabriella era do tipo que sempre chegava atrasada, mas nunca tinha pressa de sair. "Eu ia visitá-la nos feriados enquanto ela saia diversas vezes para fazer um parto. Sempre generosa e sorrindo. Eu acho que ela tinha uma pressa, porque no fundo, sabia que não ficar muito tempo, então queria fazer tudo e o melhor para todos".

Em 2014, Gabriella estava bem quando começou sentir mais dores. O diagnóstico foi imediato, mas inesperado pela médica: câncer de ovário. Depois do baque, começou o tratamento acreditando que tudo daria certo. "Começou a quimioterapia, remédios, consultas e viu o cabelo diminuir. Mas nunca ouvi uma lamúria. A força dela era tão grande, que não dava espaço para a tristeza", lembra Aurea.

Apesar de todas indicações de repouso, Gabriella não aceitou ficar quieta. Continuou no pilates, natação, estudos e encarou novas experiência. "Fez curso de corte e costura, jardinagem, tinha grupo de bicicleta e rapel no celular, estava sempre realizando o sonhos".

Fantasiada de Meninas Super Poderosas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Fantasiada de Meninas Super Poderosas. (Foto: Arquivo Pessoal)

A pressa de viver intensamente tudo fez até ela se enfiar em um avião para viajar a Portugal com sua avó de 88 anos, no fim de 2015. Foi a festas de aniversário, sorriu, brincou e visitou amigos. Sua fé aflorou tanto, que o medo não cabia mais dentro de si, até o dia em que chamou a família para dizer que estava na hora de seguir o seu caminho tranquila.

"Era janeiro de 2016. Nenhum remédio estava dando certo. Ela começou dar sinais que não estava bem, comendo pouco e quieta. Acabou sendo hospitalizada". 

Um dia antes da sua partida é que caiu a ficha de Aurea sobre o momento da filha. "Ela disse que estava certa que tinha permissão do outro plano espiritual para continuar trabalhando muito, que estava pronta e tranquila para fazer sua passagem". 

No dia seguinte, Gabriella fez um discurso bonito, demonstrou o quanto prezava pela humildade, simplicidade e carinho. Agradeceu a todos, olhou nos olhos e disse que estava pronta. "De maneira tão natural como se estivesse vendo o filme preferido, pediu para fechar os olhos e assim permaneceu até o fim do dia quando descansou com serenidade".

Se Gabriella soubesse, lá atrás, tudo o que viria pela frente, não ia sobrar dúvidas de que continuaria dando o mesmo passo. "Ela fez exatamente o que sempre sonhou, independente de tempo. Se tivesse uma chance, ela faria tudo de novo".

E para Aurea, "isso tudo é tão óbvio",  porque compreende que não importa o lugar, Gabriella vai estar sempre com as pessoas que amava. "Sei que ela está sempre conosco. Que ela esteja bem cuidada e acolhida onde estiver".

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